Lara feita pelo fã Roidfail. |
Muitas vezes somos demasiado
precipitados ao atribuirmos o título de “herói” a certas personagens.
Especialmente quando se trata do protagonista. Ainda mais especialmente quando
se trata da personagem que nós controlamos num jogo. Esta pode ser uma
informação chocante para alguns de vocês, mas a Lara Croft não é a heroína da
história. E temos várias evidências para o afirmar. Então, seria ela uma vilã?
Vamos descobrir!
Bem, comecemos por definir alguns
conceitos. Herói é o indivíduo que se destaca por atos de extraordinária
coragem, valentia, força de caráter, ou outra qualidade considerada notável.
Vilão é o indivíduo que possui qualidades morais negativas, que é vil ou
desprezível. Já sei, a descrição do herói é praticamente a descrição da Lara.
Ou talvez não seja. Será que vocês andaram a olhar da forma errada para a
personagem estes anos todos? Ok, talvez o termo “vilã” seja muito forte. É por
isso que temos uma terceira palavra, que se encaixa na perfeição com a
personagem da Lara. Anti-herói é o indivíduo, geralmente protagonista de uma
obra, que não possui as virtudes tradicionalmente atribuídas aos heróis. No
fundo, tem atos heroicos, mas o seu comportamento não é propriamente exemplar.
Porque é que a Lara Croft é um anti-herói, perguntam? Bem, chegámos à parte de
mostrar as provas.
Este assunto não se trata de
teorias malucas da parte dos fãs. A Lara já foi oficialmente descrita como
anti-herói várias vezes. Toby Gard, o criador da personagem, disse o seguinte,
numa entrevista: «A Lara é fogo e gelo, mente e paixão, força e agilidade, mas
ela também é um anti-herói incomum.» Podíamos terminar o artigo por aqui,
certo? Se o criador da Lara a descreve como um anti-herói, quem somos nós para
questionar? Mas ainda temos muito mais para discutir!
No livro “Rules of Play”, Gard
diz que “Thank Girl”, uma série de comics do final dos anos 80, serviu de
inspiração para a criação da Lara Croft. A história é sobre uma mulher,
descrita como anti-herói, que conduz e vive num tanque de guerra. Aliás, os
esboços iniciais de Toby Gard, durante a criação da Lara, mostram, de facto,
uma mulher muito mais militar, mercenária, que manuseia armas de guerra e que,
num dos desenhos, segura cabeças com uma das mãos. Sim, eram só artes
conceituais, ideias para o jogo. Então, o que a Lara faz de tão errado nas suas
aventuras?
Bem, podemos já começar pelo nome
“Tomb Raider” (Assaltante de túmulos). Não é uma coisa muito correta de se
fazer, pois não? Quem é a Lara Croft? Uma aristocrata britânica, milionária,
que se interessa por arqueologia e coleciona relíquias de valor incalculável. O
Scion, a Adaga de Xian, o Amuleto de Hórus, etc, são apenas artefactos que ela
perseguiu para as suas próprias e egoístas ambições. Como ela menciona no
primeiro jogo: “Eu só jogo por desporto.” É um passatempo, uma diversão. A Lara
quer a relíquia e ela vai consegui-la, nem que tenha de matar tudo e todos os
que se atravessarem no seu caminho. Claro, ela já salvou o mundo, várias vezes,
ao evitar que artefactos poderosos caíssem nas mãos erradas. Mas ela só se viu
nestas situações por acidente, enquanto estava a procurar o artefacto para ser
apenas mais um item na sua coleção e, por acaso, existia outro alguém atrás do
mesmo objeto. A única exceção para isto é quando, no Tomb Raider IV, ela abre
mão do Amuleto para evitar o apocalipse e, obviamente, evitar a sua própria
morte. Mesmo no Tomb Raider: Legend, as suas motivações ainda são egoístas: A
mãe dela. Sim, é um motivo mais forte do que “quero este item para a minha coleção”,
mas continua a ser um motivo pessoal e egocêntrico. “Vou descobrir o que
aconteceu com a minha mãe, nem que tenha de matar toda a gente na Terra.”
Esta é a parte divertida! Vamos
lá analisar tudo o que a Lara já fez de… pouco correto, digamos. Coisas que
nós, ao jogar, ignoramos completamente. Primeiramente é importante que se diga
que sim, na maioria dos casos, a Lara mata para sobreviver. E existe um diálogo
numa HQ clássica bastante interessante: «Quantas pessoas já mataste na vida,
Lara?», «Só aquelas que me tentaram matar.»
Mas será isto 100% verdade? Bem,
vamos à lista de coisas que a Lara faz e que um herói, pelo menos um
tradicional, não faria: Os humanos e animais que a Lara mata nos dois primeiros
jogos são, de facto, na sua maioria, ameaçadores, mas e quanto aos monges do
Tibet no Tomb Raider II e os pequenos macaquinhos do Tomb Raider III? Claro, é
uma opção do jogador, mas se existe a opção, é algo que a Lara faria. Aliás, a
Lara do TR3 é a menos politicamente correta. Ela ataca uma tribo, invade e
assalta instalações do governo dos EUA, ataca prisioneiros e guardas de
segurança e, mais tarde, quando ela está a escapar da Antártida, ela rouba um
helicóptero, sorri e mata o piloto, que não mostrou qualquer sinal de ameaça.
Ela também ataca polícias em outros jogos e, inclusive, no TR: The Angel of
Darkness, ela comete uma série de crimes para tentar provar a sua inocência num
homicídio. Aliás, além de muitos assassinatos, ela assalta o museu do Louvre.
A Crystal Dynamics está,
atualmente, nos dois últimos jogos, a retratar uma Lara que se identifica mais
com os traços convencionais de um herói. Sim, ela continua a matar muita gente,
mas reparem: Tanto no início do Tomb Raider 2013, como no início do Rise, a
primeira abordagem é sempre uma tentativa de diálogo e ela só parte para a
violência quando realmente corre perigo de vida. Ela grita “Não, vocês não
precisam de fazer isto! Por favor!” no início do TR2013, e ela levanta a arma
em sinal de paz, quando encontra o Konstantin pela primeira vez em ROTTR. A
Lara antiga não pensaria duas vezes antes de começar a matar toda a gente.
Podemos começar a ver os jogos
mais antigos com outros olhos. Se pensarmos bem, tudo o que a grande parte dos
inimigos nos jogos queria era o mesmo que a Lara, ou então eram apenas pessoas
que cruzaram o seu caminho, como a tribo no TR3, ou animais famintos, ou
pessoas a fazer o seu trabalho, como os guardas. Mas nada – absolutamente nada
– vai impedir uma personagem como a Lara Croft de conseguir os seus objetivos. Lá
está, um anti-herói não tem atitudes de um herói convencional. Aliás, se
imaginarmos que não jogávamos com a Lara, mas sim com outra personagem, e
tínhamos de ser os primeiros a chegar ao artefacto, quem seria o vilão? Pois é.
Tudo isto para não mencionar a forma rude com que ela fala com as pessoas,
mesmo os que estão a ajudar, e a forma como ela parece superior na presença de
outros. Ela não mostra compaixão, ela tem prazer em matar, ela diverte-se com a
morte dos inimigos e brinca com isso, como quando assustou o Pierre no TR:
Chronicles, para o fazer cair do precipício.
Atenção: Isto não é, de forma
nenhuma, uma crítica à Lara clássica. Aliás, pessoalmente, adoro a ideia de que
ela seja um anti-herói, ou até mesmo uma vilã. O humor sarcástico dela, a autoconfiança
que ela transparece, etc. É uma personagem que nos deleita a cada cena. Quem
sabe se, no futuro, a Lara do reboot vai ganhando alguns destes traços.
O que vocês acham, depois de ler
este artigo? Começaram a ver as coisas de uma forma diferente ou ainda querem
discordar do criador da personagem, já que ele não esteve envolvido em todas as
sequências? Dêem-nos a vossa opinião.
Miguel Marques
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