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CAPA DE COMEMORAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DO SITE |
CAPA FINAL |
Sinopse
Numa história misteriosa e
frenética a heroína vê a sua vida ser comandada por bilhetes. Lara está sozinha
e pouco preparada para o que acontece. Aqui ela percebe que os pesadelos não
são simples sonhos e duram muito mais do que apenas uma noite.
CAPÍTULO 1 – Sozinha por uns tempos
Era uma noite calma em Londres.
Estava bom tempo e o trânsito não fazia o ruído do costume. No apartamento
também estava tudo mais tranquilo do que o habitual. Sam estava fora por uns
dias, em trabalho. Lara lia um livro, deitada na cama, com a janela aberta para
deixar entrar a luz da cidade.
Finalmente terminou de ler o
segundo volume de uma misteriosa história sobre um assassino em fuga e
aguardava ansiosamente a terceira parte, que estava por lançar. Cansada, levantou-se
e foi até à cozinha preparar o seu chá para, mais tarde, ir dormir. Noutro dia
qualquer, a Sam ter-lhe-ia levado uma chávena ao quarto. Hoje, porém, e durante
o resto da semana, Lara estava sozinha.
Antes de mergulhar nos lençóis
depois de mais um árduo dia no museu, mandou uma mensagem de boa noite à sua
jornalista preferida: “Espero que estejas bem. Boa noite!”. Tinham-se despedido
nesse dia de manhã e desde então não deram sinal de vida uma à outra. Foi com
esse pensamento que Lara adormeceu, com o telemóvel na mão, à espera de uma resposta.
Eram 4 da madrugada quando ela
acordou com uma chamada de Sam. Sem conseguir ver quem lhe ligava, sentou-se na
cama e atendeu:
-Sim?
-Bom dia! – gritou uma voz
alegre do outro lado.
-Sam?
- Como estás?
-Bom dia? Sam, são 4 da manhã! –
protestou Lara, esfregando os olhos.
- Ops! Desculpa! Esqueci-me
completamente da diferença horária! Ligo-te mais tarde, volta a dormir.
- Espera. Sabes muito bem que não
vou conseguir adormecer de novo. Enfim. Estou bem e tu?
- Exausta! Desculpa não te ter
dito nada quando cheguei aqui e não ter respondido à tua mensagem, mas tu
sabes… Estava a dormir.
- Eu compreendo. Então, como é
Singapura? – puxou assunto, enquanto acendia o candeeiro.
- É enorme! É linda! Mesmo assim,
mal posso esperar por voltar para casa. Olha, vou ter de desligar. O táxi
chegou ao hotel. Vou trabalhar, tu sabes como é…
- Até mais tarde, então. Bom
trabalho! – despediu-se, desligando o telemóvel.
Como não tinha nada para ler, foi
até ao sofá e ligou a televisão, pela primeira vez em semanas. Rapidamente se
fartou da programação horrível e voltou para a cama. Talvez conseguisse voltar
a dormir.
Entrou no quarto e deitou-se. Foi
quando esticou a mão para apagar o candeeiro que reparou num pequeno bilhete em cima da
mesinha. Estranho. Antes não estava ali nada. Leu algo que lhe tirou
definitivamente o sono:
“Prepara-te. Em breve todos os
teus pesadelos vão tornar-se realidade! Dorme bem.”
CAPÍTULO 2 – Mudanças inesperadas
Como é possível? Poderia estar
alguém ali dentro? O coração de Lara acelerou e de imediato os seus olhos
começaram a procurar algo de estranho no quarto, para além do papel, claro.
Tudo parecia normal. As outras
divisões também foram verificadas. O que tinha acontecido ali? Talvez por achar
que viu mal ou que estava a ter alucinações de sono, voltou ao quarto e leu o
bilhete outra e outra vez.
“Prepara-te. Em breve todos os
teus pesadelos vão tornar-se realidade! Dorme bem.” Por mais vezes que lesse, a
mensagem não se alterava. Lara estava sozinha no apartamento. Disso ela tinha a
certeza. Dali até à hora de ir trabalhar ainda faltava muito tempo. Nesse caso,
porque não aproveitar para ir tomar um banho e relaxar um pouco?
Amanheceu. Lara estava vestida e
pronta para o trabalho, ainda a tentar esquecer o bilhete misterioso que
encontrou naquela noite. Como se tivesse sido apenas um sonho. Isso, apenas um
sonho.
O telefone fixo tocou.
- Sim? – atendeu ela.
- Bom dia, Lara! – saudou uma voz
masculina – Como estás?
- Bom dia Jonah! Estou bem e tu?
- Também. Vou ser bem direto, ok?
O que achas de vires passar estes dias aqui comigo enquanto a Sam não volta?
Deves sentir-te sozinha.
Como ele podia ter adivinhado?
Uma companhia estava realmente a fazer falta e, de certa forma, depois daquela
noite, uma proteção também. Não hesitou em aceitar:
- Olha, acho isso uma excelente
ideia! Sinto-me realmente sozinha e estou muito entediada. Quando voltar do
museu conversamos melhor. Estou a ficar atrasada.
- Claro, Lara! Até logo. –
despediu-se.
Momentos antes de abrir a porta e
sair de casa, o telefone voltou a tocar. Desta vez era do museu onde ela
trabalhava. Hoje ela estava de folga. O museu não ia abrir. Ótimo, assim
sobrava mais tempo para as mudanças! Contactou Jonah e dentro de alguns minutos
ele estaria ali para a ajudar, já que moravam perto um do outro.
Poucas horas depois Lara já tinha
uma pequena mala com tudo o que precisava para passar uns dias fora. A casa de
Jonah ficava no fim da rua e, quando chegaram, ele apresentou-lhe um quarto de
hóspedes bem generoso.
- Não vais trabalhar hoje? –
perguntou Lara, enquanto tirava a roupa da mala.
- Não. Hoje não. Vou ficar aqui
contigo – sorriu ele.
- Tens a certeza que não há
problema?
- Claro! O meu chefe é
compreensivo. Além disso o restaurante anda pouco movimentado.
-Tu é que sabes. Obrigada!
Um barulho repentino fez-se
ouvir, vindo de outra divisão da casa, mas Jonah não se mostrou preocupado e
tampouco surpreendido.
CAPÍTULO 3 – Jonah está estranho
- O que foi isto? – assustou-se
Lara.
- Deve ser o meu cão. Ainda não o
conheceste?
- O teu quê?
Jonah assobiou. Veio a correr um
cachorro rafeiro e ofegante que saltou de imediato para o colo de Lara, que
estava sentada na cama.
- Desde quando é que tens um
cachorro? É lindo! – surpreendeu-se ela.
- Bem, eu… Desde… Ah… Tenho-o há
pouco tempo. É isso.
- Como se chama?
- O nome? É… É… Chama-se… Ah… Tommy!
- Estás bem, Jonah? Estás
estranho.
- Claro que estou bem! – sorriu
ele, enquanto acariciava o cachorro.
Tommy rosnou e tentou morder o dono.
Estranho. O Jonah, que sempre gostou de animais, fez-lhe um olhar de ódio. Um
olhar que Lara nunca tinha visto antes. Ele estava realmente estranho.
- Bem, vais fazer o almoço,
certo? – pediu ela - Nem imaginas as saudades que tenho dos teus cozinhados!
- Eu? Bem… Talvez possamos
encomendar comida. Hoje é um dia especial!
- Nenhuma comida encomendada é
melhor do que a tua! E por ser um dia especial devias mesmo cozinhar! –
insistiu.
- Ai, Lara! Que chata! Eu
trabalho na cozinha, achas que em casa não tenho o direito de descansar? –
gritou ele.
- Jonah, calma! Desculpa! Não te
irrites.
Boquiaberta é a palavra certa.
Lara nunca tinha visto Jonah assim na vida. O amor dele pela cozinha, a sua
serenidade, amabilidade. O que estava a acontecer? O mais estranho de tudo: Ele
estava a chamá-la pelo nome. “Pequeno pássaro”, como ele sempre a tratou, hoje
ainda não tinha ouvido estas palavras.
- Fica decidido então!
Encomendamos pizza! – terminou ele.
Ela nem se atreveu a contrariá-lo
de novo. Era evidente que não estava a ser um bom dia para ele. Apenas isso. Um
mau dia.
Terminaram de arrumar as coisas e
depois almoçaram. Foi uma refeição no mínimo constrangedora. Eles não tinham
assunto para conversar. Enquanto comia e bebia, os olhos de Jonah fixavam-se na
Lara. Um olhar parecido com o olhar que fez para Tommy, o cão. Ódio?
Impossível! Era o Jonah! O grandalhão sentimental…
Assim foi durante o almoço. Assim
foi durante o resto do dia. Quase sem conversarem. Lara tentava puxar assunto,
mas ele não dava muitas hipóteses. Pareciam realmente dois estranhos. Ela não
se sentia bem ali. Estava bem mais confortável na solidão do seu apartamento.
Mas claro que não podia dizer-lhe isso. Ele é demasiado sensível. Pelo menos,
ele era.
CAPÍTULO 4 – Uma noite horrível
Quase meia noite. Jonah e Lara
estavam sentados na sala a ver televisão. Aliás, mais ou menos. Ele estava
realmente atento. Ela mirava à sua volta e não estava nem um pouco interessada
no programa que estava a dar. Por falar nisso, não era nenhum programa de
culinária. Mais uma vez, estranho… De vez em quando eles olhavam-se, por breves
instantes. Estavam ambos bem desconfortáveis ali e os dois com algum sono.
- Estou cansada, vou dormir! Tu
ainda ficas? – perguntou Lara, no meio de um bocejo.
- Fico ainda mais um pouco. Boa
noite!
Lara foi para o quarto e, na
verdade, não foi dormir, mas sim ligar para Sam. Tinham muito que conversar.
Depois de lhe contar de todas as mudanças, ela ainda aproveitou para desabafar
um pouco:
- Estou preocupada com o Jonah.
- Porquê? – perguntou Sam,
curiosa.
- Está muito estranho mesmo! Não
parece a mesma pessoa… Já nem me chama de “pequeno pássaro”.
- O que será que se passa?
Nesse instante Jonah abriu a
porta do quarto.
- Falamos melhor amanhã, pode ser?
Aqui já é tarde. Boa noite. – despediu-se ela, de Sam.
- Boa noite, Lara! Dorme bem.
- Precisas de alguma coisa,
Jonah? – inquiriu ela depois de desligar o telemóvel.
- Vim só desejar-te uma boa
noite, pequeno pássaro. – respondeu ele.
- Uma boa noite para ti também,
grandalhão. – despediu-se ela com um sincero sorriso.
Talvez não se passasse nada com
ele. Pode ter sido só mesmo um dia mau. Ou, por outro lado, ele podia ter
estado a ouvir a conversa toda com Sam. Não… O Jonah não faria isso. Faria?
Deitou-se, cobriu-se e fechou os
olhos. Ficou um bom tempo assim e não adormeceu. Já que Jonah tinha um
simpático jardim à volta de toda a casa, porque não ir dar um pequeno passeio?
Levantou-se, vestiu um casaco, calçou-se e saiu sorrateiramente para não o
acordar.
Estava uma noite agradável e
Tommy parecia feliz por acompanhá-la no passeio. Ele gostava dela. Lara deu
umas 3 voltas à casa e sentou-se num banco, a brincar com o cão. As luzes da
rua eram as únicas a iluminar o local.
Assustou-se quando viu, de
repente, uma sombra estranha ao fundo. Fosse lá o que fosse, estava a
aproximar-se. Quando finalmente se expôs à luz, revelou a sua identidade. Era Jonah.
Ficou ali, parado, a olhar para ela durante uns instantes, enquanto o cachorro
ladrava. Lara levantou-se. Ele podia precisar de alguma coisa. Quando ela deu
um passo em frente, ele começou a recuar, lentamente, até desaparecer novamente
no meio da escuridão.
Ele não se tinha ido deitar?
Estaria a vigiá-la? Ele, que sempre confiou nela? Estava estranho de novo.
Talvez estivesse na altura de voltar para dentro. Despediu-se do cachorro e
entrou. Talvez por ainda não ter sono suficiente, não se dirigiu para o quarto,
mas sim para a cozinha. Encheu uma chávena de chá e bebeu.
Ia-se engasgando quando, ao
virar-se, viu Jonah, sentado no sofá da sala, virado para trás, a olhar para a
ela.
CAPÍTULO 5 – Foi só um sonho
-Está tudo bem, Jonah?
- Claro! É só uma… insónia. –
respondeu ele.
- O que foste fazer lá fora?
- Eu não fui lá fora.
- Jonah, eu vi-te lá. – insistiu
ela.
- Não podes ter visto. Eu não saí
daqui. Deves estar muito cansada. Vai dormir. Eu vou fazer o mesmo. Boa noite,
pequeno pássaro.
Ela levou o resto da bebida para o
quarto, um pouco assustada, e pouco tempo depois adormeceu.
O dia nasceu quente e alegre.
Lara preparava-se para sair para o trabalho, como todas as manhãs, quando Jonah
a chamou. A voz vinha da casa de banho.
Chegou lá e ele pediu-lhe ajuda
para montar o novo reposteiro, com um
sorriso meio forçado. Recusar auxiliar um amigo? Nunca. Agachou-se para pegar
nos cortinados e perguntou:
- Onde o ponho?
- Ali. – apontou ele, para trás.
Ela virou-se e foi de imediato
empurrada. Antes que pudesse reagir, foi levantada do chão pelo Jonah, que a
agarrava, com força, no pescoço. Ela estava a sufocar. Com as mãos, tentava
libertar-se, sem sucesso. Ele tremia e mostrava os dentes de raiva. Um leve
sorriso sinistro também era notório. A
banheira estava cheia de água. Ele mergulhou a cabeça dela. Estava a afogá-la.
Impossível! O que se estava a
passar com o ele? Lara não tinha força suficiente para se defender. Com as
mãos, tentava bater-lhe ou encontrar algo que a pudesse ajudar. Foi tudo em vão. Ela
já estava a engolir água. Jonah, todo respingado pela resistência dela, ria
alto. Uma gargalhada maléfica e macabra. Não era ele. Não podia ser!
Ele não a mantinha no fundo. Ia
sendo puxada pelos cabelos, de vez em quando. Nos momentos que estava fora da
água, tentava tomar fôlego, uma respiração totalmente desesperadora, que não
durava muito tempo, pois voltava logo a ser afundada. Quando ele fazia uma
pausa no seu riso, ouvia-se o grito de Lara, quase a morrer. Um enxame de
bolhas vinha à superfície e o Jonah parecia divertido com a situação. Apenas
uma brincadeira. Será?
- Estás a gostar? – inquiriu ele,
tirando-a da água.
Ela só conseguia tossir e mal
respirava.
- Responde! – gritou ele,
atirando-a, mais uma vez.
- Jonah! Por favor! – suplicava
ela, com uma voz dolorosa, ao ser emergida.
Irritado, ele mergulhou a cabeça
dela pela última vez. Agora ele só a largaria quando ela estivesse morta. Com
toda a força, ele manteve-a com o rosto fixado ao fundo da banheira. Em pânico,
ela tentava soltar-se, mas, com tanta rigidez por parte do Jonah, ela sentia
que ele ia esmagar o seu crânio.
De repente, Lara parou. As bolhas
desapareceram. Os gritos deixaram de se ouvir. Ela já não apresentava qualquer
tipo de oposição. Ele começou a aplicar menos força sobre o pescoço dela e tudo
começou a ficar, lentamente, escuro.
Eram 3 da manhã. Lara acordou no
meio de um pulo, assustadíssima e completamente suada. Respirava fundo e
tossia, com a mão no peito, ainda em pânico. Estava no quarto de hóspedes do
Jonah, tal como tinha adormecido anteriormente. Calma, Lara. Foi só um
pesadelo. Jonah nunca seria capaz de lhe fazer mal, não é?
Sossegou e acendeu o candeeiro,
enquanto bebia um pouco de água. Ao pousar o copo sentiu o seu coração parar
por um instante com o que viu: Jonah estava em pé, parado, num canto do quarto,
apenas a observá-la.
CAPÍTULO 6 – Onde estás?
Era aterrorizante vê-lo ali sem
dizer uma palavra, principalmente depois daquele pesadelo.
- Jonah? O que estás aqui a
fazer? – perguntou ela, a tremer.
- Vim ver se precisavas de alguma
coisa. Estavas a gritar. Foi um pesadelo? – justificou-se ele.
- Sim, foi. Desculpa de te
acordei. Volta a dormir.
Ele saiu do quarto e a última
imagem que Lara teve dele foi a da sua roupa: calções castanhos e blusa branca.
A mesma roupa que ele tinha no dia anterior. Não estava de pijama. Isso queria
dizer que ele não esteve a dormir. Respirou fundo e tentou convencer-se a si
própria de que o perigo estava apenas na sua cabeça. Jonah não estava
diferente. Não podia estar. Talvez estivesse só mesmo preocupado com ela.
Virou-se para o outro lado, fechou os olhos e voltou a dormir.
Eram 6 da manhã. O despertador
tocou. Um dia de trabalho estava prestes a começar. Lara sentou-se na cama e
acendeu o candeeiro. Estaria a ver bem? Um papel parecido ao que encontrou na
noite anterior estava na mesinha junto à cama. Olhou à sua volta. As janelas
estavam todas fechadas. Só ela e Jonah estavam naquela casa. Tomou coragem e
leu o bilhete:
“Os teus dias estão contados.
Aproveita este”.
Aterrorizada, levantou-se
rapidamente e saiu do quarto. Tudo parecia normal. O sol estava a nascer. Podia
ouvir-se o canto dos pássaros. Não havia uma única entrada possível naquele
lar. Jonah tinha estado no quarto dela naquela noite. A mensagem poderia ser
dele? Não… Ele nunca a ameaçaria, certo?
Espreitou o jardim. Tommy
rebolava nas folhas e flores. Se o cão tivesse visto alguém estranho entrar,
teria ladrado. Ninguém parece ter entrado ou saído dali naquela noite. Onde
estaria o grandalhão? Lara foi até ao seu quarto, abriu discretamente a porta e
espreitou. Ele dormia como uma pedra.
Quem estaria a ameaça-la com
bilhetes? Todos os dias seriam assim?
Fosse como fosse, ela tinha que ir trabalhar. Tomou um banho, vestiu-se
e foi para o museu.
Lara não tinha motivos de queixa.
Ela sempre foi apaixonada por coisas antigas. Afinal, ela é uma arqueóloga.
Trabalhar num museu era uma diversão. Porém, uma diversão cansativa. Já não
disfrutava de férias há um bom tempo.
Não era mal pensado. Sam estava
fora e isso deixava-a entediada e sozinha. Claro que ela tinha o Jonah, mas ele
estava realmente diferente. Já não se conseguiam divertir juntos. Passou a
manhã num dilema: Ir ou não de férias? Finalmente tomou uma decisão e, na sua
hora de almoço, foi falar com o patrão.
- Lara, és a nossa melhor guia.
És a que sabe falar mais línguas, a que fala com maior fluência. Nota-se que és
apaixonada nisto quando falas com os visitantes. – elogiava o patrão.
- Obrigado, senhor. – agradecia.
- Por isso mesmo não me é útil
dar-te férias agora. Estamos numa época em que aparecem muitos turistas. Eles
precisam de ser bem recebidos. – continuou.
- Estou realmente a precisar de
férias, caso contrário eu não lhe estaria a pedir isto. Ando cansada e a minha
vida pessoal também está um pouco… confusa. Preciso de viajar. Há meses que não
saio de Londres. – insistiu ela.
- Lara, eu não posso negar-te
férias por seres uma boa trabalhadora. Na verdade, mereces ser recompensada.
Mais tarde posso dar-te umas folgas extra. Fui sincero contigo. Não tenho
nenhuma outra justificação para te manter a trabalhar, portanto, estou apenas a
pedir-te que adies essa viagem. Um pedido. Apenas isso. Sente-te à vontade para
recusar.
Ela estava a entender
perfeitamente onde ele queria chegar com aquela conversa. Nunca soube dizer que
não. Está sempre pronta para ajudar. Além disso, umas folgas extra não seriam más.
Lara só tinha de sobreviver àqueles dias, que estavam a ser horríveis.
O resto do dia no museu foi
normal e tinha chegado a hora de regressar a casa. Pelo caminho, conversava ao
telemóvel com Sam, que já estava a par de todos os mais recentes acontecimentos.
Chegou a casa. Não estava lá
ninguém. Provavelmente Jonah estaria a trabalhar no restaurante. Foi à cozinha
e não encontrou nada pronto para comer. Estava demasiado cansada para cozinhar
ou ir às compras. No entanto, estava esfomeada. É isso! E se ela lhe fizesse
uma surpresa? Podia ir jantar ao serviço dele! Ultimamente andavam tão
distantes…
Tomou um duche rápido, mudou de
roupa e saiu de casa. Chegou, sentou-se, leu o menu e escolheu um prato de
peixe. Estava delicioso. Quando terminou chamou o empregado e pediu que este
desse os parabéns ao cozinheiro Jonah, da parte de Lara Croft. Eis que foi
surpreendida pela resposta que obteve:
- O cozinheiro Jonah não aparece
cá há vários dias, senhora.
- Como assim? Não trabalha aqui?
– confundiu-se.
- Trabalha sim. Mas desde a
semana passada que não vem trabalhar e não deu nenhuma justificação. O chefe
não sabe o que se passa e ainda está à espera de uma explicação antes de o
dispensar. – explicou ele.
- Isso é estranho. Obrigado de
qualquer forma. – agradeceu ela, oferecendo uma pequena gorjeta.
Como é possível? O Jonah faltar
sem justificação? Desde a semana passada? Ele mentiu quando disse que queria
encomendar comida por estar cansado de cozinhar no trabalho. Lara estava
decidida a descobrir o que se estava a passar.
- Jonah? – chamou ela, ao abrir a
porta de casa.
Ela estava sozinha. Se ele não
estava no restaurante, o que andava a fazer? Talvez encontrasse alguma pista ao
explorar a casa. O grandalhão estava realmente diferente e estranho. Sim, Lara
foi mexer nas coisas dele, mas com a intenção de o ajudar.
Começou pelo quarto. Abriu uma
gaveta que tinha uma autêntica selva lá dentro. Na verdade, Jonah nunca foi
muito organizado. Isso sim era dele. Encontrou algo, no mínimo, preocupante.
Era um bloco de notas com as folhas iguais aos bilhetes que ela recebeu.
CAPÍTULO 7 – A mochila
Poderia ser apenas uma
coincidência? Haviam folhas rasgadas e a primeira de todas tinha marcas de
escrita. Ela arrancou esse papel e guardou no bolso. O que se estava a passar
ali? O que se estava a passar com Jonah?
Fechou a gaveta, mas não deixou
de procurar por pistas. Algo de muito sério estava a acontecer mas ela não conseguia
entender o quê. Ouviu a fechadura da porta. Estava prestes a entrar alguém.
Correu rapidamente para a cozinha e fingiu que bebia um copo de água.
O grandalhão entrou. Calções
castanhos e blusa branca. A mesma roupa? Estranho. Trazia uma mochila às
costas. Lara, desconfiada, testou-o:
- Estiveste a trabalhar?
- Sim, Lara. Onde querias que
estivesse? – respondeu.
Mais uma mentira. Ele sempre foi
sincero. Que motivos teria agora para mentir à sua melhor amiga? Eles sempre
contaram tudo um ao outro. Ele devia ter problemas graves em mãos.
- Como correu o trabalho? –
continuou ela.
- Foi normal.
- Jonah, eu sei que não foste
trabalhar.
- Do que estás a falar? Claro que
fui.
- Eu estive no restaurante. O
empregado disse-me que não apareces lá desde a semana passada. O que se passa?
- Lara, já te disse que fui
trabalhar. Já não confias em mim, é?
- Claro que confio. Mas porque é
que me mentiriam no teu serviço?
- E porque é que eu te mentiria,
Lara? – irritou-se ele.
- Tens razão, desculpa. Deve ter
sido uma brincadeira qualquer. – concordou ela.
Lara não estava nem um pouco
convencida. Só não quis prolongar a discussão. Afinal, ela estava a viver na
casa dele. Jonah foi até ao quarto e não saiu de lá por bastante tempo. Se ele
tinha realmente ido trabalhar, aquela mochila carregava a sua farda. Ela foi
até ao quarto e abriu a porta silenciosamente. Ele estava a dormir. Cansado de
um dia de trabalho?
A mala estava no chão, junto à
cama. Não foi difícil consegui-la.
Levou-a até ao quarto de hóspedes e trancou-se lá dentro. Abriu-a. Não
havia nenhuma roupa. Encontrou, porém, duas pequenas marmitas vazias, com
restos de comida, e uma garrafa de água. Seria o almoço que levou para o
restaurante? Se fosse, a farda tinha de estar algures no quarto dele porque o
grandalhão não saiu de lá desde que chegou.
De repente, a maçaneta do quarto
rodou.
-Lara, estás aí? – chamava ele –
Onde está a mochila que trouxe comigo?
- Estou a mudar de roupa, Jonah.
Já falo contigo. – mentiu ela.
Sem saber o que fazer, escondeu a
mala debaixo da cama, mudou rapidamente de roupa e abriu a porta. Jonah entrou
disparado e começou a revistar o quarto todo. Certamente não ia levar muito
tempo até verificar debaixo da cama.
- O que estás a fazer? – gritava
ela no meio da confusão.
Não obteve nenhuma resposta. Ele
não podia descobrir ela lhe tirou a mochila. Por sorte, antes de espreitar a
cama, ele foi procurar na casa de banho do quarto. Lara aproveitou e tirou a
mala do esconderijo, correu até ao quarto do Jonah e colocou-a no mesmo sítio.
Quando voltou, ele ainda a estava a procurar.
- Precisas de alguma coisa?
Talvez eu saiba onde está.
- Onde está a mochila que eu
trouxe do trabalho? – gritou ele, atirando o espelho ao chão.
- Jonah, calma! Levaste-a para o
quarto, só pode estar lá! – gritava, assustada.
- Não está! – esperneava ele,
enquanto partia tudo o que encontrava.
Aquele definitivamente não era o
Jonah que ela conhecia. Como é que toda aquela serenidade se transformou em
ódio de um dia para o outro? Quebrar tudo à procura de uma coisa? Ele nunca
faria isso.
Lara, enervada, agarrou na
mochila e atirou-a com raiva à cara dele.
- Está aqui! – gritou ela –
Estava no teu quarto! Estás louco! Partiste tudo à procura disto? O que se
passa contigo Jonah? Diz-me!
Saiu dali sem dizer uma palavra.
O quarto estava completamente vandalizado. Ela estava verdadeiramente chocada
com o comportamento do amigo.
Foi até ao quarto dele, para
terem uma conversa, mas ele estava trancado e não respondia quando ela chamava
o seu nome. Deviam haver mais pistas no quarto dele. Aquela mochila tinha de
ter mais qualquer coisa! Para além disso, ela precisava de encontrar a farda.
Talvez ele escondesse algo na
restante casa. Ela abriu cada gaveta e cada armário e não encontrou nada
suspeito. Só quando voltasse a ficar sozinha é que podia investigar mais. Foi
então que se lembrou do papel que tinha guardado no bolso. Lara começou a
procurar por um lápis. Quando o encontrou, apoiou a folha numa mesa e pintou-a
levemente. Apareceu uma mensagem que lhe era bem familiar:
“Os teus dias estão contados.
Aproveita este”.
CAPÍTULO 8 – Câmara oculta
A mesma mensagem que tinha
recebido naquela noite! O bloco de notas era do Jonah. Como é que ele seria
capaz de ameaçá-la? Quais seriam as suas razões? Onde é que ele estaria a
querer chegar com aqueles bilhetes?
Lara não podia confrontá-lo com a
situação. Se ele ficou naquele estado por ter perdido a mochila, o que faria se
descobrisse que ela lhe andava a mexer nas coisas? Teve uma ideia! Filmar-se a dormir e descobrir de uma vez por
todas de onde vinham os recados.
Para isso, ela precisava da sua
câmara com visão noturna, que estava algures no seu apartamento. A tarde estava
a terminar quando lá chegou. Tinha uma vaga ideia de a ter deixado no quarto de
Sam. Encontrou-a numa prateleira empoeirada e sorriu ao pensar na sua
utilidade.
A sua vista passou pela janela e
viu algo arrepiante: Jonah estava lá em baixo, parado, a olhar para ali. Ele
não estava a dormir? Confusa, desceu. Lá fora, não viu ninguém. Não havia sinal
dele.
Quando voltou chamou pelo amigo e
ninguém respondeu. Foi até ao quarto dele e a porta continuava trancada, como
se ele nunca tivesse saído dali. Não era altura para pensar naquilo. Coisas
estranhas não eram novidade nos últimos dias. Ela tinha de por o seu esquema em
prática.
Colocou a câmara, apontada para a
cama e para a mesinha do costume, entre dois livros. No escuro, quem entrasse
ali, nunca iria reparar naquilo. Pelo menos, era o que ela esperava. A máquina
não tinha capacidade para ficar a gravar toda a noite, então ela tinha que ir
dormir o mais tarde possível, mesmo trabalhando cedo no dia seguinte.
Anoiteceu. Jonah continuava
fechado. Lara, apesar de sonolenta, assistia um documentário sobre arqueologia
na televisão. Como eles conseguiam passar a vida em escavações? Lara via aquela
profissão como uma aventura. Claro que ela se arriscava muito mais, mas também
descobria coisas muito mais interessantes do que apenas ossos. Ela estava tão
entretida que, por vezes, se esquecia de onde estava. O tempo passou tão rápido
que, de repente, já eram 2 da madrugada. Estava na hora de ir dormir. Ligou a
câmara, desviou parte do vandalismo daquela tarde, de cima da cama para o chão,
deitou-se e adormeceu. O que lhe esperava com o nascer do sol?
Eram 6 da manhã. O despertador
tocou. Lara sentou-se e acendeu o candeeiro. Surpresa! Mais um bilhete. Estava
a tornar-se rotina. Desta vez a mensagem era um pouco mais intrigante:
“Amanhã começamos um jogo. Mal
posso esperar.”
Lara, ao terminar de ler,
atravessou os olhos para a máquina e sorriu. Estava prestes a descobrir toda a
verdade. Levantou-se e agarrou na câmara. Não pode ser! Estava vazia. Não tinha
gravação nenhuma. Nem sequer lá estavam as fotos das suas últimas férias em
Veneza. O aparelho estava como novo. O plano não resultou. Quem ali deixou o
papel, mais uma vez, não deixou rasto. Pensando melhor, Jonah estava por perto
quando a arqueóloga foi ao apartamento. Tudo apontava para ele. Tudo. Só podia
ser ele, claro.
E agora? As únicas pistas ainda
investigáveis eram a mochila e a farda. Tudo no quarto do cozinheiro. Foi até
lá mas a porta continuava trancada. Não tinha tempo para aquilo. O museu estava
à sua espera.
Foi um dia normal. Calmo e
tranquilo. Por mais que gostasse daquilo, dizer todos os dias as mesmas coisas,
receber todos os dias as mesmas perguntas dos visitantes, almoçar todos os dias
a mesma sandes de queijo e andar o mesmo caminho todos os dias, cansava. Lara
estava realmente a precisar de umas férias, mas não queria contrariar o patrão.
Ela precisava muito daquele emprego. Era o seu principal sustento.
No regresso a casa, quando estava
mesmo a chegar, viu a porta a abrir-se. Escondeu-se automaticamente atrás de
umas plantas. Jonah estava a sair. Calções castanhos, blusa branca e mochila,
mais uma vez. Olhava cautelosamente para os lados, como se não pudesse ser
visto. Era a oportunidade perfeita para procurar mais pistas.
Sozinha em casa, foi até ao
quarto e desiludiu-se com a porta trancada. Ele que sempre foi um livro aberto?
Trancar o quarto? Tinha algo a esconder, isso era certo. Nesse caso, onde
haveria ela de encontrar mais pistas? É isso! Bastava segui-lo!
Correu até lá fora. Olhou a toda
a volta e já não conseguiu vê-lo. Tarde demais. Irritada, voltou para dentro e
começou a pensar no que fazer. Arrombar a porta foi a sua primeira ideia. Na
verdade, a primeira e a última. Ela tinha que descobrir o que se estava a
passar. Deu um pontapé um pouco abaixo da fechadura e a porta abriu-se
imediatamente.
Foi um impulso. A porta estava
estragada. E agora? Que explicação iria ela dar ao grandalhão? Agora era tarde
para pensar nisso. Já que ela estava lá dentro, que fizesse o que era suposto.
Tinha de ser rápida. A qualquer momento o cozinheiro podia chegar.
Abriu a mesma gaveta. Estava lá o
bloco de notas, agora com mais uma folha rasgada. Num armário encontrou a farda
do restaurante. Dobrada. Limpa. Como? Ele não saiu do quarto no dia anterior
para a lavar. Ele estava mesmo a mentir! Não saía de casa para ir trabalhar. Abriu
uma outra gaveta e encontrou uma faca. Uma única faca. Longe da cozinha. Longe
de todos os talheres da casa. Estranho. Não era, porém, uma faca de culinária.
Era uma faca tática.
Jonah entrou em casa em silêncio.
Lara não o ouviu. Aproximou-se sorrateiramente do quarto, por já suspeitar do
que se passava. Viu-a com a tal faca na mão e o bloco de notas em cima da mesa.
- Lara! O que é que pensas que estás
a fazer? – gritou ele, agredindo-a brutalmente na cara.
CAPÍTULO 9 – Adeus, Jonah
Ela levou a mão ao rosto.
Doía-lhe. Mais do que a dor física, a dor na alma inundou os seus olhos de
lágrimas. Como é que ele foi capaz? Desta vez não era nenhum pesadelo. Pura
realidade. Olhava para ele totalmente desiludida. Saiu do seu quarto, empurrando-o
para passar pela porta.
Começou a tirar toda a sua roupa
para a mala. Foi a gota de água. Ela não ficava naquela casa nem mais um
minuto. Ele foi atrás dela, a correr, demonstrando arrependimento. Parecia
nervoso. Mais do que o costume. O que ele fez não tinha perdão. Bater-lhe? Lara
pegou apenas no essencial, por estar com pressa de fugir dali. Saiu a correr
lavada em lágrimas, com a promessa de voltar no dia seguinte para arrumar o
resto das suas coisas.
Estava a subir a rua, a caminho
do apartamento, quando recebeu uma chamada de Sam.
- Sam?
-Lara? Estás a chorar? O que
aconteceu?
- O Jonah bateu-me. – lamentou-se
ela.
- O quê? Como?
- Eu estava a mexer nas coisas
dele e ele apanhou-me. Sam, ele não está bem. Alguma coisa se passa. Não sei o
que fazer. Estou bem assustada. – chorava.
- Calma! Onde estás agora?
- A caminho do apartamento. Na
casa dele não fico mais.
- Lara, vou apanhar o próximo voo para aí. Estás a
preocupar-me. Nada parece estar normal desde que parti. – afirmou Sam.
- Nem penses! Precisamos do
dinheiro desse trabalho! Fica aí. Não te preocupes comigo.
- Lara, como é que vou conseguir
trabalhar sabendo que andas a receber ameaças e que o Jonah te bate?
- Ele não me bate. Bateu-me.
Aconteceu.
- Agora estás a defendê-lo, é? –
irritou-se.
- Claro que não! Nunca! Mas foi
só uma vez. Por favor fica em Singapura. Faz isso por mim.
- Mas estás a voltar para a nossa
casa. Não te sentias sozinha?
- E sinto-me. Mas entre estar
sozinha e estar sozinha com o Jonah louco, acho que prefiro a primeira opção.
- Tens razão. Lá não estás
segura.
- Saí da casa dele mas não
desisti de descobrir o que se passa. – esclareceu ela, abrindo a porta do
prédio.
- O que tens em mente?
- Acho que vou começar a
segui-lo. Ele anda a sair de casa com uma mochila, mas não vai para o
restaurante.
- Lara, promete-me que tens
cuidado. – pediu.
- Claro, Sam. Não tens mesmo com
o que te preocupar. – respondeu, entrando em casa.
- Confio em ti. Estás de folga
hoje?
- Meu deus! O trabalho!
- Que foi? Esqueceste-te?
- Completamente! Tenho de ir.
Falamos mais logo. – despediu-se ela, correndo para o museu.
O dia de trabalho, por conta da
sua vida pessoal, não foi fácil. Lara ainda respondeu agressivamente a um ou
dois turistas. Ainda bem que o patrão não viu. Tudo passou demasiado
lentamente. Ela estava cansada e com sono. Finalmente a hora de sair chegou.
- Olá. – atendeu Sam.
- Já estou a ir para casa.
Conversamos tanto sobre o Jonah que nem me disseste como estás.
- Com saudades tuas, só isso.
- Quantos dias ainda vais ficar
por aí?
- Não sei. Alguns. Espero que não
muitos.
- Lá vou eu deprimir aqui
sozinha. – protestou, entrando no apartamento.
- Ainda tens a chave da casa do
Jonah? Podias ir procurar mais pistas. Tens de o ajudar.
- Já não a tenho. Mas também não
há mais pistas. Já procurei tudo, acredita.
- Não ias começar a segui-lo? –
continuou.
- Vou. Mas não hoje. Estou
demasiado cansada. Além disso, estou com medo.
- Medo? O que foi? – perguntou,
preocupada.
- O bilhete de hoje dizia que
amanhã vamos começar um jogo.
- Um jogo? Mas “vamos” quem? –
confundiu-se.
- Eu e a pessoa que me anda a
ameaçar, provavelmente. Tenho medo do
que seja.
- Lara, estás a assustar-me.
- Não sei quem está a fazer isto,
mas está a conseguir brincar com a minha vida.
- Talvez seja esse o objetivo
dessa pessoa.
- Até estou com medo de ir
dormir. Já sei que amanhã acordo com um novo papel ao lado da cama. As
mensagens estão cada vez mais estranhas. Sam, achas que devo envolver a polícia
nisto?
- Talvez seja melhor. Assim vais
sentir-te mais segura.
- Mas não quero acusar o Jonah.
Tudo aponta para ele.
- Isso também é verdade. Bem,
vais ter que ser tu a decidir. Tenho de desligar. Até amanhã! Qualquer coisa
avisa-me. – despediu-se.
Ali estava ela, de novo, sozinha.
Aborrecida e exausta, decidiu ir dormir mais cedo. Então, tomou um banho, mudou
de roupa e deitou-se. Ficou um bom tempo acordada a pensar se devia contar ou
não com a ajuda das autoridades. Para além disso, estava a sofrer por
antecipação. Que jogo macabro a esperaria no dia seguinte?
Amanheceu. Sábado. Hoje Lara não
trabalhava. Pôde finalmente dormir até mais tarde. A mesinha estava vazia. Não
havia papel nenhum. Estranho.
CAPÍTULO 10 - Harry
Ligou de imediato para Sam.
-
O quê? Não havia nenhum bilhete hoje? – surpreendeu-se ela ao ouvir as
novidades.
- Não! E isso só me deixa com
mais medo.
- Então e já decidiste se vais
querer a ajuda da polícia? É que eu estive a pensar e tive uma ideia melhor.
- Fala. – pediu.
- Tenho um amigo paparazzo que
está desempregado. Ele pode servir como detetive e deve fazer-te um bom preço.
Queres que fale com ele? – explicou a jornalista.
- Isso seria ótimo! Obrigada!
- Então vou ligar-lhe. Até já! –
despediu-se.
Ansiosa, foi comer qualquer
coisa, ainda que sem fome. A amiga não demorou muito e voltou a contactá-la.
Harry aceitou a proposta e Lara anotou o número de telefone do fotógrafo.
Combinaram encontrar-se no apartamento dali a duas horas para conversarem
melhor sobre todos os detalhes.
Foi tempo suficiente para um
banho e uma ida rápida às compras. Bateram à porta. Lara abriu e cumprimentou o
homem, que ainda era seu desconhecido. Deu-lhe a morada de Jonah e explicou que
o amigo andava estranho. Solicitou-lhe que descobrisse o que se passava, apenas
isso.
Harry pediu-lhe algum dinheiro
adiantado e Lara foi ao quarto buscar a carteira para fazerem contas. Não
demorou nem um minuto. Quando voltou, o homem estava morto no sofá! Não havia
sinal de sangue. Mais uma vez, as portas e as janelas estavam todas fechadas. Ele
estava com uma expressão aterrorizante. Boca escancarada, olhos
arregaladíssimos e sobrancelhas que indicavam susto e medo. O que teria causado
a sua morte? O que ele teria visto antes de partir?
Lara, ao deparar-se com o
fotógrafo morto, sentiu o seu coração acelerar de tal forma que se sentiu mal.
Encostou-se a uma parede e, com uma mão na boca de espanto, observava o cadáver
no meio da sua sala.
Ouviu passos. Estava alguém a
descer as escadas do prédio. Abriu rapidamente a porta de casa e correu, mas só
viu uma sombra a virar à esquina. Continuou a descer e conseguiu ver uma
silhueta sair do edifício. Talvez fosse paranóia, mas parecia-lhe ser Jonah.
Chegou lá fora e não viu ninguém. A rua estava deserta.
Ouviu-se um grito. Vinha de lá de
cima. Lara correu. Tinha deixado a porta do apartamento aberta. Estava lá a
vizinha, assustadíssima por ver um homem morto no sofá.
- Chamem a polícia! Chamem a
polícia por amor de Deus! – gritava ela.
- Tenha calma, por favor! – pediu
Lara.
- É a menina que vive aqui? É a assassina? Socorro!
– fugiu ela.
Lara, sem saber o que fazer,
fechou-se lá dentro com o falecido e ligou para Sam.
- Olá! Então? Já combinaste tudo
com o Harry? – atendeu ela.
- Sam, ele está morto! – chorou –
Fui buscar a minha carteira ao quarto, voltei e ele estava morto! Está aqui no
meu sofá. Não sei o que fazer, ajuda-me!
- O quê? Como é possível? Lara,
chama a polícia rápido! É o melhor que tens a fazer.
- Vão achar que fui eu que o
matei! – desesperou-se ela, inundada em lágrimas.
- Lara, liga já à polícia antes
que alguém o faça! Quem não deve não teme.
- Sam, está um homem morto na
minha sala e eu estou sozinha com ele em casa! Digo o quê? Que fui ao quarto e
quando voltei ele estava assim? Estás louca? – insistia.
- Dizes a verdade! Liga agora mesmo para a polícia antes que seja
tarde!
Nesse momento o som de uma sirene
invadiu o local e a sala foi iluminada por luzes vermelhas e azuis, vindas da
janela. A polícia estava a chegar. Lara entrou em pânico e Sam tentou
acalmá-la:
- Quando eles chegarem tu simplesmente
contas toda a verdade!
- Polícia! Deixe-nos entrar. –
ouviu-se juntamente com umas batidas na porta.
Ela simplesmente desligou o
telemóvel e manteve-se em silêncio. Não era obrigada a abrir e podia
perfeitamente não estar em casa. Por outro lado, eles não iam desistir. Se não
fosse naquele momento, teria de os enfrentar noutra altura. Ela não tinha nada
a esconder. Encheu o peito de coragem e abriu a porta.
- Boa noite. – saudou ela,
limpando as lágrimas.
- Boa noite. – respondeu um dos
dois agentes, desviando o olhar para o sofá da sala.
Lara, nervosa, deixou-os entrar.
- O que se passou aqui? –
inquiriram.
- Estávamos a conversar, fui ao
quarto por uns instantes e quando voltei ele estava morto. Pode parecer
estranho, mas juro que foi isto que aconteceu.
- Como é que a vizinhança soube
disto? Porque é que estava aqui fechada com ele?
- Eu fui lá fora ver se
encontrava alguém e quando voltei tinha uma vizinha aqui a gritar. Fechei-me
aqui desesperada sem saber o que fazer, com medo de ser acusada.
- Bem, acompanhe-nos até à
esquadra para prestar declarações. Esta história parece-me mal contada.
- Para a esquadra? Tem mesmo de
ser?
- Não me parece que ele tenha
sido assassinado. De qualquer forma, tem de vir.
Lara engoliu em seco e acompanhou
os guardas. Harry preparava-se para a autópsia. Teve tempo de se acalmar e
beber um pouco de água. Estava numa sala com dois polícias. Um estava em pé e
anotava tudo o que era dito. O outro sentado numa mesa com a arqueóloga. Ela
teve a oportunidade de explicar tudo muito mais pormenorizadamente. Falou-lhes
do plano que tinha com aquele homem que mal conhecia. Disse que ia usá-lo como
detetive, mas escondeu-lhes as suas intenções. No fim da conversa apenas lhe
foi dito que não se afastasse muito nos próximos tempos.
No caminho para casa contou tudo
a Sam. Que dia horrível. Era hora de jantar e ela nem tinha almoçado. Na
verdade, não tinha disposição para comer. Entrou no apartamento. Harry já não
estava lá. Já o tinham levado. O sofá continuava desarrumado. Tentou arrumá-lo
mas a imagem do paparazzo morto não lhe saia da cabeça.
Lembrou-se que ainda tinha de
passar na casa de Jonah para trazer o resto das suas coisas. Sentiu uma mistura
de medo e preguiça. Tinha de voltar ali. Tinha de voltar a olhar para a cara
dele depois de tudo. Tinha de voltar a entrar naquele quarto.
O dia estava a terminar e ela não
tinha recebido um único bilhete. De qualquer forma, parada à espera que as
coisas acontecessem ela não podia ficar. Foi até à casa do cozinheiro.
Bateu à porta.
- Pequeno pássaro! – abriu ele,
com um sorriso no rosto.
- Vim só buscar o resto das
minhas coisas. Já me vou embora. – explicou, entrando.
Pegou em tudo o mais rápido
possível para não ter de ficar ali muito tempo. Enquanto isso, ele tentava
mostrar arrependimento e pedia perdão. Lara ignorava-o e quando se preparava
para ir embora, sentiu uma forte dor na cabeça, que lhe fez cair inconsciente
no chão. O jogo estava prestes a começar.
CAPÍTULO 11 – A primeira jogada
A escuridão começou a
desaparecer. Lara estava a acordar. Estava frio e cheirava a sangue. Para além
da forte dor na cabeça, algo a magoava no seu pulso esquerdo. Sentou-se. Ainda
não se sentia preparada para se levantar. Levou a mão à testa e fechou os
olhos. Olhou, depois, para o braço. Tinha o pulso esquerdo cortado! Bastante
sangue tinha sido derramado.
Estava tonta mas conseguiu erguer-se,
apoiando-se em móveis e paredes. Estava a ver tudo à roda. O que tinha
acontecido ali? Ainda estava na casa de Jonah. A porta da rua estava aberta e
permitia a entrada de um vento gelado. Onde ele estaria? Foi até à cozinha
procurar algo para tratar do corte que tinha e viu-o caído no chão. Não havia
sinal de sangue. Chamou o seu nome mas não tinha forças para falar alto.
Tropeçou e caiu de joelhos aos pés do grandalhão. Começou a tentar acordá-lo
com empurrões.
Não demorou muito até este
reagir. Sentou-se e olhou fixamente para a arqueóloga. A sua testa estava uma
mistura de vermelho com negro. Reparou, depois, no pulso. Estava cortado. Olhou
para o seu. Não estava assim. O dele estava normal.
- O que se passou aqui? – gemia
ela, com dores.
- Não sei! Só me lembro de
estares a ir embora e de sentir uma pancada na cabeça. – explicou ele.
- Também só me recordo disso…
Jonah não parecia magoado. Não
tinha nenhuma expressão que indicasse dor ou sofrimento e não apresentava
sinais físicos. Isto é, não tinha a cabeça magoada como Lara, nem o pulso
cortado. No entanto, parecia tão confuso quanto ela.
- Vou buscar algo para te
curares. – informou ele, saindo normalmente dali.
Ela, por outro lado, coxeava e
ainda se sentia tonta. Sentou-se numa cadeira enquanto esperava. O grandalhão
chegou e pousou na mesa um kit de primeiros socorros.
- Quem mais estava nesta casa
quando eu vim buscar as minhas coisas? – inquiriu ela, ainda nervosa.
- Mais ninguém! Não consigo
entender o que se passou aqui!
- Jonah, conta-me a verdade. O
que se passa contigo? Ultimamente andas tão estranho…
- Estranho? Não ando nada!
- Achas que não? Nunca te vi com
raiva, com ódio, nervoso. Nunca te ouvi gritar, nunca foste tão antipático nem
impaciente. Nunca me mentiste e, mais importante de tudo, nunca me bateste! Não
aguento mais isto. Estou aqui a pedir-te! Conta-me o que se passa! – implorou.
- As tuas coisas ainda estão na
porta. Já estás curada. Vai para casa. – respondeu.
Surpreendida, fez um esforço e
levantou-se. Não lhe dirigiu mais nenhuma palavra e saiu da cozinha. Doía-lhe
muito a cabeça e ela ainda não tinha visto o seu estado. Olhou para trás. Jonah
continuava lá dentro. Lara aproveitou e foi até à casa de banho, com a intenção
de se ver ao espelho.
Ao entrar escorregou e caiu, por
estar com pouco equilíbrio. A sua mão estava no chão e sentiu um líquido.
Olhou. Era sangue. Como? Ela tinha sido atacada junto à porta da rua e o
grandalhão na cozinha. O que se estava a passar ali? Acendeu a luz e viu o cão
morto, com o que parecia ser uma facada nas costas.
- Jonah! – gritou.
- Ainda estás aqui? – irritou-se
ele, ao aproximar-se.
Viu o seu cachorro morto, caído
sobre uma poça de sangue. Não se mostrou triste e nem um pouco chateado.
Nenhuma lágrima surgiu.
- Pobre cão. – foram as únicas
palavras que disse.
- Jonah, mataram-te o cão e tu
estás assim tão calmo? – gritou.
- Tenho pena. Se fosse um de nós
seria bem pior. – continuou ele, calmíssimo.
Lara tinha passado tão pouco
tempo com o bicho e já tinha desenvolvido um certo afeto por ele. Como podia
Jonah, o seu dono, estar tão indiferente perante aquela situação? Estava tão
farta de tudo que lhe virou as costas e dirigiu-se para a rua.
Quando esticou o braço para
agarrar nos seus pertences, viu um bilhete em cima de uma mala. Nesse momento
ouviu-se o sino da igreja mais próxima. Eram dez da noite. Ainda era o dia de
começar “o jogo”. Assustada, agarrou no papel.
“A partir de agora uma maldição
caiu sobre ti. Esse corte no teu pulso é o elevador para o inferno. A primeira
jogada foi minha. O fim será sempre a morte. Ainda assim, dou-te a oportunidade
de poderes viver mais ou menos tempo, consoante o teu comportamento. As
desgraças vão surgir. Uma atrás da outra. Os teus maiores medos vão tornar-se
realidade. Todos os dias vais receber novas instruções e, se não as cumprires,
o teu tempo diminui. Diminui cada vez mais. Diminui até que desapareça. Diminui
até que a morte te alcance. Se queres que as coisas corram bem para o teu lado,
leva isto a sério. Ou quando acordares já será tarde demais…
Diverte-te.”
CAPÍTULO 12 – Cinco dias
Olhou para trás e abriu a boca
por um momento, para chamar Jonah. Desistiu da ideia, amassou o papel, atirou-o
ao chão, agarrou nas suas coisas e saiu dali, batendo com a porta.
- Olá, Lara! – atendeu Sam.
- Não imaginas o que aconteceu!
- O que se passa? Estás bem? –
preocupou-se.
- Fui a casa do Jonah buscar tudo
o que tinha deixado lá e fui atacada!
- O quê? Ele voltou a bater-te?
- Não! Ele também foi atacado.
Estava a ir-me embora quando senti uma forte pancada na cabeça. Acordei e vi o
Jonah inconsciente no chão. O meu pulso estava cortado e o cão dele morto.
- Não sei se estou a perceber bem
isto. O que se passou aí? – perguntou, confusa.
- Calma, ainda não cheguei à
parte mais importante. Encontrei mais um bilhete. Este era bem diferente dos
outros. Dizia que eu estou amaldiçoada e que vou receber instruções todos os
dias para poder prolongar a minha vida, mas que o fim será sempre a morte.
- Amaldiçoada? Mas como? Não
acreditas nisso, pois não?
- Acho que foi através do corte
no meu pulso. Nem sei se acredito nisto, mas com tudo o que já vi de
sobrenatural na vida, uma simples praga não me surpreenderia. – explicou Lara.
- Então era este o jogo que ele
tinha preparado para ti? Uma maldição? E que tipo de maldição? Não estou a
perceber nada.
- Eu também não percebi bem. Li
qualquer coisa sobre desgraças e medos. Estou assustada.
- Acho que esse é o objetivo de
quem te está a fazer isto… Só te querem assustar. Fica calma.
- Talvez seja, mas continuo com
medo.
- Mas então não é o Jonah que te
anda a ameaçar? Disseste que ele também foi atacado. Se não é ele então quem é?
E porque razão ele anda assim tão estranho?
- Não sei, Sam. O que aconteceu
só deixou as coisas mais complicadas do que já eram.
- E do Harry? Já sabes alguma
coisa?
- Nada. Devem estar a fazer-lhe a
autópsia.
- Ele morreu do nada. Isso é
muito estranho.
- Não vamos falar sobre isso. –
pediu ela.
- Tens razão, desculpa. Vou ter
de desligar. Até logo!
Lara entrou no apartamento.
Passou pelo sofá onde tudo tinha acontecido e foi diretamente até ao seu
quarto. Ligou o computador e começou a pesquisar sobre maldições. Como sempre,
ela sentia a necessidade de estar informada e de descobrir tudo o que fosse
possível sobre tudo o que fosse do seu interesse. Levou horas a pesquisar.
Quando reparou, já era de
madrugada. Não encontrou nada que se encaixasse com a sua situação. Uma praga
através de um corte no pulso? Aquilo parecia não existir. Talvez Sam tivesse
razão. Talvez só quisessem assustá-la.
Por outro lado, pela primeira vez
algo aconteceu e o Jonah não parecia ser o culpado. Agora ela sentia mais
vontade de envolver a polícia no assunto. Era tarde. Ela não tinha comido nada
todo o dia e continuava sem fome. Uma boa noite de sono podia trazer-lhe alguma
ideia ou conclusão. Deitou-se e fechou os olhos. Encontraria um novo bilhete
com o amanhecer?
Eram oito da manhã. Lara acordou
com o telefone a tocar. Quem poderia ser tão cedo? Levantou-se e seguiu o
barulho. Era o seu patrão. Num domingo? Atendeu:
- Estou? Bom dia.
- Bom dia, Lara. Não trago boas
notícias.
- O que se passa?
- Vim informar-te que estás
despedida do museu. Não posso tolerar os teus atrasos constantes e já recebi
várias queixas de visitantes, por seres antipática e mal educada. Amanhã passa
aqui para fazermos contas, mas não penses que vais receber muito. Estamos no
inicio do mês. Tem um bom dia. Até amanhã.
Ele desligou a chamada e nem deu
oportunidade de resposta. Lara estava bastante confusa. Como iria sobreviver
agora? Pousou o telefone, ainda chocada.
Lembrou-se, depois, de verificar
se tinha recebido algum bilhete. Voltou ao quarto e encontrou um papel em cima
da mesinha ao lado, como já não acontecia há algum tempo.
“A contagem começou. Tens 5 dias
para conseguires travar a praga. Caso contrário, o fim é a morte, já sabes.
Para tornar tudo mais emocionante, só amanhã te vou dizer como a maldição pode
ser parada, quando já tiveres perdido um dia. Espero que já estejas a levar
isto a sério, ou teremos problemas.
Até amanhã.”
CAPÍTULO 13 – Pedido de ajuda
- O quê? O corpo o quê? – gritava
o polícia, ao telefone.
- Não sabemos como isto
aconteceu, mas já temos todo o pessoal a procurá-lo! – justificava-se o médico
legista.
- Como é que se perde um corpo?
Como? – continuava o agente, irritado.
- Ele simplesmente desapareceu.
Deve haver alguma explicação para o sucedido! Não se preocupe.
- Não me preocupo? Esta autópsia
é crucial para o caso que estou a investigar! Trate de encontrar o corpo do
senhor Harry. Bom dia.
Entretanto, desesperada, Lara
permanecia sentada na cama. Como ia sobreviver agora? Aquele emprego era
importante para ela. Será que a maldição era real? E se ela tivesse sido
despedida por isso? Ainda não estava muito convencida. De qualquer forma, ligou para Sam e contou tudo:
- Sim, Sam. Fui despedida. E
recebi um bilhete que dizia que só tenho mais 5 dias de vida.
- Tem calma. Com as tuas
habilitações encontras outro emprego rápido. E quanto a essa praga, esquece-a!
Vais ver que passam os 5 dias e não acontece nada.
Alguém bateu à porta. Lara
despediu-se da amiga com a promessa de voltarem a falar mais tarde. Abriu. Era
um polícia. O mesmo polícia que tinha ali estado no dia da morte de Harry. O
mesmo polícia que interrogou Lara na esquadra. Aquele polícia que tinha falado
com o médico naquela manhã.
- Bom dia. Vim revistar a casa.
Com licença.
- Veio o quê? – inquiriu ela, tapando
a entrada com o braço – Sei que o senhor precisa de um mandato do juiz para
revistar este apartamento. E sei também que tem de ser um policial feminino a
fazê-lo.
O agente, atrapalhado, recuou:
- Muito bem. Nesse caso vou-me
embora. Mas volto.
- Tenha um bom dia. – despediu-se
ela, chateada.
- Igualmente. – disse ele, com um
olhar ameaçador.
Agora, desempregada, Lara tinha
tempo suficiente para tratar da maldição e tentar descobrir toda a verdade. Ela
só tinha 5 dias. Depois do que se passou na casa de Jonah, ele já não parecia
ser o culpado. Era o momento perfeito para envolver a polícia no caso. Abriu
rapidamente a porta e chamou:
- Espere! Senhor polícia? Volte,
por favor.
- Em que posso ajudar? – inquiriu
ele, ao dar meia volta.
- Quero fazer uma denúncia.
- Então acompanhe-me.
Antes de sair, foi até ao quarto
e agarrou em todos os bilhetes que tinha guardado. Foram até à esquadra e Lara
teve de explicar tudo. Mostrou os papéis, contou toda a história e não se
esqueceu de nenhum pormenor. Estava feito. Agora o caso ia ser investigado.
Aquela atitude já tinha sido demasiado adiada. Metade da história já tinha sido
contada quando ela teve de prestar declarações após a morte de Harry. Agora,
porém, ela não lhe escondeu nada.
Obviamente, com uma conversa
sobre maldições e sobrenaturalidades, o polícia não a levou muito a sério.
Ficou mais convencido de que ela era louca e de que tinha assassinado o
paparazzo. Por outro lado, investigar dois casos interligados tornava as coisas
muito mais interessantes e despertava uma velha paixão que o tinha levado
àquela profissão: o mistério.
A caminho de casa, ligou para a
amiga a contar tudo:
- Sam, finalmente envolvi a
polícia nisto. Agora vão investigar.
- Acho que fizeste bem. –
concordou ela.
- A conversa entre mim e o agente
foi demasiado estranha e constrangedora. Fiquei com a sensação de que ele me
achou louca.
- Ele não tem de achar nada. Tem
de fazer o seu trabalho e investigar o caso.
- Nisso tens razão.
Nesse momento a rainha do sol
soltou um relâmpago sobre uma árvore, que se incendiou. Os Solarii começaram a
surgir das tirolesas e os tiros começaram a ouvir-se. Lara levou a mão às
costas mas não encontrou nenhum arco nem nenhuma flecha. O cheiro a queimado. O
som das ondas. Sangue, muito sangue. Já não estava na sua cidade. Estava de
volta à ilha de Yamatai. Começou a ter dificuldades em respirar. Viu Alex. Viu
Grim. Viu Roth. Ouviu a voz de Sam. Ela tinha de ajudar a amiga! Onde ela
estava? Onde?
- Lara? – gritava.
A arqueóloga fechou os olhos com
toda a força e começou a imaginar a sua cidade. O seu apartamento. Abriu os
olhos e já estava tudo bem. Ela estava deitada no chão. No meio da rua.
Completamente suada e aflita, seguiu, confusa, a voz da amiga.
- Lara?
Vinha do telemóvel, caído no
chão, mesmo ao seu lado. Olhou à sua volta. As pessoas estavam assustadas, a
olhar para ela. Tinha dois desconhecidos a tentar ajudá-la. Estendiam a mão,
como se quisessem levantá-la do asfalto. Agarrou no telemóvel e levantou-se sozinha.
Tinha tido a sua primeira crise
de pânico e ansiedade dos últimos meses. Já tinha parado a terapia. Achou que
já tinha sido curada. Um dos seus maiores medos era que aquelas memórias
voltassem para lhe assombrar.
- Sam? Estou aqui. – chorava ela.
- Lara! O que se passou? Estavas a gritar. –
preocupou-se.
- Depois falamos, pode ser? Até
logo. – desligou.
Olhou para trás. O polícia estava
na porta da esquadra. Tinha assistido a tudo.
CAPÍTULO 14 – Apenas o começo
Baixou a cabeça e continuou o
caminho até casa. Entrou bastante assustada. Andava de um lado para o outro com
a mão na cabeça. Estava a acontecer de novo. As imagens de tudo o que ela passou
tinham voltado.
- Lara, estás bem? – atendeu,
Sam.
- Não. Não estou nada bem! As
minhas crises voltaram! Eu vi tudo de novo. Eu vivenciei tudo de novo. Foi
horrível.
- Calma! Pensei que já tinhas
ultrapassado isso.
- Também eu! É a maldição, Sam.
Não percebes? Estou em pânico.
- Estás a preocupar-me! Mantem a
calma! – pediu ela.
- Calma? A minha vida está nas
mãos de uma praga e tu pedes calma?
- Lara, se essa maldição for
real, tu não podes estar enervada dessa maneira. Se a praga consiste em
realizar os teus maiores medos, tens de lutar contra eles. Caso contrário, tudo
o que tiveres medo que aconteça vai acontecer. Incluindo a morte. Por favor,
promete-me que te vais acalmar!
- Vou tentar. Mas estou realmente
com medo. Tenho medo que as pessoas achem que estou louca. E isso está a
realizar-se.
- Não está nada a realizar-se!
Olha, talvez esta maldição seja só uma enorme mentira e alguém está a fazer
isto tudo só para que as coisas más aconteçam no teu psicológico. E isso faz-te
acreditar que estás realmente amaldiçoada.
- Vês? Até tu achas que estou
maluca! Vou acabar sozinha, sem ninguém. Isto se não for presa antes, por um
crime que não cometi. A minha vida está um caos!
Do outro lado não se escutou mais
nada. A chamada continuava ativa, mas não se ouvia nenhuma voz nem nenhum
barulho.
- Sam? Sam?
Desligou e voltou a ligar.
Ninguém atendeu. Estranho. Foi almoçar, ainda que com pouca fome. Não tinha
nada para ler. Estava bastante entediada. Lembrou-se de pesquisar mais sobre
maldições. Já que não tinha encontrado nada na Internet na noite anterior, decidiu
ligar ao seu velho amigo Robson, dono da biblioteca local. Talvez ele tivesse
algum livro antigo sobre essas sobrenaturalidades.
- Olá, Lara! Como estás, amiga? –
atendeu o senhor.
- Estou bem, obrigado! Queria
perguntar-lhe uma coisa, se for possível.
- À vontade, minha filha.
- Tem algum livro sobre maldições
ou pragas? Andei a pesquisar na internet mas não encontrei o que procuro.
- Pois é, querida. Por estranho
que pareça, a Internet ainda não sabe de tudo. Ainda não é a dona da razão. Os
livros ainda possuem muita sabedoria. Os antigos sábios não puderam publicar as
suas visões na Internet.
- É verdade, Robson. Então, acha
que me consegue ajudar?
- Vou ver o que tenho por aqui.
Já te ligo, pode ser?
- Claro! Até já.
Ler era uma das paixões de Lara.
Sabia vários idiomas e era obcecada pelo conhecimento. Estava totalmente de
acordo com Robson. Os livros são uma enorme fonte. A Internet, porém, era mais
rápida e prática. Não demorou muito até receber um telefonema do velho:
- Lara, não encontrei nada sobre
maldições ou pragas, mas encontrei um livro sobre bruxarias. Serve?
- Talvez sirva! Obrigado. Posso
passar por aí para trazê-lo? Sei que é domingo, mas é um assunto importante.
Mais uma vez, do outro lado, não
se ouviu nenhum som. Voltou a ligar e, mais uma vez, não foi atendida. Começava
a preocupar-se. O que estaria a acontecer? A biblioteca ficava próxima. Saiu de
casa e foi lá procurar o amigo, já que não podia fazer o mesmo com Sam.
Era uma biblioteca velha. Estava
legalmente encerrada mas Robson manteve-a como o seu amor pela leitura. Os seus
livros antigos enchiam as prateleiras. Apesar de tanto pó, ele era feliz ali.
Dormia lá. Era a sua casa. Era onde se sentia bem.
Lara chegou e empurrou a porta,
que se abriu com um rangido.
- Robson? – chamava ela – Está
aqui?
O espaço não era grande e
rapidamente a arqueóloga percebeu que estava sozinha. Numa mesa encontrou um
livro. “Bruxarias” era o título. Capítulo 35: “Pragas e maldições”. Robson
tinha-o separado para ela. Perfeito! Era mesmo aquilo que ela procurava.
Agarrou no livro, olhou à sua
volta para garantir que estava mesmo sozinha e saiu dali. Pelo caminho tentou
contactar Sam de novo, mas sem sucesso. Já em casa, mesmo antes de conseguir
ler qualquer coisa, foi interrompida por umas batidas fortes na porta.
Era ele. Estava de volta. O
polícia. Sim, aquele. Desta vez vinha acompanhado por um policial feminino.
Estendeu a mão e mostrou um papel. Era um documento do juiz. O mandato que
precisavam para revistar o apartamento.
- Mas já? – surpreendeu-se, Lara.
- Estas coisas são rápidas,
principalmente quando envolvem mortes. – explicou o polícia.
- Posso ao menos saber o porquê
da vossa visita? – pediu, deixando-os entrar.
- Digo-lhe com todo o gosto.
Acontece que o corpo do senhor Harry desapareceu. Estamos à procura dele.
- Desapareceu? Mas como?
- Se não se importa, vai ter de
abandonar o apartamento enquanto o revistamos. – avisou a mulher.
Lara obedeceu e saiu.
- Parece que continuo a ser
suspeita de ter morto o Harry. E de ter escondido o corpo dele? Isto é de
loucos. – pensava ela, enquanto descia as escadas do prédio.
Encontrou, pelo caminho, a
vizinha que tinha chamado a polícia no dia em que o paparazzo morreu. A mulher
ignorou-a e foi sempre para a frente.
- Espere! Preciso de falar
consigo! – chamou Lara.
- O que quer de mim? – virou-se a
senhora.
- Como devo chamá-la?
- Chamo-me Emma. Estou com
pressa. O que deseja?
- Foi prestar depoimentos depois
do que se passou? – perguntou.
- Sim, eu fui.
- E o que lhes contou?
- Não se preocupe. Eu só disse o
que vi.
- Acha que eles me acham culpada?
- Tenho de ir. Até logo. –
despediu-se, continuando a descer as escadas.
Respirou fundo e desceu logo
atrás. Ouviu um barulho e, ao virar da esquina viu a vizinha caída, ao fundo
das escadas. Não se mexia.
CAPÍTULO 15 – De volta aqui
Com medo, correu em direção à
mulher. Agachou-se e abanou-a. Não reagiu. Lara virou-a e deparou-se com algo
aterrorizante: Emma estava morta. Boca escancarada, olhos arregaladíssimos e
sobrancelhas que indicavam susto e medo. Onde ela tinha visto isto antes?
Foi até à porta da rua e
conseguiu ver alguém a sair do prédio. Estava a virar à direita. Lara só
conseguiu ver uma perna de uma pessoa, que estava a passar pela entrada. Era
uma perna de homem. Era uma perna forte. Uma perna com uma tatuagem. Era a
perna de Jonah.
Assustada, foi até lá fora. Olhou
à sua volta e já não viu ninguém. Acelerou, depois, para o seu andar, para
chamar a polícia que, lá em cima, lhe revistava a casa.
- Socorro! Socorro! Alguém me
ajude! – gritava ela, enquanto batia com toda a força na sua porta.
- O que se passa? – Abriu a
polícia, confusa.
- Há mais uma morte!
- O quê? – apareceu o agente.
- Sigam-me! Rápido! – pediu ela.
Os colegas olharam-se e
concordaram em seguir a arqueóloga. Fecharam a porta de casa e desceram as
escadas. Lara foi imediatamente bombardeada com perguntas e contou-lhes tudo o
que aconteceu:
- Estava a falar com ela sobre a
morte do Harry, sobre os nossos depoimentos e acho que ela se cansou
rapidamente. Virou-se e desceu as escadas. Ouvi um barulho e quando desci vi-a
caída. Quando a virei estava morta. É isto o que sei e não vale a pena
levarem-me para prestar mais declarações porque, muito infelizmente, não tenho
mais nada a acrescentar. Juro.
Enquanto o agente estava ao
telemóvel a tratar do destino do corpo, a polícia conversava com Lara. Seria
uma perda de tempo levá-la com eles se ela não tinha mais nada a dizer. Então,
concordaram em deixar a conversa por ali. Era, no entanto, a segunda vez que
alguém morria com a arqueóloga por perto. As suspeitas só aumentavam.
- Do caso da senhora Emma
tratamos mais tarde. Não há quaisquer sinais de assassinato. Não será
necessário, mais uma vez, isolar o local. Depois de virem buscar o cadáver
vamos regressar ao seu apartamento para terminar de o revistar. Volte daqui a
cerca de uma hora. A sua casa estará livre. – explicou a mulher.
Lara, ainda meio chocada, foi dar
um passeio. Estava uma tarde quente. Olhou para o sol e lembrou-se da sua
rainha – Himiko. Não, não estava a começar outra crise de ansiedade. Mas foi aquele
sinal que lhe fez mudar de pensamento. Ela não ia deixar que aquele trauma
tomasse conta da sua vida de novo. Nem pensar! Desta vez a iniciativa seria
sua! Ela ia recomeçar a terapia.
Para além de sentir a necessidade
de estar bem consigo mesma, ela precisava de estar mentalmente saudável para
que as autoridades a levassem a sério, uma vez que ela estava envolvida em
vários casos. Não ia adiar aquele assunto nem mais um instante. Mudou o seu
percurso e dirigiu-se ao consultório do seu antigo psicólogo.
Jefferson, como se chamava, tinha
sido um verdadeiro amigo para Lara no ano anterior, durante longos meses de
tratamento. Ele conseguiu por um fim ao trauma de Lara. Não foi fácil, mas foi
possível. Agora todas as memórias tinham voltado. Ela estava disposta a começar
a terapia desde o começo. Desde os primeiros sintomas de trauma. Desde agora
mesmo.
Entrou e falou com a secretária
dele, para tentar marcar uma consulta. O dia estava bastante vago. Lara tinha
acabado de marcar uma sessão para dali a 15 minutos. Sentou-se na sala de
espera. Faltava ali alguém. Antes, quando ela tinha terapias quase diárias, ela
via também, quase todos os dias, uma menina naquela sala. Uma menina de 9 anos.
Ela estava a ser acompanhada porque os seus pais tinham morrido num acidente de
carro e ela ficou aos cuidados da avó. Encontravam-se quase sempre. Meses e
meses de combate contra traumas. Ficaram, de certa forma, próximas. Diana era o
seu nome. Lara tinha guardado vários desenhos que ela lhe oferecia. Não eram
nem um pouco bonitos, mas ela sentia algum carinho por eles.
Chegou a sua vez. Os 15 minutos
passaram. A secretária chamou o seu nome. A luta ia começar.
- Lara, que surpresa! – sorriu
Jefferson ao vê-la entrar.
As diferenças eram notórias. Lara
não vinha com um capuz enfiado na cabeça e conseguia encará-lo olhos nos olhos.
Ficou surpreendido por tê-la de volta ao seu consultório. Não parecia estar pior.
Não parecia trazer consigo a mesma depressão. Parecia, porém, um pouco nervosa.
- Então, como tens andado? –
começou ele.
- Muito bem. Estive uns bons
meses sem sequer me lembrar de que estive doente. Mas agora está a acontecer de
novo. – explicou ela.
- O que está a acontecer de novo?
- O stress pós-traumático. Os
ataques de pânico e ansiedade. O senhor já me tinha dito que isto podia voltar
a aparecer. Tinha-me dito que estas coisas vão e voltam. Mas depois de tanto
tempo sem elas, não imaginei que tivesse de as enfrentar novamente.
- Conta-me o que aconteceu. O que
sentes? Já sabes, deves ver-me como um amigo e isto é apenas uma conversa
normal. – sorriu ele.
- Bem, antes disso, eu preciso de
contar outra coisa. Mas tenho medo que me ache maluca como os outros.
- Claro que não te vou achar
maluca. Conta-me.
- É que… Bem, não sei como dizer
isto mas… Eu acho que estou amaldiçoada. E sim, essas coisas existem. Sabe
muito bem das sobrenaturalidades que vi em Yamatai. Ou pelo menos, eu acho que
acredita em mim. E foi por ser das poucas pessoas a acreditar em mim que me
conseguiu ajudar.
- Continua. Estou a ouvir.
- Então, acordei com este corte
no pulso. – mostrou ela – E recebi um bilhete a dizer que estou amaldiçoada e
que os meus maiores medos se vão realizar. Pode parecer loucura mas depois
disso fui despedida, dois amigos meus desapareceram, os ataques de pânico
voltaram, as pessoas voltaram a achar que eu sou louca e sou a principal
suspeita de duas mortes. Tudo isto só hoje.
- Lara, sabes que é difícil para
mim falar sobre essas coisas sem explicação científica. Sabes que sou muito
crítico no que toca ao que acredito ou não. Mas de uma coisa eu tenho a
certeza. Tu não és louca. Nunca foste nem nunca estiveste. Eu sei disso. Eu sou
psicólogo.
- Isso quer dizer que, mesmo que
não acredite muito nestas sobrenaturalidades, sabe que eu digo o que digo com
algum propósito. Sabe que não são apenas loucuras.
- Exatamente. E, acima de tudo, sei
que és uma pessoa extremamente inteligente. Antes de passarmos ao trauma que,
supostamente, veio com essa praga, conta-me mais sobre essas mortes de que és
suspeita. – pediu ele.
Tiveram uma longa conversa. Lara
colocou-o a par de tudo. Não lhe escondeu nada. Ela era a sua paciente favorita
porque tinha sempre histórias interessantíssimas para contar. O melhor de tudo
é que eram sempre histórias reais. Coisas que aconteciam na vida dela. Estava
contente por voltar a vê-la. E ela estava tão entusiasmada a contar-lhe tudo
que se esqueceu que estava num consultório psiquiátrico à procura de ajuda
inútil que não afetaria em nada a terrível praga que lhe assombrava e que ainda
estava apenas no começo.
CAPÍTULO 16 – Noite em claro
Uma hora passou. Jefferson tentou
não falar muito do trauma em si, pois era a primeira sessão. Lara já estava de
saída. Ao chegar ao seu prédio encontrou-se com os polícias, que desciam as
escadas.
- Então? Encontraram alguma
coisa? – perguntou ela.
- E havia algo para encontrar?
Ela sabia que não. Mas nada lhe
garantia que a maldição não a ia incriminar. Os agentes despediram-se e saíram.
Reparou que o corpo da vizinha já não estava ali. Subiu e entrou em casa. Foi
até ao quarto e sentou-se na cama a pensar. O que teria causado a morte de
Emma? E de Harry? Era tudo muito estranho. Não demorou muito a adormecer.
Estava cansada. Muita coisa tinha acontecido num só dia. O primeiro dos 5 que
tinha.
Os pesadelos começaram. Sam
falava com ela ao telemóvel quando o largou do nada e levou as mãos ao pescoço.
Escancarou a boca e arregalou os olhos. Segundos depois estava morta no chão e
Lara gritava por ela do outro lado. Robson, na biblioteca, enquanto falava com
a arqueóloga, segurando um livro de bruxarias, também levou as mãos ao pescoço
e morreu de olhos esbugalhados e boca aberta. Rostos aterrorizantes.
Algo apareceu. Um pé entrou em
cena. Nevoeiro subiu. Uma perna tatuada revelou-se. Era Jonah. Como os outros,
morreu. Exatamente da mesma forma. Lara começou a ficar igualmente sem ar.
Sentiu o pescoço bastante apertado. Levou as mãos até lá e sentiu a sua boca e
olhos abrirem involuntariamente.
Acordou no meio de um enorme pulo
e, aflita, respirou fundo. Estava completamente suada e em pânico. Estava
escuro. Já era noite. Acendeu o candeeiro e viu as horas. Eram 3 da manhã.
Ainda não tinha recebido nenhum papel. Estava aliviada por ter sido apenas um
sonho. Os seus amigos não podiam estar mortos. Não podiam! Sam e Robson tinham
desaparecido misteriosamente. Com Jonah, porém, ela ainda não tinha falado.
Será que o grandalhão continuava no mesmo sítio? Era demasiado tarde para ir
até casa dele. Ligar para Robson também não era uma boa ideia. Se estivesse
tudo bem com ele, àquela hora estaria a dormir. Podia, porém, ligar para Sam.
Em Singapura era mais cedo.
Agarrou no telemóvel e fez a
chamada. Não foi, mais uma vez, atendida. O que se estava a passar? Onde
estavam todos? Foi beber um copo de água e tentou voltar a dormir. Pretendia,
na manhã seguinte, procurar por Jonah. Aquele sonho parecia tão real.
Amanheceu. Lara não tinha dormido
muito depois daquele pesadelo. Não encontrou nenhum bilhete. Achou estranho.
Comeu, tomou um banho e vestiu-se. Quando se preparava para sair de casa para
procurar o amigo, encontrou um recado em cima de um móvel. Mais um.
“Bom dia.
Um dia passou. Nesta altura já te
devem ter acontecido várias coisas. Isto se ainda estiveres viva, claro.
Acredita, é apenas o começo. Já deves estar ciente da tua situação. Está a ser
divertido, não está?
Como prometido, hoje conto-te
como parar a maldição. É muito simples. Só tens de encontrar a faca que te
cortou o pulso e cortar o pulso da pessoa que te amaldiçoou. O jogo está cada
vez mais interessante! Escondi a faca. Será que consegues encontrar? E quem te
cortou o pulso? Será que sabes?
Só amanhã te vou dizer como podes
encontrar a faca, quando já tiveres perdido dois dias. O relógio não para e a
praga também não!
Tem um bom dia.”
CAPÍTULO 17 – Mais um
- Cortar o pulso de quem me
amaldiçoou? – pensava ela – Simples? Tenho de encontrar essa faca!
Mas onde? Onde Estaria a faca? E
quem lhe tinha amaldiçoado? Aquela mensagem não tinha ajudado em nada. Ia ter
mais um dia perdido. Ela não tinha a mínima ideia de como era essa faca nem de
onde estaria. E muito menos de quem lhe tinha feito aquilo.
Saiu de casa com medo. Se o dia
de hoje fosse como o de ontem, seria horrível. Ela não aguentava mais um dia
assim. Saiu e começou a descer a rua. Ainda era cedo mas ela sabia que Jonah nunca
se levantava tarde.
Chegou a casa dele e bateu à
porta. Abriu com uma cara de sono e de pijama. Ainda estaria a dormir? Bem, ela
não ficou propriamente surpreendida porque aquilo era o que ele tinha de menos
estranho ultimamente.
- Bom dia, Jonah. – sorriu ela,
feliz por vê-lo bem.
- Bom dia. Precisas de alguma
coisa?
- Não me vais deixar entrar?
- Claro. Entra.
- Então, como estás? – inquiriu
ela, enquanto entrava.
- Estou bem.
- Eu… Bem… Tenho de falar
contigo.
- Fala.
- É que, depois do que se passou
aqui, aconteceram mais coisas. – começou ela.
- Depois de termos sido atacados?
- Sim. É que depois disso eu…
- Descobriste que estás
amaldiçoada. Que todos os teus medos se vão realizar. – interrompeu ele.
- O quê? Como sabes? –
surpreendeu-se ela.
- Deixaste um papel para trás.
Estava tudo lá escrito.
- Ah sim. É verdade. Mas já vi um
bloco de notas por aí com umas folhas iguais àquela. Não sabes de nada?
- Lara, e quantos blocos de notas
iguais existem no mundo? – irritou-se ele.
- É. Tens razão.
Não. Ele não tinha razão. Lara
sabia perfeitamente que aquele bloco de notas tinha sido usado para os bilhetes
que recebia. Ela já tinha encontrado marcas disso. Mas como podia ela acreditar
que era o seu amigo que estava por trás de tudo isto? A verdade tinha de ser
descoberta. Ela decidiu contar-lhe o resto da história, partindo do princípio que
ele não sabia de nada:
- Depois de receber esse papel
recebi outro. Dizia que tenho 5 dias para parar a maldição. Dizia que tenho 5
dias de vida. Ontem aconteceram muitas coisas. Longa história. Estou assustada
porque isto parece real. E hoje recebi outro recado. Diz que a única coisa que
pode parar a praga é encontrar a faca que usaram para me cortar o pulso e
cortar o pulso de quem me amaldiçoou.
- Bem, isto está a ficar mais
sério. E mais confuso. – afirmou.
- Jonah, por favor. É muito
importante. Se sabes de algo diz-me. Andas estranho, já te disse.
- Não sei de nada, pequeno
pássaro. Lamento não conseguir ajudar.
- Pelo menos já vi que estás bem.
Estava com medo que algo te acontecesse.
- A mim? Porquê? – confundiu-se.
- Porque alguns amigos meus
desapareceram. Tinha medo que também desaparecesses. Espero que esteja tudo bem
com eles.
- Desapareceram? Quem?
- A Sam. O outro não conheces.
- A Sam? Mas ela não estava a
viajar? Desapareceu como?
- Depois falamos, pode ser? Tenho
de ir até ao museu falar com o meu patrão. Fui despedida.
- Despedida? Bem, já vi que tens
muito para me contar. Depois falamos melhor.
- E tu? Não trabalhas hoje? –
perguntou, enquanto abria a porta.
- Hoje não. Estou de folga.
Lara sabia que não era verdade.
Ela sabia que o grandalhão não aparecia no trabalho há semanas. Só não
conseguia descobrir porquê. Ainda queria segui-lo e descobrir mais. Mas com tudo
o que se tinha passado, ela estava sem tempo. E cansada.
- Bom dia! O senhor William está
no gabinete? – perguntou ao entrar no museu.
- Bom dia, Lara! Está sim.
Enfiou-se lá mal chegou e ainda não saiu. Está à tua espera. Podes entrar. E
boa sorte! – respondeu a recepcionista.
Respirou fundo e bateu à porta.
Bateu de novo. Ninguém respondeu. Olhou para a colega com uma cara de medo e
esta fez-lhe um sinal para que entrasse. Lara puxou a maçaneta e empurrou um
pouco a porta. Quando a abriu o suficiente para que pudesse ver o interior,
conseguiu ver a traseira de uma cadeira e a escrivaninha do patrão. Olhou para
baixo da mesa e conseguiu ver as suas pernas. Ele estava ali. Fechou a porta e
aproximou-se.
- Senhor William? – chamou ela.
Não obteve resposta. Aproximou-se
mais. Estava na frente da secretária dele. Tossiu ligeiramente para chamar a
atenção. O homem não se mexia. Lara deu a volta e finalmente conseguiu vê-lo.
William, o chefe, estava morto.
Capítulo 18 – Único amigo
Lara, assustada, recuou. Bateu
contra uns móveis. Não podia acreditar no que os seus olhos viam. O patrão
estava como os outros. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas de
susto e medo. Correu dali. Passou pela recepcionista sem dizer nada e saiu do
museu.
Correu e correu até que parou num
jardim ali perto. Sentou-se num banco e, ofegante, tentava manter a calma. Mais
uma morte. Igual à de Harry. Igual à de Emma. Igual à de Sam, Robson e Jonah,
segundo o seu sonho. O que estava a acontecer? Porque é que ela, de alguma forma,
tinha uma relação com todas as mortes? Porque é que ela era sempre a primeira a
ver os cadáveres?
Decidiu visitar Jefferson, o
psicólogo. Era a única pessoa, naquele momento, capaz de fazê-la sentir-se
segura. Mais uma vez apareceu sem hora marcada. Havia uma vaga para dali a uns
minutos. Sentou-se no lugar do costume. Diana, a menina que lhe costumava fazer
companhia, não estava ali. Mais uma vez.
Chegou a sua vez. Lara, ansiosa e
nervosa, entrou. Ele viu automaticamente que ela não estava bem. Tinha o rosto
vermelho do choro e as pestanas húmidas. Caminhou rapidamente para a sua
posição e sentou-se no sofá, esperando que ele a acompanhasse.
- O que se passa, Lara? Não me
pareces bem. – preocupou-se ele, sentando-se na sua frente.
- Eu… Bem… Eu fui hoje falar com
o meu chefe, como estava combinado. E ele… Ele…
- Tem calma. Queres um pouco de
água? – interrompeu ele.
- Não, obrigada.
- Então continua. – pediu ele.
- Quando lá cheguei e entrei no
seu escritório, ele… Ele estava…
- Sim? Ele estava o quê? –
insistiu.
- Morto!
- O quê? Mais uma morte? –
surpreendeu-se ele. – Vais dizer-me que também estava com a mesma expressão dos
outros dois?
- Bem… Sim. Tinha a mesma
expressão.
- Mas…
- Eu sei! – interrompeu ela – Eu
sei que parece uma loucura. Mas há um serial killer por aí. E eu estou a ficar
com as culpas!
- Um serial killer?
- Sim, um assassino em série.
- Sim, Lara. Eu sei o que é um
serial killer. Mas tu tens a certeza do que estás a dizer?
- Não há outra explicação! Eles
estão mortos. Todos mortos da mesma forma. E ainda não foi feita nenhuma
autópsia para sabermos como. Só sei que não fui eu. Mas eu estava sempre ali,
com eles. Fui sempre a primeira pessoa a vê-los, para além do assassino, claro.
É por isso que sou a principal suspeita. E é por isso que estou desesperada.
Estas mortes e aquela maldição estão a deixar-me louca! Ajude-me! – chorava.
- Se queres saber a minha
opinião, é muito simples. Tu não os mataste. Tu não tens nada a esconder. O que
eu acho é que não deves ter medo. Quem não deve não teme. Conta sempre tudo à
polícia. Colabora com eles. Mostra que estás tão interessada em descobrir a
verdade como eles. – recomendou ele.
- Mas o senhor não está a
perceber. Eles não me levam a sério! Acham que sou maluca porque lhes falo de
maldições e porque digo que eles morrem do nada. Para além disso já me viram a
ter ataques de pânico. Nada está a meu favor. O senhor é a única pessoa que
acredita em mim. Que não me acha maluca. Neste momento, o meu único amigo.
- E se eu tivesse uma conversa com
eles? Isso deixava-te mais descansada? Como psicólogo que sou, eles não vão
poder contrariar-me quando lhes disser que tu podes ser muita coisa, mas louca
não. – sugeriu.
- Isso é uma ótima ideia! Seria
muito bom! Mas não ponha em causa o seu trabalho por isto.
- Por em causa o meu trabalho?
Como assim? – confundiu-se ele.
- Sei lá. Eles podem achar que
também é louco por acreditar em mim.
- Já te disse. Acredito pouco em
sobrenaturalidades. Mas louca não estás. O que dizes tem algum fundamento. E o
meu instinto diz-me que te devo ajudar. Não só psicologicamente, como também
nesse caso com a polícia e, quem sabe, nessa história da praga.
Entretanto, no museu, a
secretária tinha chamado a polícia. Apareceram lá os dois colegas do costume.
- Qual foi a última pessoa que
esteve com ele? – perguntaram.
- Lara Croft. – respondeu.
CAPÍTULO 19 - Pânico
O telemóvel do agente tocou. Este
afastou-se um pouco e atendeu.
- Bem… Não sei como dizer isto
mas… O corpo da senhora Emma desapareceu. – contou o médico.
- O quê? Como deixaram isto
acontecer de novo? Como? Estão loucos? O que se passa aí? Que falta de
responsabilidade! Já é a segunda vez! Isto é grave! – gritava ele.
- Não tenho como explicar o que
aconteceu! Desapareceu do nada, tal como o outro. Não consigo encontrar nenhuma
explicação.
Desligou o telefone furioso e
despediu-se do museu, juntamente com a colega. Lá fora, ela perguntou:
- O que se passou?
- O corpo da senhora Emma
desapareceu. Mais uma vez não foi feita uma autópsia.
- O quê? Como é que isto é
possível? – surpreendeu-se.
- Não sei. Mas como vamos
resolver este caso se os corpos desaparecem?
- E o corpo do senhor William?
Vamos deixar que desapareça também?
- O quê? Não espero que eles
cometam o mesmo erro 3 vezes. Aquele corpo vai ter de estar sob vigia
constante!
Lara, no consultório, continuava
a sua conversa com Jefferson. Ela estava a adorar. Não se sentia uma cliente,
mas sim uma amiga.
- Jefferson, deixe-me fazer-lhe
uma pergunta. – pediu ela.
- Claro!
- Aquela menina que costumava vir
aqui, a Diana, está curada? Deixei de a ver por cá.
- Ah… A Diana. – desmanchou o seu
sorriso.
- O que foi? Aconteceu alguma
coisa com ela? – preocupou-se.
- Há uns meses ela…Ela… Bem… Ela
teve um acidente. Está em coma e em risco de vida. Não sei de muito. Mas sei
que ela, mesmo que sobreviva, não vai poder voltar a andar.
- Meu deus! Ela era tão
simpática. Aliás, ela é. Apesar de tudo ainda está viva. Será que posso ir
visitá-la? Onde ela está?
- Está num hospital em St's
Thomas Westmister. Acho que podes visitá-la.
- Mas como? Não sei o quarto, nem
sei o nome completo dela. – explicou.
- Podes falar com a avó dela.
Aquela senhora que a acompanhava até aqui. Tenho a certeza que ela te ajuda.
Lembro-me que a Diana gostava muito de ti. E tu dela. E a avó deve saber disso.
– sugeriu.
- Não sei… Tenho medo. Eu não sou
da família.
- Tu estavas aqui a apoiá-la
antes das consultas. É o que interessa.
- Bem, eu nem tenho o contacto
dela. Como vou falar com ela?
- Eu devo ter o contacto dela
guardado. Mas como deves calcular, não to posso dar.
Lara deixou escapar uma lágrima.
Ela gostava bastante daquela menina e a notícia de que ela estava no hospital
tinha sido bastante inesperada. Jefferson levantou-se bruscamente. Aproximou-se
para, provavelmente, apoiar a arqueóloga. Mas ela viu aquele gesto de outra
forma. De repente foi como se a sua caneta se transformasse numa faca e o
escritório numa ilha. Uma ilha cheia de navios naufragados. Yamatai. Ela já não via um psicólogo amigo.
Ela via um Solarii maníaco pronto para sacrificá-la em honra da rainha do sol.
Um ataque de pânico começou.
Lara tremia e encolhia-se.
Tentava defender-se com os pés. Gritava por ajuda e chorava. Jefferson tentou
tocar-lhe e acalmá-la mas levou um coice e caiu para trás. Lara levantou-se e
começou a correr pela sala. Estava a fugir de algo. Batia nas paredes como se
atrás dela estivesse um enorme Samurai pronto a matá-la. Esperneava
desesperada, caída no chão. O psicólogo não conseguiu controlá-la. Saiu a
correr para ir buscar um copo de água. Mas não voltou a entrar por aquela
porta.
Minutos depois Lara começou a ver
o escritório de novo. Já não estava em Yamatai. Já não estava em perigo. Já não
ouvia tiros nem gritos. Olhou à sua volta. Estava sozinha no consultório.
Tentou recompor-se. Penteou-se, limpou as lágrimas e respirou fundo.
- Onde está o doutor? – perguntou
à secretária, ao sair da sala.
- Entrou a correr ali dentro há
uns minutos e ainda não regressou. – apontou ela.
- E eu posso entrar ali? –
inquiriu.
- Claro! É uma pequena sala com
uma máquina de água, outra de café e alguns bancos.
Lara dirigiu-se à porta a que se
referia a mulher. Teve de passar pelos restantes pacientes que aguardavam a sua
vez. Estavam com caras estranhas. Como se tivessem ouvido todos os seus gritos.
Que vergonha. Abriu a porta. A sala
estava vazia.
CAPÍTULO 20 - Diana
Confusa, virou-se para a
secretária:
- Ele não estava aqui? A sala
está vazia.
- Estranho. Podia jurar que ele
ainda não tinha saído. – respondeu ela.
Não havia outra saída daquela
divisão. O psicólogo não seria capaz de sair dali sem ser visto. Tinha
simplesmente desaparecido. Mas como? Lara voltou ao escritório. Talvez não o
tivesse procurado bem. Mas não. Ela estava realmente sozinha ali dentro. Seria
a maldição a afastá-la dos amigos?
De qualquer forma, aproveitou e
fez algo não muito correto, mas que não pôde evitar. Começou a procurar, nas
coisas de Jefferson, o contacto da a avó de Diana. Mas ela nem sabia o nome da
senhora. Com certeza o nome não estaria anotado como “avó da Diana”. Lara
estava decidida a voltar a ver aquela menina.
Ela sabia que o acidente tinha
sido há uns meses. Procurou no computador e encontrou uma agenda digital.
Haviam várias consultas canceladas. Abriu-as e viu o nome do paciente. Era
Diana! O número de telefone era a informação seguinte. Bingo! Anotou-o na mão
com uma caneta que encontrou por ali e voltou a deixar tudo como estava.
O hospital não era longe dali.
Chamou um táxi e pôs-se a caminho. Durante a viagem ligou para o número
roubado.
- Sim? – atenderam.
- Bom dia! Estou a falar com a
avó da Diana?
- Não, não. A avó da Diana
faleceu. Eu sou a mãe adotiva. Tenha um bom dia.
- Espere! Não sabia que a Diana
tinha sido adotada. Mas porque ficou com o telefone da avó dela?
- É que a senhora só faleceu na
semana passada. Estou na casa dela com a assistente social e o telefone tocou.
E eu atendi. Só isso.
- Bem, eu soube hoje que a Diana
está no hospital. Soube hoje do acidente. Eu… Bem… Apesar de não mantermos
contacto e de não nos vermos há quase um ano, eu lembro-me dela como se fosse
hoje. Fomos muito chegadas. Eu queria visitá-la. Acha que posso?
- Claro! Eu vou ter com ela daqui
a meia hora. Podemos encontrar-nos e vai comigo.
- Perfeito! Muito obrigada! Anote
o meu número e ligue-me quando chegar! Estarei lá à espera.
Lara soltou um sorriso. Estava
prestes a rever Diana. Quando chegou ao hospital sentou-se num banco no
exterior e esperou pela nova mãe da menina. Recebeu um telefonema. Era ela.
Tinha chegado. Encontraram-se e cumprimentaram-se. Subiram juntas até ao quarto
da menina.
Quando entraram, foi como se Lara
esquecesse todo o mundo lá fora. Durante a hora que ali esteve, nenhuma morte
nem nenhuma maldição entrou nos seus pensamentos. A menina continuava linda.
Mesmo que não se pudesse ver os seus olhos azuis, via-se o rosto sereno e
meigo, os cabelos dourados e encaracolados e a mão delicada que, apesar de
estar ligada a uma máquina, era a mesma que lhe fazia desenhos diários.
- Porque adotou uma criança às
portas da morte? – perguntou ela, contendo as lágrimas.
- Porque eu… Bem… Se eu não a adotasse,
o que seria dela? Para onde ela ia? Quem ficaria com ela? Sim, ela pode passar
o resto dos seus dias nesta cama e vir a morrer. Mas ela não passou por isto
sozinha. Pelo menos ela sentiu aqui uma presença. Por mais que não seja de uma
mãe. Mas eu estou aqui.
Foi inevitável. Começaram as duas
a chorar. Uma menina tão nova. Não teve uma vida nada fácil.
- Eu compreendo. Mas… Como? Como
é que soube que havia uma criança sem ninguém num hospital? A morrer…
- Eu sempre quis adotar um filho.
Não é que eu não possa ter filhos biológicos, porque tenho. Mas o meu coração
parte ao pensar em crianças abandonadas, ou em instituições. Finalmente ganhei
coragem e fui a uma instituição. Ia adotar uma criança. Mas já estavam a
preparar-se para serem responsáveis pela Diana. Uma menina em coma no hospital.
Sem família. Não aguentei. Se a instituição ficasse responsável por ela, não
estariam sempre aqui com ela, para a apoiar. Ficaram todos de boca aberta por
uma mulher querer adotar uma criança inválida e quase morta. Mas sim, eu quis.
– chorava.
- Devo dizer que a admiro muito.
Não nos conhecemos nem há 2 horas e já é uma das pessoas mais fantásticas que
conheci. Foi o destino. Fez com que a senhora estivesse ali, naquela
instituição, há hora certa. No exato momento em que pôde conhecer o caso da
Diana.
- Sim, é verdade. E sabes uma
coisa? Só conheço esta menina há uns dias e parece que esteve toda a vida
comigo. Parece que… Que é minha filha. – contava a mulher.
- É muito bonito ouvir isso. –
limpava as lágrimas – Agora tenho de me ir embora. Não imagina como eu fiquei
satisfeita de ver a Diana de novo. Por favor, se tiver qualquer novidade,
ligue-me!
- Claro! Muito obrigado por este
momento. Adorei conhecê-la. Até qualquer dia! – despediu-se.
De volta a casa, Lara
preparava-se para um banho relaxante, depois de uma manhã tão intensa, quando
lhe bateram à porta. Abriu. Eram os dois polícias do costume. Lara ficou
automaticamente nervosa.
- Lara, onde esteve durante esta
manhã? – perguntou a policial feminina.
- Bem, como já devem saber, houve
mais uma morte. Sim, eu sei que devia ter-vos dito alguma coisa. Mas entrei em
pânico e saí dali a correr. – contou ela, enquanto se sentava no sofá.
- Pânico? Mas, que eu saiba, não
é a primeira morte que vê. E não é a primeira morte que vê daquela forma! Das
outras vezes não entrou em pânico. No caso da senhora Emma até nos veio chamar!
– provocou o homem.
- Isso não é verdade. Eu entrei
em pânico das 3 vezes. Só que a minha reação na primeira foi fechar-me, na
segunda foi chamar-vos e na terceira foi fugir. Não sei porquê. São muitas
mortes. Anda um serial killer à solta e vocês estão a perder tempo atrás de
mim! – explicou.
- Serial killer? Bem, então já
descartamos a hipótese destas mortes terem sido naturais, não é?
- Naturais? Poupe-me! E a
autópsia? Ela vai provar que eles foram assassinados de alguma forma!
- É engraçado falar em autópsia,
sabe? É que o corpo da senhora Emma desapareceu esta manhã. Exatamente da mesma
forma que desapareceu o corpo do senhor Harry.
- E exatamente da mesma forma que
vai desaparecer o corpo do senhor William!
- Isso é uma ameaça? – sentou-se
ele.
- Não! É um alerta! Já vos disse
que algo estranho se está a passar. Se não é sobrenatural, pelo menos parece
ser. Quando é que vão acreditar em mim? Quando?
- Nós não trabalhamos a acreditar
nas pessoas, minha querida. Nós procuramos evidências. – sentou-se a mulher.
- E onde estão as evidências de
que eu sou a culpada? – irritou-se.
- Mas ninguém disse que a senhora
é culpada! Mas, já que fala nisso, é a principal suspeita. Quer saber porquê? É
muito simples! A senhora foi a primeira pessoa encontrada com os mortos. Em
todos os casos! O primeiro morto foi um paparazzo. Ele podia não ter feito o
serviço da maneira que a senhora desejava. Ou podia até mesmo saber demais.
Depois faleceu a sua vizinha Emma, a única testemunha da morte do senhor Harry.
Por fim o seu chefe apareceu morto, logo depois da senhora ter sido despedida!
– acusou ela.
- Sim, eu sei que parece tudo
fazer sentido, mas não fui eu! Não sei, alguém pode querer incriminar-me! –
defendeu-se.
- Não será a tal maldição? –
riu-se o polícia.
- Ouça lá! Eu estou farta de não
ser levada a sério. Não sou nenhuma louca e ainda vou provar isso! – gritou.
- Bem, resumindo, a senhora Lara
foi até ao museu para falar com o patrão sobre o seu despedimento e encontrou-o
morto. Assustou-se e fugiu. É isto? – interrompeu a agente.
-
Sim, é exatamente isso.
- E não tem mais nada a dizer,
calculo.
- Não, não tenho.
- Muito bem. Ficamos por aqui
então. Só nos faltam provas. Só isso. Tenha um bom dia. – despediu-se a mulher.
- Esperem! É que eu preciso de
tratar do outro caso. Da denúncia que fiz. Bem… Da praga. Se não se importa
preferia que falássemos sozinhos. – pediu ela. – Vamos para o meu quarto.
O polícia acompanhou-a até onde
pudessem falar mais à vontade. Lara mostrou-lhe o novo recado que tinha
recebido. Ele parecia continuar a achá-la louca. Guardou o papel sem a menor
das vontades e despediu-se. Saíram do quarto e gelaram com o que viram. A polícia
estava morta no sofá.
CAPÍTULO 21 – O que é que eu fiz?
Estariam os dois loucos? Desta
vez o polícia estava com Lara quando tudo aconteceu. Desta vez ele testemunhou
que as mortes ocorrem do nada. Testemunhou que a arqueóloga não era a
assassina. Não tinham demorado nem um minuto e quando voltaram a colega estava
morta. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas que indicavam susto e
medo.
Chocado, o polícia começou a
entrar em pânico e agarrou a sua arma. Estava um assassino ali dentro. Apontou
a arma para todos os lados a procurá-lo.
- O que está a fazer? – perguntou
Lara.
- Cale-se! Há um assassino aqui!
– sussurrou ele.
- Isso. Continue a procurar.
Assim talvez já comece a ver algo de sobrenatural nisto.
Era um facto. Não havia mais
ninguém naquela casa. As janelas e as portas estavam fechadas. Como é que
aquilo foi possível? Não conseguiam encontrar nenhuma explicação. Quando a
solução parecia quase certa, quando o caso estava quase resolvido, quando Lara
estava praticamente sentenciada, tudo mudou.
Enquanto o agente fazia
telefonemas a tratar do destino do cadáver, Lara permanecia a olhar para ele,
ainda chocada. Por um lado, mais um cadáver. Mais uma morte. Menos uma pessoa.
Por outro, ela já não podia ser acusada daquele caso. Mas porque matariam a
mulher ali, naquele momento? Se o objetivo não era incriminar Lara, então qual
era?
Algumas horas passaram. Lara já
estava sozinha no apartamento. Nostálgica, recordava os desenhos de Diana, que
tinha guardado com muito carinho. Não, não eram nada bonitos. Mas ela gostava
deles. Suspirava e perguntava-se o porquê de tudo aquilo. Como é que em tão
poucos dias a sua vida se tinha tornado naquele caos?
Lembrou-se de ligar para o
psicólogo. Tinha desaparecido misteriosamente naquela manhã. Ela estava
preocupada. Atendeu uma mulher. Era a secretária.
- Boa tarde. O senhor Jefferson?
Posso falar com ele? – pediu.
- Boa tarde, Lara! Ele ainda não
apareceu desde manhã. Os pacientes estão fulos. Não sei o que lhe aconteceu.
Talvez deva fechar o consultório por hoje. – contou ela.
- Ainda não apareceu? Que
estranho.
- Pois é! E o pior de tudo é que
deixou aqui o telemóvel. Está incontactável.
- Obrigado pela informação! Até
logo. – despediu-se.
Ligou, depois para a Sam. Não
conseguia falar com ela há demasiado tempo. Como sempre, ninguém atendeu. Lara
preocupava-se cada vez mais com a amiga. Robson foi a tentativa seguinte.
Também não obteve resposta. Continuavam todos desaparecidos. Será que o Jonah
também?
- Sim? – atendeu Jonah.
- Jonah? Não esperava que
atendesses. Estás bem? – surpreendeu-se ela.
- Porque é que eu não atenderia?
- Por nada. Tens razão. Esquece.
Só estou preocupada contigo. Tenho medo que te aconteça alguma coisa por causa
da maldição.
- A maldição é tua, não minha.
- Sim, mas também está a afetar
as pessoas de que gosto.
Desligou o telefone com uma
sensação estranha. Aquela frase fazia todo o sentido. A maldição estava a
prejudicar todos os seus amigos. O Jonah, porém, continuava na mesma. Já não
havia uma amizade entre eles? Preocupou-se automaticamente com Diana. Ela já
estava mal. Não podia ficar pior por sua culpa.
Não resistiu. Não conseguiu
esperar para visitá-la no dia seguinte. Tinha de ir hoje mesmo. Esteve apenas
uma hora naquela manhã. Já tinha sido muito bom, mas não o suficiente. Ligou
para a mãe da menina. Nem sabia o nome da senhora. Ela ainda estava lá. Apanhou
outro táxi e seguiu o seu caminho. Preferia estar num hospital do que naquela
casa, onde já tinham acontecido tantas coisas.
Lá em cima, no quarto da criança,
sentavam-se as duas a conversar:
- Nem sei o seu nome. Como se
chama? – perguntou Lara.
- Chamo-me Sílvia. E o seu nome,
qual é?
- Lara. Lara Croft.
- Prazer, Lara. – sorriu a
senhora.
Ela recebeu um telefonema. Teve
de sair. Não deu nenhuma explicação mas pediu que Lara ficasse a fazer
companhia à filha enquanto ela estivesse
fora. Prometeu não demorar e saiu.
Lara, atrapalhada, ficou sozinha
com Diana. Estava com medo. Era uma grande responsabilidade estar ali a tomar
conta dela. E se acontecesse alguma coisa? E se ela cometesse algum erro? Não.
Ela não podia pensar nisso. Ela sabia que estava amaldiçoada e que se tivesse
medo, esse medo tornar-se-ia real. Mas, ao pensar nisso, o medo de que
acontecesse alguma coisa só aumentava. O melhor seria ficar bem quieta.
Passou meia hora quando ela não
conseguiu aguentar mais. Teve de se ausentar por breves momentos para ir à casa
de banho. Já era fim da tarde. Estava a escurecer. Quando regressou ao quarto,
ele estava escuro. A luz do candeeiro estava agora apagada.
Avançou devagar e começou a ouvir
passos, para além dos seus. Acendeu a luz do quarto e viu alguém, junto à cama,
completamente vestido de negro. Não se distinguia sexo, nem altura, nem rosto
nem nada. As roupas misturavam-se com a escuridão. Lara, assustada, seguiu o
seu primeiro instinto e correu na direção dessa pessoa, pronta a atacá-la.
Agarrou nuns fios de umas máquinas sem uso que ali estavam e enrolou-os à volta
do pescoço daquela pessoa. Começou a sufocá-la. Apertou com toda a sua força.
- Olha bem para o que estás a
fazer. – sussurraram.
Olhou para as suas mãos e ia
morrendo de susto quando viu que os fios que elas apertavam estavam à volta do
pescoço de Diana.
CAPÍTULO 22 - Enigma
Largou os fios imediatamente. O
monitor cardíaco soltou um apito ininterrupto. A menina estava morta. Lara
gritou descontroladamente e, em pânico, tentava pedir ajuda a alguém.
Rapidamente uns enfermeiros chamaram ajuda e trouxeram o desfibrilador.
Afastaram-se todos. O médico
preparou-se e tentou reanimar a menina. Ela deu um pulo. Não teve outra reação.
Tentaram mais umas quatro vezes. Parecia inútil. Diana continuava morta. Lara,
lavada em lágrimas, implorava que o doutor não desistisse. Ele tinha de
continuar a tentar. Tentou mais uma vez. Não resultou.
Só mais uma tentativa. Foi o que
Lara pediu. Só mais uma. Nesse momento a mãe da criança entrou. O médico
tentou. Chocada por ver a filha ser reanimada, gritou e correu para a cama. A
máquina começou a apitar com pausas de novo. Tudo começou a ficar estável. O
alívio que todos sentiram foi algo inexplicável.
Sílvia exigiu uma explicação. Não
era a única. Os médicos também queriam saber o que se tinha passado. Diana
tinha marcas no pescoço. E Lara estava sozinha com ela. Atrapalhada, explicou
que viu alguém no quarto. Não contou que ela tinha sido a responsável. Ela
esteve muito perto de matar a menina, mas não o podia admitir. Não teve essa
coragem. Ninguém tinha visto nada. Ela decidiu mentir.
- Viu alguém? As janelas e portas
estavam todas fechadas! – suspeitou uma enfermeira.
- Eu… Bem… Eu fui à casa de
banho. Quando voltei o quarto estava escuro. E vi alguém vestido de preto ao pé
da cama. Via-se muito mal. Estava realmente muito escuro. Quando acendi a luz
não vi ninguém e assustei-me com o apito da máquina. O resto já sabem. Gritei
por ajuda. – defendeu-se.
- Como é que entrou alguém aqui e
depois desapareceu? Como é que essa pessoa não foi vista? E porque deixou a
minha filha sozinha? – irritou-se a mãe.
- Não sei! Eu não sei! A minha
vida tem feito tudo menos lógica ultimamente. E eu tive de ir à casa de banho.
A senhora também não está sempre aqui. – continuou ela.
- Chega! Eu exijo que chamem a
polícia! – gritou.
- Está a querer dizer que eu
tentei matar a sua filha? – surpreendeu-se Lara.
- Talvez! Não sei. Eu mal te
conheço. Estou a falar com uma desconhecida! E fica a saber que estás proibida
de voltar a entrar neste quarto. Quero que fiques longe da Diana!
Chamaram a polícia. Chegou o
mesmo agente. O mesmo que investiga o caso das mortes. O mesmo que investiga o
caso da praga. O mesmo que, há poucas horas atrás, tinha estado com Lara e
presenciado a morte da colega.
Depois de ouvir todos os
presentes, falou com Lara à parte. Ele não estava bem. Estava nervoso.
Gaguejava e, enquanto falava, olhava à sua volta. Como se nunca estivesse à
vontade. Como se estivesse sempre com medo. Disse que, depois do que se tinha
passado, não podia deixar de acreditar na arqueóloga. Alguma coisa se estava a
passar. Ele parecia perturbado.
Lara, com ele, foi sincera. Pediu
que não contasse nada, mas disse a verdade. Disse que viu alguém e que o
atacou. Disse que ouviu uma voz a sussurrar. Disse que, quando deu por si,
estava a atacar a menina. Ambos acreditavam que algo de sobrenatural estava a
acontecer.
Ao chegar a casa tomou um duche
rápido e sentou-se na cama a pensar. Ela estava proibida de voltar a ver Diana.
Pior do que isso. Ela quase a tinha morto. Quem era aquela pessoa? Nesse
instante, quando se recordava daquela imagem de alguém junto da cama do
hospital, viu algo muito semelhante. Viu alguém, mais uma vez, completamente
vestido de negro, a espreitar por trás das cortinas. Era como uma sombra. Não
se distinguia rosto nenhum. Assustada, levantou-se.
- Quem está aí? – gritou.
Aquela figura não se mexia.
Estava simplesmente a espreitar, parada. Lara correu para o interruptor e
acendeu a luz. Virou-se para a janela e já não estava lá nada de estranho. As
precianas estavam, como sempre, fechadas. As cortinas, porém, mexiam-se, como
se houvesse algum vento ali. Mas não havia. Completamente arrepiada,
desviou-as. Não viu nada. Abriu a janela e mirou o lado de fora. Nada de
estranho.
Arranjou coragem e foi dormir.
Teve um sonho macabro. Bastante parecido com o que teve na noite anterior, mas
agora com umas pequenas diferenças. Sonhou, portanto, que estava a falar ao
telemóvel com Sam. Uma figura humana como a que tinha visto antes de adormecer
chegou e apertou o pescoço da amiga. Olhos arregalados, boca escancarada e
sobrancelhas de susto e medo. Sam morreu. Robson, também em chamada com Lara,
morreu da mesma forma, com as mãos daquela misteriosa sombra a travar-lhe o ar.
Jefferson, o psicólogo, corria para dentro de uma sala e, quando tirava água de
uma máquina, foi surpreendido pela morte, que o asfixiou. Jonah, desta vez, não
apareceu no sonho.
Acordou em pânico. O que se
estava a passar com a sua vida? Já era de manhã. Levantou-se e foi lavar a cara
com água fria. Olhou-se no espelho e viu alguma espécie de vulto passar-lhe à
frente. Era do cansaço. Só podia. Voltou ao quarto e, como mandava a tradição,
encontrou um bilhete:
“Dois dias passaram. Restam três.
Durante estes dois dias já devem ter acontecido várias coisas. Ainda estás
viva? Os meus parabéns. Já deves ter percebido que eu estou a falar muito a
sério. Como prometido, hoje vais saber onde encontrar a faca. O jogo está cada
vez mais divertido! A resposta está onde tudo começou.
Amanhã, quando já tiveres perdido
três dias, dou-te uma pista sobre quem te amaldiçoou e sobre quem deves atacar
com a faca. No fundo, quem está por trás de tudo isto. Boa sorte.”
CAPÍTULO 23 – A faca
Cada vez mais confusa. Cada
bilhete fazia menos sentido. Cada pista complicava mais as coisas. “A resposta
está onde tudo começou”. Mas tudo o quê? Lara sempre adorou enigmas, é um
facto. Não demorou muito a resolvê-lo. Parecia óbvia a resposta. Tudo começou
há dois dias, quando ela foi amaldiçoada. Tudo começou quando lhe cortaram o
pulso. Tudo começou na casa de Jonah.
Ela não lhe podia contar mais
nada. Já tinha tentado ser sincera com ele. Não tinha funcionado. Tinha de
encontrar uma desculpa para voltar àquela casa. Mas qual? Ela precisava de
tempo e calma para procurar a faca. Podia estar em qualquer parte da casa. Ela
nem fazia a mínima ideia do aspeto da arma. Como é que ela ia saber que faca
era a certa?
- Sim? – atendeu ele.
- Olá Jonah! Como estás?
Estranho. Ele ainda não tinha
desaparecido como os outros. E, na verdade, convinha-lhe bastante que isso
acontecesse.
- Estou bem e tu, pequeno
pássaro?
- Mais ou menos… Jonah, eu… Estou
a sentir-me demasiado sozinha. A Sam está a demorar mais do que o previsto em
Singapura. Sei que tivemos umas discussões, mas eu já esqueci isso. Achas que
posso voltar a morar contigo por mais uns dias? – convidou-se ela.
- Só foste embora desta casa porque
quiseste. A porta está sempre aberta para ti. – concordou ele.
- Eu sei. Fui parva, desculpa.
Então, posso instalar-me? – continuou.
- Quando quiseres!
- Vais trabalhar hoje? Quando te
dá jeito que eu faça a mudança?
- Sim, hoje vou trabalhar. Mas não
te preocupes, podes vir à mesma. Vou sair de casa daqui a pouco. Se passares
por cá dou-te a chave. – explicou.
- Então eu já passo aí. Até já. E
obrigada. – despediu-se.
Pronto. Estava feito. Com o maior
dos descaramentos ela pediu para voltar para a casa do grandalhão. Não tinha
outra escolha. Não tinha mais tempo. Preparava-se para sair quando o seu
telemóvel tocou. Era o polícia.
- Lara, não vai acreditar!
- O que se passou? – preocupou-se
ela.
- Adivinhe? O corpo do senhor
William desapareceu!
- O quê? Mas ainda não
aprenderam? Os corpos têm de estar a ser vigiados! Como é que se perde três
corpos seguidos?
- Não sei, não sei. Fico fulo com
isto. Nem imagina como isto atrapalha a minha investigação. Estas autópsias
eram fundamentais. – continuou.
- Façam o que fizeram não percam
de vista o corpo da sua colega! – pediu ela.
- Foi o que eu lhes disse.
Esperemos que o façam.
- Bem, agora tenho de sair.
Depois falamos. Até logo.
Ao desligar a chamada ouviu um
barulho vindo da cozinha. Pareciam sussurros de alguém. Intrigada, seguiu o som
e não encontrou nada. Não conseguiu perceber o que diziam antes que o silêncio
tomasse conta do espaço.
Finalmente saiu de casa e pôs-se
a caminho. Quando chegou, Jonah já estava de saída.
- Pensei que já não vinhas. –
disse ele.
- Desculpa, recebi um telefonema
que me atrasou.
Ele deu-lhe a chave de casa e
despediu-se. Ela fingiu que ia no caminho de volta para o seu apartamento mas,
assim que o amigo virou na esquina, ela voltou para trás a correr. Abriu a porta
e entrou. Jonah viu-a. Estava a espreitar no canto da rua. Simplesmente sorriu
e retomou o seu caminho, ignorando o que se tinha passado.
Bem, tudo tinha começado ali na
entrada da casa. Foi ali que ela acordou com o corte no pulso. Foi ali,
portanto, que começou a procurar. Revirou todos os móveis e não encontrou nada.
Lembrou-se, depois, de uma faca que tinha encontrado outrora. Aquela faca
tática que estava isoladamente guardada numa gaveta. Foi até lá. Já não estava
ali.
Não lhe escapou nenhuma divisão.
Vasculhou todos os cantos e nada. Seria demasiado fácil se estivesse num
simples armário ou gaveta. Estaria, provavelmente, num compartimento secreto.
Procurou por paredes falsas, tijolos e tábuas soltas, procurou atrás de
estantes, debaixo de toda a mobília e inspecionou cada faca encontrada. Nenhuma
parecia ser especial ou, no mínimo, diferente.
E se fosse uma faca banal? E se
fosse uma das dezenas que havia naquela cozinha? Na casa de um cozinheiro é o
que mais se encontra. Facas. Facas com todas as formas e feitios. Nenhuma,
porém, com ar de ter o poder para amaldiçoar pessoas. Todas normais.
Estava cansada da busca. Tinham
passado algumas horas. Foi até ao quarto de hóspedes e sentou-se na cama a
pensar. Ela não tinha mais onde procurar. Para que é que se ia mudar para ali?
Ela não queria. Ela já não precisava. Mas Jonah ia desconfiar se ela mudasse de
ideias assim tão repentinamente.
Voltou ao seu apartamento para
pegar no que precisava. Nem tudo podia ser mau. Em casa do grandalhão ela podia
controlá-lo melhor e perceber se ele continuava tão estranho como antes. Além
disso, a faca só podia estar naquela casa. E Lara não podia deixar um enigma
por resolver.
De volta ao quarto de hóspedes,
ela encheu as gavetas com a sua roupa. Foi enquanto fazia isso que se lembrou
de fazer, mais uma vez, o teste do bloco de notas. Aquele bloco com as folhas
iguais às dos bilhetes que ela recebia. Será que ele continuava a ser usado?
Foi buscá-lo e, com um lápis, pintou a primeira folha. A mensagem não ficou
clara, mas conseguiu ler algumas palavras: Faca; cozinha; comum; diferente;
sorte.
Ao início achou que era a
mensagem que tinha recebido ao acordar, mas rapidamente se apercebeu que não. O
papel que tinha recebido não tinha as palavras “comum” nem “diferente”. Arrancou
a folha pintada e guardou-a. Voltou ao quarto e viu uma folha em cima da cama.
Podia jurar que não estava ali antes.
CAPÍTULO 24 – Suicídio
“Sim, duas mensagens minhas num
só dia. Vamos a mais uma pista? A faca não tem o aspeto de uma faca normal. Uma
faca de cozinha comum. Mas também não é nada que já não tenhas visto.
Facilitei-te a vida. Não agradeças.”
Lembrou-se automaticamente
daquela tal faca da gaveta, que já não estava lá. Ela só tinha de procurar
melhor. Só isso. Mas onde?
Jonah chegou a casa e parecia bem
disposto. Disse que o trabalho tinha corrido bem. Ainda era hora de almoço e
ele já tinha acabado o serviço? Será que só trabalhava de manhã? Lara
desconfiava da palavra dele. Na verdade, Jonah era o que menos lhe preocupava
naquele momento. Ela precisava de encontrar aquela faca.
O grandalhão estava tão bem
humorado que se ofereceu para lhes preparar o almoço. Lara, mais cansada do que
ele, aceitou e foi descansar um pouco.
Espreitou a cozinha. Ele estava
ocupado. A faca só podia estar naquela mochila. Lara conseguiu passar por ele e
ir até ao seu quarto. Abriu a mala que ele trazia e lá dentro encontrou algo
que lhe causou múltiplos arrepios: um coração humano. Com ânsia de vómito
atirou a mochila para longe, assustada. Boquiaberta, não quis ver mais nada.
Fechou cuidadosamente a mala, com um rosto de nojo. Tremia tanto que não
conseguiu fechá-la por completo. Ficou um cheiro horrível ali.
Olhou para trás e viu Sam, com
uma cara de desespero e com a boca aberta, como se estivesse a gritar. Porém,
não se ouvia nenhum som. Não demorou muito para que o silêncio se quebrasse. O
bater de um coração começou a ouvir-se. Olhou para a mochila e viu-a mexer, ao
ritmo cardíaco. Apavorada, voltou a olhar para trás. Sam já não estava ali. O
som do coração parou. Os movimentos também. O cheiro parecia já não existir.
Ainda viu alguns vultos mas, pouco depois, tudo parecia normal.
Congelada de medo, esticou as
mãos e, com a ponta dos dedos abriu um pouco da mala. Espreitou. Estava vazia.
O que é que tinha acabado de se passar? Não era um ataque de pânico. Não tinha
nada a ver com o seu stress-pós-traumático. Era uma sensação diferente. Parecia
tudo demasiadamente real. Estaria a alucinar?
Tentou deixar tudo como estava e
saiu sorrateiramente dali, ainda com o sabor do vómito na boca. Toda a
repugnância foi interrompida pelo agradável cheiro que vinha da cozinha. Lara
não provava a comida de Jonah há bastante tempo, mas depois do que se tinha
passado, fome era a última coisa que ela tinha.
- Então, Lara? Pareces nervosa. –
disse ele, ao vê-la entrar.
- Eu… Eu só… Eu estou bem, não te
preocupes.
- De certeza? Não parece.
- Eu… Bem… Estou um pouco mal
disposta, mas isto já passa. – sossegou-o.
- Depois de comeres deves ficar
mais bem disposta. Agora descansa, que está quase pronto.
- E o que é a comida? – inquiriu.
- Bifes de coração de porco.
Gostas?
Lara vomitou instantaneamente,
segurando-se na parede para não cair. Meio tonta, pediu desculpa.
- Lara? O que se passa? Queres
que te leve ao hospital? – preocupou-se ele.
- Não, não. Eu só… Eu estou mal
disposta. Ficas chateado se eu não comer?
- Claro que não fico chateado.
Mas tens de comer alguma coisa. Se não te apetecer os bifes eu posso preparar
outra coisa.
- Não! Não te incomodes,
obrigada. Só preciso de descansar um pouco.
Preparava-se para limpar o vómito
mas Jonah não permitiu. Ele insistiu para que ela fosse descansar. E assim foi.
Lara, ainda bastante nervosa, deitou-se na cama com uma forte dor na cabeça. Só
queria que aquele pesadelo acabasse.
Talvez por dormir tão mal
ultimamente, a arqueóloga repousou toda a tarde. Desta vez teve um sono sereno,
sem pesadelos. O terror só começou quando ela acordou. Não se conseguia mexer.
Como se estivesse presa à cama. Só os olhos se moviam. Ela estava acordada.
Consciente. Mas o seu corpo parecia ainda estar a dormir. Assustada, começou a
ouvir passos. Sentia ali uma presença. Parecia haver algum peso em cima do seu
peito, que lhe dificultava a respiração. A garganta também estava apertada.
Sentiu o colchão descer. Como se alguém se estivesse a sentar ali. Estava
demasiado escuro para ver quem ou o quê. Lara, para além de não se mexer,
também não conseguia falar e muito menos gritar por ajuda. Alguns minutos
depois tudo voltou ao normal. Acendeu a luz. O quarto parecia vazio.
Levantou-se e foi até à sala.
Jonah assistia televisão e ao seu lado estava um prato vazio, onde este tinha,
muito provavelmente, comido os bifes de coração. Lara, ainda meio mal disposta,
foi até à casa de banho e lavou a cara, para acordar melhor.
Estava completamente desmotivada
para procurar a faca. Já não se importava com aquilo. Ela não tinha nada de bom
na vida. Começou a pensar em tudo e a ficar cada vez mais angustiada. Os seus
amigos estavam desaparecidos. Talvez mortos. Andava um serial killer à solta.
Ela era suspeita desse crime. O psicólogo, a única pessoa que lhe podia
defender, também desapareceu. Os ataques de pânico estavam de volta e Jefferson
não lhe podia ajudar. Estava desempregada, sem dinheiro. Estava proibida de
visitar Diana. Todos à sua volta corriam perigo, por causa da praga. Tinha três
dias de vida. Dois, na verdade. Aquele já estava a acabar.
Basta! Ela não suportava mais
aquilo. Olhou-se no espelho com raiva de existir. Saiu dali a alta velocidade.
Disse a Jonah que ia dar uma volta. Ela precisava de estar sozinha. Ela
precisava de pensar, de apanhar ar.
Estava a anoitecer. Saiu do
bairro e foi até uma praia. Sentou-se no cimo de uma falésia a admirar o mar.
Livre e agitado. Estava algum vento. A escuridão começou a tomar conta do céu.
Olhou para baixo. O mar batia nas rochas da costa. Para quê sofrer? Para quê
prolongar a sua vida por mais dois dias? Afinal, o fim seria sempre a morte.
Levantou-se e ficou o mais perto da beira possível. A ponta das botas já não
estava em terra firme. Sentia o vento na cara. Fechou os olhos e deu um passo
em frente.
CAPÍTULO 25 – Dois dias
Caiu. Mas não caiu mais por
pouco. Alguém lhe segurou o braço e puxou para cima. Era Jonah.
- Lara, o que é que ias fazer?
- Jonah, deixa-me. Não quero
causar mais problemas a ninguém. – pediu ela.
- Não te podes matar! Estás
louca?
- Sim. Sim, estou louca! Tenho
dois dias de vida. Para quê esperar? Isto é mais rápido e eficaz. E assim evito
que mais alguém morra ou desapareça por minha culpa.
- Lara, nós vamos conseguir
quebrar essa maldição e vai voltar tudo ao normal. – acalmou-a.
- Não, não vamos. E mesmo que
isso seja verdade… E até lá, quantas pessoas vão pagar por isso? Diz-me.
Consegues dizer?
- Tu não tens culpa de nada! –
gritou ele.
- Eu não quero viver mais.
Respeita isso.
- A Diana está a lutar pela sua
vida no hospital. E tu vais matar-te assim? Como és capaz?
- Como é que tu sabes da Diana? –
virou-se ela.
- Eu? Eu sei porque sei. Já
tinhas comentado comigo. – atrapalhou-se ele.
- Não, nunca comentei sobre ela
com ninguém. E porque é que estás aqui? Como é que me encontraste? Seguiste-me?
Andas a seguir-me? – irritou-se.
- Vem. Sai de perto dessa escarpa
e vamos falar com mais calma. – pediu ele.
- Não vou a lado nenhum. Daqui eu
não saio. – gritou.
- Lara, eu…
- Deixa-me. Sai. Por favor…
- Não posso deixar que faças
isso.
- Mas porquê? A minha vida está
uma merda, consegues entender isso? Já não faz sentido. Eu estou a ficar louca,
Jonah. Já não aguento mais. Já não tenho vontade para fazer nada. – chorava.
- Se há alguém que não está a
entender bem as coisas aqui és tu. Pensa um pouco. Tu só estás a ficar louca e
sem vontade para nada por causa da maldição. Disseste-me que a maldição realiza
os teus medos, não é? Tu estás com medo que uma depressão volte. E ela está a
voltar.
- Só me estás a dar mais razão.
Não há nada a meu favor. Sai daqui. Não tens de assistir a isto. Deixa-me em
paz!
- Tu não percebes… Isto não é a
realidade. A realidade é outra. Quando isto passar, a realidade volta. E tu
vais estar bem, saudável e com os teus amigos. Vai estar tudo…
- Não, Jonah. Isto não vai
passar. – interrompeu ela – O fim é a morte. Seja hoje, amanhã ou depois. As
ameaças foram bem claras.
- Lara, se há uma forma de quebrar
a maldição, como me disseste, isso significa que há uma forma do fim não ser a
morte.
- Falas como se soubesses de
alguma coisa…
Ela voltou virar-se para o mar. Jonah, impaciente,
agarrou-lhe e puxou-a para longe da queda. Lara foi praticamente arrastada até
casa, desfeita em lágrimas e com um choro doloroso. Não quis falar com ele.
Fechou-se no quarto e lá ficou, a pensar.
Jonah tinha razão. Haviam
demasiadas pessoas a lutar pela vida. Ela não podia desperdiçar a sua assim.
Ela tinha de lutar contra a depressão. Tinha de lutar contra os seus medos.
Tinha de conseguir acabar com a praga. Se ela morresse, não seria por
desistência.
A maneira como ele tinha falado
com ela ainda era diferente. Não era o Jonah que ela sempre conheceu. Mas
também não era o Jonah estranho de ultimamente. Ele parecia mais amigo dela.
Parecia, pelo menos, estar a tentar. Porque nos seus olhos, Lara viu que ele
estava bastante impaciente com a situação.
A noite passou. O dia nasceu
chuvoso. Lara tinha dormido bastante mal, como de costume. Acordou com um
relâmpago e não conseguiu dormir mais. A tempestade que começou a meio da noite
ainda durava. A primeira coisa que fez foi procurar um novo bilhete no quarto.
Novas pistas, qualquer coisa que ajudasse. Apesar da desmotivação, desistir era
impensável. Encontrou um papel, como de costume, ao lado da cama.
“Ainda não encontraste a faca.
Mais da metade do teu tempo já passou. E a tua vida está cada vez mais
miserável.
Costumo cumprir a minha palavra.
Mesmo que não tenhas encontrado a faca, hoje dou-te uma pista sobre quem deves
atacar. Quem é que te amaldiçoou? Quem será? Adianto-te que é uma pessoa que
conheces bem, mas que ao mesmo tempo nunca viste na vida. Confusa? Ainda bem.
Afinal de contas, enigmas de fácil resolução são aborrecidos.
Hoje é o penúltimo dia, minha
querida. Se eu estivesse no teu lugar começava a pensar na minha vidinha. Estás
à espera do quê? É a tua vez de jogar! Amanhã, quando já tiveres perdido quatro
dias, dou-te a pista final.
Tem um bom dia”
CAPÍTULO 26 – Bomba
- Uma pessoa que conheço mas
nunca vi? Mas eu… Já estive com todas as pessoas que conheço. E mesmo que não
tivesse estado, já a teria visto por fotos. – pensava ela.
- Bom dia, Jonah. – saudou ela ao
sair do quarto.
- Bom dia, Lara! Como estás hoje?
– preocupou-se ele.
- Estou bem melhor, obrigada! –
sorriu.
- Olha, passou aqui um homem a
querer falar contigo. – continuou.
- Um homem? Quem?
- Não sei. Não disse o nome. Mas
acho que era um maluco qualquer. Não dizia coisa com coisa.
- O que ele disse? Quando é que
veio? – perguntou.
- Ele veio há algum tempo. Quis
falar contigo mas não deixei, porque estavas a dormir. Não te quis acordar. E
ele fez questão de te deixar um recado. Disse que tinham posto uma bomba no
hospital de St's Thomas Westmister. Que
ia rebentar dentro de uma hora e que tu tinhas de ir lá desativá-la. – contou
ele.
- O quê? Esse é o hospital onde o
corpo da policia vai fazer a autópsia. É o hospital onde está a Diana! Mas quem
era esse homem? Como ele era?
- Era bem estranho. Tinha uns
olhos verdes esbugalhados, era magro. Esquelético, na verdade. Vinha todo
vestido de negro e o pouco cabelo que tinha estava em pé. Enquanto falava
sorria de uma maneira esquisita. Tinha os dentes um pouco tortos e bastante
amarelos. Parecia um louco. – descreveu.
- Meu deus! Mas uma bomba? Tenho
de ligar para o hospital a avisar!
- Não te preocupes. Ele estava a
inventar. Via-se que era maluco.
- De qualquer forma é melhor
avisá-los. Mais vale prevenir. – disse, agarrando no telefone.
- Bom dia. Hospital de St's
Thomas Westmister, em que posso ajudar? – atendeu um senhor.
- Bom dia. Vieram avisar-me que
há uma bomba nesse hospital. Têm de procura-la e desativá-la! – explicou.
- Minha senhora, por favor não
brinque com este número de telefone.
- Não! Não desligue! Não estou a
brincar. Ouça-me.
Tarde demais. O senhor tinha
encerrado a chamada. Lara era incapaz de ficar em casa e acreditar que nada ia
acontecer. Agarrou mais uma vez no telefone.
- Vais ligar de novo? É inútil… -
disse Jonah.
- Sim? – atenderam.
- Bom dia! Veio um homem a minha
casa avisar-me que há uma bomba no hospital de St's Thomas Westmister. O
hospital onde está o corpo da sua colega. Temos de ir lá! Liguei para o
hospital mas acharam que era uma brincadeira.
- Uma bomba? Mas como? Porquê? –
confundiu-se.
- Sim, uma bomba! E só temos uma
hora. Aliás, menos que isso. Temos de ir já para lá! Não podemos perder tempo!
Pode ser o serial killer. Pode querer fazer desaparecer o corpo! Desta vez,
como o cadáver está mais vigiado, ele pode querer fazê-lo desaparecer de outra
forma! – continuou.
- Como é que eu não pensei nisso?
Faz sentido, Lara! Vou já! Quer que passe na sua casa para lhe dar boleia? –
inquiriu.
- Não perca tempo! Vá o mais
rápido que conseguir para lá! Eu vou já apanhar um táxi.
Despediram-se e Jonah, confuso,
perguntou:
- Estavas a falar com quem?
- Com o polícia. – respondeu ela,
correndo para o quarto. – Vou vestir-me. Chama-me um táxi, por favor!
- Lara, o táxi já está à porta! –
gritou Jonah, alguns minutos depois.
Lara saiu do quarto e despediu-se
do amigo. Entrou no carro e deu as indicações necessárias. Com o coração
acelerado, puseram-se a caminho. Já tinham passado uns 30 minutos desde que o
tal homem tinha aparecido na casa do grandalhão. Ela só queria que aquilo fosse
mentira. Por várias vezes pediu que o taxista fosse mais rápido. Aproximavam-se
do hospital e puderam ver o carro da polícia estacionado junto à entrada. Lara
pediu que o táxi a deixasse exatamente na porta do edifício. Estavam a poucos
metros.
Três, dois, um. Uma explosão projetou
o táxi por vários metros. O carro bateu no chão e ainda foi arrastado por uma
grande distância. Rebolou até chocar com um outro carro. Era outro táxi. O veículo
da polícia veio logo depois, vindo do ar. Foi contra o segundo táxi e este foi lançado
para mais longe.
A tempestade estava agora
acompanhada por fogo, que caía do céu, fruto da explosão. Ouviam-se gritos e
estrondos. Pessoas corriam a arder. Umas morriam queimadas, outras esmagadas e
outras cortadas, por voarem contra vidros. O táxi onde Lara estava
encontrava-se virado. Olhou para o seu lado. O condutor estava morto,
totalmente desfigurado pelos vidros. Ela, com uma enorme ferida na cabeça e
vários arranhões profundos, tentou sair do carro, que começou a pegar fogo.
Conseguiu sair pela janela lateral. A sua roupa estava em chamas. Desesperada,
atirou-se ao chão e rebolou o mais que conseguiu, até que deixou de sentir as
suas costas queimadas.
Olhou à sua volta. Um verdadeiro
pesadelo. O polícia vinha a correr ao longe. Que bom, estava vivo. Não estava
dentro do carro. Ela começou a afastar-se do táxi, correndo o mais que pôde.
Este explodiu e fê-la voar contra o segundo táxi. O taxista estava com uma
mulher. Estavam desesperadíssimos a tentar tirar alguém do veículo. Quando se
ofereceu para ajudar a senhora virou-se. Era a mãe adotiva de Diana. O homem
conseguiu puxar um corpo para fora do carro. Era ela. Era Diana. A menina
estava acordada.
CAPÍTULO 27 – Dia perdido.
Depois de tanto tempo, Lara
finalmente reviu aqueles olhos azuis. Diana estava ferida, mas nada de grave.
Sorriu para a arqueóloga, mas não disse uma palavra. O momento foi rapidamente
interrompido por Sílvia, que afastou as duas.
- Sai daqui! Não te quero perto
da minha filha. – gritou a mãe.
- Deixe-me ajudar! Por favor.
- Não! Afasta-te. – insistiu.
A menina estava caída no chão.
Não podia voltar a andar. O taxista abriu a bagageira e tirou de lá uma cadeira
de rodas. O agente da polícia, entretanto, chegou. Foi nesse momento que Diana
começou a respirar de uma forma diferente. Parecia estar com dificuldades. De
repente começou a espernear e levou as mãos ao pescoço. Olhava, assustada, para
Lara, como um pedido de ajuda. Esta agachou-se preocupada. Olhos arregalados,
boca escancarada e sobrancelhas que indicavam susto e medo. Ela estava morta.
- Não. Não! – gritava a mãe.
- Oh merda! – surpreendeu-se o
taxista.
Exatamente como nos seus
pesadelos. Tanto o polícia como Lara permaneceram sem reação por um bocado. Uma
lagrima escorreu-lhe pelo rosto. O agente olhava confuso para a arqueóloga.
Tinha um olhar ameaçador. Ficou a olhar-lhe assim por um tempo.
Sirenes ouviram-se. Estavam a
chegar polícias e bombeiros. Era um hospital grande. Não estava totalmente
destruído. Apenas uma parte. A parte direita. A parte onde, para além de outras
coisas, se faziam as autópsias. Era ali que estava o corpo da polícia, agora
irreconhecível.
Mas e Diana? Como ela estava
acordada? Como é que ela estava fora do hospital? A mãe não lhe quis dar
nenhuma explicação. Continuava a querer manter distância dela. Que confusão. O
que se tinha passado ali? Olhou para a estrada e viu Jonah, a ir embora. A
desaparecer no nevoeiro. O que ele estava ali a fazer?
Horas e horas de combate ao fogo.
As pessoas feridas foram levadas para a parte funcional do hospital.
Avisaram-se as famílias e não demorou muito até o local se encher de
jornalistas e emissoras. Lara estava mais longe, ao fundo, sentada num jardim.
De frente para o incêndio. Ainda estava em choque. Pacientes e funcionários
mortos. Centenas de feridos.
Diana tinha sido levada para um
outro hospital na cidade. Ela não tinha morrido do incêndio e muito menos das
feridas, que eram mínimas. Tinha de se fazer uma autópsia. Lara sabia que o
cadáver da menina não estava seguro. Iam fazer de tudo para que este
desaparecesse, como das outras vezes. Ela tinha de fazer alguma coisa. Mas o
quê? A mãe não lhe deixava aproximar-se, mesmo depois de morta. O polícia foi
chamado para investigar o caso. Lara estava sozinha. E não estava ali a fazer
nada.
Foi, de táxi, para casa. Contou
tudo ao Jonah e o grandalhão mostrou-se igualmente chocado. Disse que tinha
visto as notícias na televisão. Deu a entender que não tinha saído de casa. Mas
Lara tinha-lo visto lá. Ignorou esse facto. Estava mais preocupada com a
menina. Nem se estava a lembrar da maldição. Apesar de não ter fome, foi
almoçar. Comeu os restos dos bifes da
noite anterior. Não tinha outra escolha.
Dali a umas horas Diana estaria a
fazer a autópsia. Até lá o seu corpo estaria em espera num quarto, como
aconteceu com todos os outros. Ela não podia deixar que o cadáver
desaparecesse. Aquela autópsia podia ser a resposta para muita coisa.
Não adiantava ligar para o
hospital e pedir que ela fosse vigiada o tempo todo. Lara tinha de ir lá. E
tinha de ser ela a garantir que nada acontecia com o corpo. Chegou e pediu para
fazer companhia à menina, enquanto ela esperava pela autópsia. Quando lhe
perguntaram se ela era da família a arqueóloga explicou que Diana não tinha
família e que ela era uma amiga. Deixaram-na entrar.
Estava deitada numa cama. Tão
bonita como sempre. Estava com a pele praticamente branca. Lara não teve
coragem para se aproximar muito. Sentou-se num canto e ficou a olhar-lhe. A
tarde passou. Não aconteceu nada. Tinha chegado a hora. Sim, finalmente uma das
vítimas estava a realizar uma autópsia! Lara esperava lá fora, ansiosa.
O médico saiu e informou-lhe que
já tinha acabado e que não sabia quanto tempo podia demorar para sair o
resultado. Sílvia chegou e irritou-se instantaneamente por ver Lara.
- O que é que ela está aqui a
fazer? – gritou, zangada.
- Tenha calma! A senhora Lara
esteve a fazer companhia à sua filha enquanto não chegava a hora da autópsia. –
explicou o médico.
- Mas eu não lhe dei autorização
para ela se aproximar da Diana! Quero que ela se vá embora. – continuou a
mulher.
- Eu acho que devemos falar. –
disse Lara.
- Não temos nada para falar.
Lara saiu dali por vontade
própria. Já lá fora encontrou o polícia, que lhe olhava com ódio. Parecia
perturbado e nervoso. Estava apenas parado a observá-la.
- Foste tu. – sussurrou ele,
trincando os dentes.
CAPÍTULO 28 – Rapto
- O quê? Fui eu o quê? –
confundiu-se.
- Tu mataste a Diana.
- Eu o quê? Está louco?
- Sim, tu! Mataste-a! A ela e aos
outros todos também. – irritava-se ele, enquanto se aproximava.
- Tem provas disso?
- Não. Mas vou consegui-las. –
informou, dando-lhe uma pancada com a cassetete na cabeça.
Lara caiu, inconsciente. Ele
segurou-a e olhou ao redor. Ninguém estava a ver. Arrastou-a uns metros e
enfiou-a no banco de trás do seu automóvel.
Acordou com uma dor forte na
testa. Não se conseguia levantar. Tinha também uma dor nas pernas. Não sabia
onde estava. Não conhecia aquele sítio. Parecia uma casa abandonada. Haviam
paredes descascadas, vidros partidos, lixo e plantas a entrar pelas janelas
quebradas. O polícia apareceu. Saiu de uma divisão.
- O que é que se passa? Está
louco? – chorava ela.
- Não! Tu é que estás louca! Tu!
Não me enganas! Nunca me enganaste! Sempre soube que eras tu. – gritava.
- Que era eu o quê?
- A assassina! És tu! – insistia.
- Porque é que de repente ficou a
achar isso? Pensei que acreditava em mim depois de ver que a sua colega morreu
do nada. Além disso a Diana morreu na sua frente e ninguém lhe tocou. –
defendeu-se.
- A Diana… Uma menina tão
novinha… Como tiveste coragem de lhe fazer aquilo? Depois de tanto tempo em
coma ela estava bem. E tu mataste-a! – chorava.
- Eu não a matei! – gritou Lara –
Nem a ela nem aos outros! E como ela acordou do coma?
- A mãe dela estava tão feliz.
Ela contou-me tudo. Tentaste matá-la no hospital mas não conseguiste. Mas hoje
conseguiste, não foi? – continuou.
- Ela… Ela contou o quê?
- A Diana acordou nesse mesmo
dia. Depois de teres saído de lá. Depois de quase a teres morto. Ficou lá por
mais um dia mas hoje os médicos deram-lhe alta. Ela ia finalmente para casa.
- Mas eu não tenho culpa do que
aconteceu! – gritou.
- Ela estava no carro. No táxi.
Ia para a sua nova casa, com a sua nova família. Iam ser muito felizes. E tu
estragaste tudo. Porquê? Diz-me porque mataste todas aquelas pessoas.
- Eu não as matei! Eu não…
- Confessa! – interrompeu ele,
sacando a pistola do coldre.
- Baixe essa arma. – pediu ela. –
Não faça nada que…
- Confessa! Confessa que os
mataste! Só preciso de uma confissão tua! Confessa! – gritava
descontroladamente.
- Diga-me. Como é que eu os posso
ter morto? Eu não toquei em nenhum deles. E o senhor viu isso! – continuou ela.
- Isso é o que a autópsia nos vai
dizer. Podes tê-los envenenado. Ou podes tê-los morto de outra forma… De uma
forma mais… sinistra…
- Do que é que está a falar? –
enervou-se.
- Não sei. Mas não me admirava
nada que fosses uma bruxa!
- Está louco! Deixe-me ir embora.
Não pode manter-me aqui presa. – exigia, enquanto se tentava levantar.
- Claro que posso. E é o que vou
fazer. Vais ficar aqui até confessares. Eu vi! Vi-te a olhar para a menina
enquanto ela ficava sem ar. Como se estivesses a controlar a sua respiração.
Sua louca!
- Eu não tenho tempo para isto!
Eu só tenho mais um dia e meio de vida. O tempo está a esgotar-se. Eu tenho de
parar a maldição. – explicou.
- E eu é que sou o louco? Quem é
que queres enganar? Inventaste essa história toda… Admite! Pelo menos podias
ter inventado uma coisa melhor. Uma maldição? – ria-se ele.
Nesse instante Lara passou-lhe
uma rasteira. O homem tombou e ela conseguiu roubar-lhe a arma, mas ainda sem
se levantar. Estava com a pistola apontada ao agente.
- Não tente levantar-se ou eu
disparo! – ameaçou ela, ao vê-lo mexer.
- Está a apontar uma arma a um
agente da autoridade? Sabe a gravidade do que está a fazer? – sorriu ele.
- Está a sequestrar uma mulher?
Bateu nela? Sabe a gravidade do que está a fazer?
O polícia chutou a arma para
longe. Atirou, de seguida, um espelho partido para cima da arqueóloga. Uma poça
de sangue começou a surgir. Tinha um grande fragmento espetado no abdómen. Os
restantes pedaços estavam espalhados. Ela não conseguia alcançar nenhum e o
homem estava a correr para a pistola.
Gritando de dor ela arrancou o
espelho da barriga e atirou-o com raiva sem ver para onde. Deixou de ouvir
barulho. Virou-se e viu o homem com um pedaço de espelho enfiado no pescoço.
CAPÍTULO 29 – Funeral
Caiu de joelhos e depois para a
frente. Lara matou-o. Ela matou-o. Já não matava uma pessoa há bastante tempo.
Tentava estagnar o seu sangue com os dedos. O corte era profundo. Alguns
minutos depois conseguiu levantar-se, com bastante esforço. Sem saber o que
fazer com o cadáver, deixou-o ali mesmo e saiu.
Era realmente uma casa
abandonada. Parecia estar no meio do mato. Andou e andou até que chegou a uma
estrada. Viu um carro ao longe, que se aproximava. Colocou-se na frente dele e
acenou, pedindo ajuda. À medida que o carro se aproximava Lara foi vendo quem
estava no seu interior. Era Sílvia, a mãe de Diana. Ela sorriu e acelerou.
Estava em alta velocidade em direção a Lara. Quando esta percebeu o que se
estava a passar começou a coxear para fora da estrada. O automóvel passou e não
lhe atropelou por pouco. Mas conseguiu pô-la no chão com o impacto do espelho
direito.
- Merda! O que é que eu faço
agora? – gemia.
Ela não sabia onde estava. Estava
completamente perdida. Começou a avançar na estrada até que não aguentou mais.
Tropeçou e caiu. Ali ficou, sem se conseguir mexer, até que desmaiou.
- Lara. – chamaram.
Ela abriu os olhos. Olhou em
frente e viu alguém sair de trás de uma árvore. Era Jonah.
- Jonah, o que estás a fazer
aqui? – sussurrou ela, sem forças.
- Vim à tua procura. O que
aconteceu?
- Eu…
- Não. Não fales. Depois
contas-me. Agora vamos para casa. – disse, ajudando-a a levantar-se.
- Onde estamos?
- Não te preocupes. Estamos perto
de casa.
- Eu tenho que… Encontrar a…
Faca…
Nesse instante ela voltou a
perder os sentidos. Jonah levou-a ao colo o restante caminho. Amanheceu. Estava
um dia seco, mas cinzento. Lara acordou. Oh não. Ela tinha adormecido. Era o
último dia e ela nem tinha encontrado a faca. Levantou-se e leu o papel que
estava na mesinha ao lado da cama. O último papel.
“Parece que foi ontem que acordaste
com aquele corte no pulso. Mas é verdade. Cinco dias passaram. Hoje é o último
dia. Quando o sol se puser, tudo acaba. A minha dica de hoje é que sigas os
planos que já tinhas há algum tempo. Este dia promete. Ficaremos a saber quem
ganha o jogo! Já nos vemos. Até logo”.
Lara machucou o papel e atirou-o.
Possuída pela raiva, começou a deitar tudo ao chão, enquanto gritava. Jonah
apareceu assustado. Ela não tinha vontade de lutar pela vida. Era inútil. Ela
já não podia fazer nada. Aquele era o seu último dia de vida.
- O que se passa?
- Nada, Jonah…
- Então, vais contar-me o que se
passou?
- Eu saí do hospital e o polícia
raptou-me. Acordei numa casa abandonada. Depois de uma discussão eu matei-o.
Ele ia matar-me, Jonah. Mas eu antecipei-me.
- Calma, tem calma! Se foi em
legítima defesa não tens com que te preocupar. Mas ele fez-te isso porquê?
- Ele estava louco. Convencido de
que eu era uma serial killer e que tinha morto todas aquelas pessoas.
- Lara, sabes que dia é hoje, não
sabes? – mudou de assunto.
- Sim. Eu sei.
- O que vamos fazer?
- Não vamos fazer nada. Não vamos
falar sobre isto. Simplesmente deixa-me. – respondeu ela, virando-lhe as costas
e saindo do quarto.
- Não podes desistir, já te
disse. – continuou ele, indo atrás dela.
- Vou tomar um banho e depois vou
ao funeral da Diana. – informou.
Era o seu último banho. E isso
não lhe saía da cabeça. Vestiu-se e preparou-se para sair.
- Não vais comer nada? – inquiriu
ele, ao vê-la apressada.
- Não. Já estou atrasada.
- Mas tu estás fraca, Lara. Come
qualquer coisa pelo caminho. – pediu.
- Até logo. – despediu-se,
saindo.
Entrou no cemitério e começou a
subi-lo, à procura de alguma pequena multidão. Viu Sílvia, em frente a um
caixão e um padre. Não havia mais ninguém. Lara não se aproximou muito, para
não ser vista. Poucos minutos depois a menina foi enterrada. A mãe virou-se e
viu Lara. Veio automaticamente ter com ela.
- O que é que fazes aqui? –
gritava.
- A senhora não é a dona da
Diana.
Sílvia agarrou-lhe no pescoço e
começou a apertá-lo, com toda a sua força. Lara deu-lhe uma joelhada e
empurrou-a. Esta caiu no chão. A arqueóloga agarrou numa pá que estava junto a
uma cova e ergueu-a, preparando-se para atacar a mulher.
CAPÍTULO 30 – Onde tudo começou
Ela tentava proteger o rosto com
as mãos. Lara respirou fundo e largou o instrumento. Virou-lhe as costas e
saiu.
- Saíram os resultados da
autópsia. – gritou a mãe.
Lara parou automaticamente. Olhou
para trás e voltou.
- Mas já saíram? E o que é que…
- Ela morreu de estrangulamento.
– interrompeu – Mas não tinha quaisquer marcas no pescoço.
- Mas…
- Nós estávamos lá. Nós vimos.
Ninguém lhe tocou. Como? Como é que fizeste aquilo? – continuou.
- Já lhe disse que não fui eu!
Ela…
- Diz-me! Diz-me o que fizeste
com a Diana! Alguma feitiçaria? – gritava a mulher.
- A senhora está louca! Com
licença. Tenha um bom dia. – despediu-se.
Chegou a casa. Jonah estranhou
ela ter voltado tão rápido:
- Tão cedo?
- Sim. A mãe dela até me atacou.
Aquela mulher está a ficar louca. Como o polícia, também acha que eu matei a
Diana. Acham que eu faço uma bruxaria qualquer para estrangular as vítimas sem
as tocar. Loucos. Estão todos loucos. E eu também estou a ficar. – desabafou
ela.
- Que parvoíce, Lara.
- Não é uma parvoíce assim tão
grande, Jonah. As vítimas morreram todas do nada. E ninguém lhes tocou. Algo de
muito estranho se está a passar aqui. Mas se queres que seja sincera, já nem me
importo. – explicou.
- Não podes desanimar…
- Como não? Como? Hoje é o último
dia, Jonah. Mais umas horas e eu morro. – chorou.
- Não podes pensar assim. Talvez
esta praga nem seja real. Pode ser tudo da tua cabeça…
- É real, Jonah. Eu sei. Isto é
real.
- Bem, eu vou ter de ir
trabalhar. Volto mais tarde e espero ver-te mais animada! – disse, agarrando na
sua mochila.
O grandalhão saiu e Lara ficou
sentada no sofá, a contar os minutos para a sua morte. Mas calma. Lembrou-se de
algo. “A minha dica de hoje é que sigas os planos que já tinhas há algum
tempo.” É isso! Desde o princípio que Lara queria segui-lo para descobrir para
onde ele realmente ia. Depois da morte de Harry ela não tinha voltado a tentar.
Correu para a porta da rua e
espreitou. Jonah virava à esquina. Lara começou a ir atrás dele, bem
sorrateiramente. Aquele não era o caminho para o restaurante onde ele trabalhava.
Estavam a afastar-se do bairro. Estavam numa estrada com muitas árvores à
volta. Mais à frente havia uma grande casa, bem isolada. Jonah tirou uma chave
do bolso, abriu a porta e entrou. Lara aproveitou para se aproximar mais.
Era uma casa bonita, mas velha.
Não se ouvia nenhum som vindo de lá de dentro. Ela chegou a uma janela e
empurrou a preciana para cima. Já conseguia ver o interior. Estava um homem
preso ali. Algemado. A algema parecia estar cimentada na parede. Olhos verdes
esbugalhados, esquelético, completamente vestido de negro e com pouco cabelo.
Era exatamente como Jonah tinha descrito o louco que o avisou da bomba no
hospital. Mas o que se estava a passar ali?
Nesse instante Jonah apareceu na
sala e Lara teve de se agachar para não ser vista. Ele sorria macabramente para
o sujeito deitado no chão com o braço esticado preso a parede.
- Voltei. – disse, enquanto
tirava a mala das costas. – Tens fome? Trouxe mais comida.
Ele abriu a mala e atirou-lhe
duas marmitas, que pareciam ter restos de comida. Caíram em cima das
necessidades do sujeito. Aquele lugar estava imundo. Cheirava mal. O homem
levantava-se quase sem forças e, sem querer saber o que era aquilo, devorava
tudo, esfomeado.
Jonah foi para outra divisão. Lara
aproveitou para se levantar e espreitar melhor. Haviam partes de cadáveres
irreconhecíveis espalhados por ali.
- Lara! – sussurrou o indivíduo
ao vê-la.
Ela fez-lhe um sinal de silêncio
e voltou a esconder-se. Ele conhecia-a? O cozinheiro voltou a entrar. Trazia um
alguidar com água e pousou-o no chão. Como se estivesse a tratar de um cão.
Qual era o seu propósito?
- Adivinha que dia é hoje? –
sorriu o grandalhão.
- Já sei. Não falas de outra
coisa. – gemia o homem.
- Finalmente. O dia chegou. Mais
umas horas e podemos dizer adeus à Lara. – divertia-se.
- Não devias lançar os foguetes
antes da festa. Ela ainda pode encontrar a faca, cortar-te o pulso e acabar com
a maldição! – continuava ele.
- Duvido. Ela está demasiado
desanimada com tudo. – ria-se – Nunca lhe vai passar pela cabeça que a faca
esteve este tempo todo no apartamento dela. Pena que assim o nosso jogo perde a
piada. Ela nem tentou vencer.
Onde tudo começou. Onde ela
recebeu o primeiro bilhete, naquela noite. Onde a sua vida começou a ser
destruída. No apartamento! Como não tinha pensado nisto antes? Ainda havia
tempo. Lara começou a afastar-se da janela devagar. Tinha de ir a casa
encontrar aquela faca. Quando se preparava para correr, ouviu:
- Onde vais, Lara?
CAPÍTULO 31 - Revelações
Ela congelou de susto. Levantou-se
e começou a correr loucamente. O mais rápido que conseguia. Jonah vinha logo
atrás. Chegou ao apartamento e trancou-se lá dentro. Nervosíssima, começou a
vasculhar tudo. Tinha de encontrar aquela faca. Jonah batia com toda a força na
porta, gritando.
Onde tudo tinha começado. Onde o
primeiro bilhete apareceu. Na mesinha ao lado da cama. Lara abriu todas as
gavetas. Estava na terceira. A faca. A mesma faca tática que antes estava na
casa do cozinheiro. A solução para tudo.
Jonah arrombou a porta e entrou.
Ela escondeu-se atrás da porta do quarto. Quando ele entrou, ela surpreendeu-o
com uma pancada na cabeça e, quando lhe agarrou no pulso e preparou a faca para
acabar com tudo, aconteceu algo. Ela simplesmente paralisou. Imobilizou. Não se
conseguia mexer. Fazia toda a força para avançar com a faca mas era inútil. O
medo de perder a sua autonomia. A sua independência. Só podia ser isso.
- Que pena, Lara. – riu ele.
- Eu…
- Olha só! Ainda consegues falar.
Ainda… - interrompeu.
- Porque é que…
Antes que pudesse terminar a
frase, levou um soco e caiu inconsciente no chão. Jonah arrastou-a escadas
abaixo e parou no meio da estrada, gritando por ajuda. Um carro parou e de lá
saiu uma mulher preocupada, a perguntar o que se passava. Ele aproximou-se e
empurrou-a para o chão. Agarrou na arqueóloga e deitou-a no banco de trás.
Entrou e acelerou.
Passaram alguns minutos. Lara
acordou. Continuava sem se conseguir mover. Estava deitada, virada para a
parede onde estava o tal homem preso.
- Lara! Estás bem? – perguntou
ele.
- Vejam só quem acordou! – disse
Jonah, ao entrar ali. – Dormiste bem, Lara?
- Jonah, o que se passa?
- Cala-te. – ordenou, enquanto
acariciava a faca. – Era disto que tu precisavas agora, não era? Pena que já
não possas fazer nada.
- Achava que eramos amigos. –
chorava ela.
- Lembras-te? “Uma pessoa que
conheces bem, mas ao mesmo tempo que nunca viste na vida”. Eu não sou o Jonah.
– sorria.
Virou-se e aproximou-se da parede
onde estava o homem. Pegou numa chave e libertou-o. Ele permaneceu caído no
chão, sem forças. Jonah desviou-o com o pé e prendeu-se a si próprio na algema.
Começou a dizer umas palavras impronunciáveis, olhando fixamente para o pobre
senhor caído. Depois de uns sons estranhos, o homem levantou-se e tirou a chave
da mão de Jonah.
- Lara! Ajuda-me! – pediu Jonah.
Ela não estava a perceber nada.
Estava demasiado confusa. Mas observava tudo atentamente, sem conseguir fazer
nada. Esquelético, sorria sinistramente. Os seus dentes eram amarelos e tortos,
como a descrição de Jonah. Ele foi até um quadro que estava pendurado na parede
ao lado e tirou-o. Havia ali um cofre. Pousou a mão num sensor e conseguiu
abri-lo. Meteu a chave lá dentro e voltou a fechá-lo.
- Fui eu. Fui sempre eu. – disse
ele, aproximando-se da arqueóloga.
- Sou eu, Lara. Agora sim. Sou
mesmo eu! – gritava Jonah, preso na parede.
- Voltas a falar e eu mato-te! –
ameaçou ele, sacando uma pistola de uma gaveta.
- Mas… Quem és tu? O que é que eu
te fiz? Porque é que… Porquê? Porquê tudo isto? – gemia Lara – Jonah, o que se
passa?
- Não foi o Jonah. Nunca foi ele.
Fui sempre eu. E não, ele não estava hipnotizado. – ria-se – Ele estava
possuído!
- Possuído? Mas…
- Por mim. Foi a única maneira de
chegar até ti. – continuou.
- Como é que…
- Naquela noite. Deixaste a
janela aberta enquanto lias um livrinho. A oportunidade perfeita! Entrei-te em
casa e roubei a chave. Fui fazer uma cópia. Foste tão parva que ainda consegui
voltar lá na mesma noite e deixar tudo como estava. E ainda te deixei aquele
amigável recado, lembras-te? Quando o jogo começou. – contava, enquanto se
sentava.
- E foi assim que conseguiste
deixar-me todos os bilhetes! Tinhas a chave!
- Exatamente! És muito esperta.
Depois sentiste-te sozinha. Que pena. Aceitaste ir morar com o Jonah. Ou devo
dizer comigo? Só me facilitaste mais o trabalho! Ficaste mais perto de mim.
Lembras-te do dia em que foste amaldiçoada? Do dia em que acordaste com o pulso
cortado? Fui eu. – divertia-se – Dei-te uma pancada na cabeça e amaldiçoei-te.
Depois foi fácil. Foi só matar o cão e fingir-me de inconsciente. Como se
tivesse sido outra pessoa a entrar ali. E tu, claro, acreditaste.
- Por isso é que o Jonah andava
tão estranho. Não era ele. Eras tu! E foste tu que mataste os outros todos, não
foste? Foste tu que fizeste desaparecer os meus amigos! – gritava ela.
- Calma, querida. Estás a
confundir as coisas. Os teus amigos desapareceram por tua culpa, não por minha.
Foi o teu medo de os perder. O medo de ficares sozinha. Quanto às mortes, sim,
fui eu. Matei-os de maneira a que parecesses a culpada. Devias ter ficado com
medo de ir presa. E devias ter ido. Infelizmente não aconteceu. Mas de resto,
tudo correu muito bem.
- Se o objetivo das mortes era
incriminar-me porque é que mataste a polícia na presença do outro agente? E a
Diana. Isso tirava-me a culpa de cima. – confundiu-se.
- O plano não estava a resultar.
Não ias ser presa. Não haviam provas. Além disso não me estava a divertir com
aquilo. Depois sim, diverti-me. A partir de uma certa altura só te queria
deixar louca. E não estive muito longe de o conseguir.
- Mas… Mas como? Como é que os
mataste?
- Caso ainda não tenhas
percebido, eu consegui trocar de corpo com o teu amiguinho. Estrangular pessoas
com a mente é bem mais simples. E fazer desaparecer os corpos também foi fácil.
Eles estão sempre sozinhos. – explicou. – E eles estão todos atrás de ti. Oh,
espera. Não te consegues virar. Todos menos a Diana. Deixei que ela fizesse a
autópsia para que vissem que foi estrangulada.
- Tu és louco! Um… Um bruxo! Por
isso é que eu vi o Jonah depois de todas as mortes! – gritou.
- Chama-me como quiseres. Mas
consegui o que queria. Vais morrer daqui a pouco tempo.
- Mas porque é que não me mataste
logo? Porquê toda esta história da maldição?
- Tens de concordar que assim foi
muito mais divertido. Mais emocionante. Matar-te seria simples demais. Suave
demais. Assim foi muito mais doloroso. Admite. Quantas vezes preferiste estar
morta? Até te tentaste matar.
- Pois foi. Tentei matar-me. E
foi o Jonah que… Aliás, foste tu que me impediste. Se querias ver-me morta
porque o fizeste? – inquiriu.
- Perdia toda a piada se
desistisses do nosso pequeno jogo. Eu ia vencer pela tua desistência. E isso é
aborrecido.
- E sempre que dizias que ias
trabalhar vinhas aqui, não era? – continuou.
- Claro. Tinha de cuidar do meu
corpo. Alimentá-lo. Eu voltaria para ele mais tarde ou mais cedo. Aliás, já
voltei.
- E a bomba? Também foste tu, não
foste?
- Claro. E inventei aquela
história de terem ido bater à porta a avisar. Nem sei como acreditaste…
- Lara, desculpa-me! – pediu
Jonah.
- Avisei-te para não falares! –
gritou o homem, dando-lhe um tiro no braço.
- Jonah! Não! Não o magoes, por
favor! Quem tu queres sou eu! – gritava ela.
- Sim, és tu. Mas o que eu queria
já consegui. – respondeu ele.
- Mas porquê tudo isto? O que é
que eu te fiz?
- Há uma pessoa mais indicada
para te responder a isso.
CAPÍTULO 32 – O porquê
Ouviram-se passos. Alguém estava
a descer as escadas. Lara não conseguia ver quem. Não se conseguia virar e ver.
Quando viu, porém, não podia acreditar. Os seus olhos estariam a ver bem? Era
ele. Ele estava ali. Mas como? Impossível! Harry, o fotógrafo, estava mais do
que vivo na sua frente. Não. Como podia ser ele? Lara viu-o morto. Como Emma.
Como William. Como Diana. Mas não. Ele estava ali mesmo. Ela não estava a ver
mal.
- Surpresa. – disse.
- Harry? O que é que… Como é que…
- gaguejava ela.
- Sim, estou vivo. Mas sim,
também estive morto. – continuou.
- O que é que se está a passar
aqui?
- Sou eu. Eu estive por trás de
tudo. Sou eu que te quero ver morta. Este bruxo foi apenas um contratado. Tudo
foi cautelosamente planeado. Mas tivemos alguma sorte. – contou.
- Sorte? – gritou ela.
- Naquele dia. A Sam ligou-me.
Pediu que eu fosse o teu detetive. As coisas não podiam ter corrido melhor.
Nunca me passou pela cabeça que ela me fosse chamar para te ajudar. Não somos
propriamente amigos. Fomos colegas. Só isso. Mas para colega eu até sei
bastante da vida dela. Mais importante do que tudo, eu sabia que ela vivia
contigo. Perfeito! Foi uma enorme coincidência. Eu estaria a tratar do meu
próprio caso. Eu seria o detetive que iria seguir uma pessoa que estava a
trabalhar para mim. Assim nunca ninguém iria descobrir nada. – ria ele.
- Mas tu nem chegaste a seguir o
Jonah. Tu morreste! – interrompeu Lara.
- Sim, eu morri. Porque tivemos
uma ideia muito melhor. Começar uma série de assassinatos. Para que fosses
presa. Depois só te queríamos ver louca. Mas isso já sabes. Já te contaram.
Então combinamos e ele matou-me. Depois, na autópsia, foi só ele trazer-me de
volta à vida e desaparecer dali. – explicou o paparazzo.
- Isso quer dizer que ele pode
ressuscitar aqueles mortos? Pode trazê-los de volta? – enervou-se ela.
- Sim, eu posso. Mas não vou
fazê-lo. – respondeu o homem.
- Por favor! Eu faço o que vocês
quiserem!
- Tu vais morrer daqui a pouco
tempo, Lara! – gritou Harry – E, caso não tenhas reparado, os corpos da tua
vizinha Emma e do teu chefe William estão mesmo aí, atrás de ti. Desfeitos.
Completamente desfeitos. O corpo da polícia está em cinzas. E a Diana está
enterrada.
- Não! Ela pode ser desenterrada!
Por favor! – implorava ela.
- Chega deste assunto! Não queres
saber a história? Deixa-me continuar. Antes, muito antes da Sam ter falado
comigo, eu contratei este homem. Ele próprio amaldiçoou aquela faca. Ele
próprio possuiu o Jonah. Ele próprio conviveu contigo nos últimos dias. Ele fez
tudo. No início acompanhei as coisas de perto. Mas depois de morrer eu tive de
me afastar. Tive de ficar aqui. Na minha casa. – continuou o fotógrafo.
- Mas, Harry… Eu… Eu nem te
conhecia. O que é que eu te fiz? Porque é que me fizeste tudo isto? – chorava
ela.
- Boa pergunta. Não, não foi por
ser mais divertido, como ele te disse. Pelo menos não foi só por isso. Há algo
muito mais importante.
- O quê? O que pode ser? Eu nem
te conhecia.
- Tu conheces-me, Lara. Faz um
esforço. Não te lembras de mim?
- Não! Eu juro!
- Não te lembras de uma aventura que
tiveste há alguns anos? Eras pequena. Foste com o teu pai. – contou Harry – Não
te lembras? A tua primeira grande viagem. Para África. O teu pai deixou-te ir
com ele por ser pouco perigoso.
- Eu não…
- Claro que te lembras! –
interrompeu – Vocês não estavam sozinhos. O teu pai levou consigo um pobre
fotógrafo para fazer a cobertura daquela expedição. Mais uma grande aventura do
senhor Richard Croft! Esse fotógrafo também levou a sua filha. Não te lembras?
- Harry, eu não queria…
- Claro que não querias que
aquilo acontecesse. Os Croft nunca pensam nas consequências de nada, não é? Parece
que já te estás a lembrar daquele dia. O dia em que vocês destruíram a minha
vida.
- Eu não… Nós não…
- Eu refresco-te a memória!
Estávamos a andar. Numa floresta. Tu e o teu pai na frente, como sempre. E eu a
filmar e a tirar fotografias, logo atrás. De mão dada com a minha filha. –
contava – De repente ela começou a queixar-se e a coçar o pescoço. Tinha uma
picada de um bicho qualquer. Claro que todos ignoramos aquilo. O teu pai estava
com pressa. Continuamos a andar…
- Eu sei a história, não precisas
de…
- Depois ela começou a ficar
estranha. Começou a fazer barulhos estranhos. De repente agarrou na minha
pistola. Começou a gritar e a correr para todos os lados. Não nos conhecia.
Pensava que íamos fazer-lhe mal. Ficou louca com o veneno daquele bicho.
Provavelmente aquilo não ia durar muito tempo. Mas o teu pai teve de fazer
merda. – continuava – Ele agarrou na sua faca e apontou-a à menina. Ela foi a
correr na direção dele. “Não te aproximes” foi a única coisa que ele disse. Não
desviou a faca do caminho. Nem um centímetro. E ela não parou. Ela continuou a
correr. Correu e só parou quando tinha a sua barriga perfurada pela faca do teu
pai. Esta faca. A mesma. Claro que ela não sobreviveu. É óbvio. E o que vocês
fizeram? Lamentaram e fugiram dali. Já nem quiseram saber da aventura. E
deixaram-me ali. Com a minha filha morta e com uma faca ensanguentada no chão.
Vais dizer-me o quê? Que essa imagem saiu da cabeça de uma criança tão pequena
como tu eras? Vais dizer que te esqueceste?
- Não eu… eu não me esqueci… Mas
ela tinha uma arma. Ela podia matar-nos a todos! – defendeu-se ela.
- Ela era uma criança! Como tu! Senti-me
vingado há uns anos, quando o teu pai morreu. Mas agora não. Eu quero acabar
contigo também. Quero acabar com a família Croft! E não podias morrer com uma
simples facada, como a minha filha. Tinhas de sofrer muito mais do que isso.
Não podias ter a mesma morte que ela. Sim, eu guardei aquela faca até hoje. E
foi esta faca que te amaldiçoou. Foi esta faca que acabou com a tua vida! E com
a minha também. O meu maior medo era perder a minha filha.
- Tu estás completamente louco!
Ninguém teve culpa do que se passou! – gritava.
- Não tão louco quanto tu estás!
Nesse instante uma sirene fez-se
ouvir. A polícia estava a chegar.
CAPÍTULO 33 – Traição
Harry correu para todas as
janelas e fechou-as. Ameaçando-os com a arma, proibiu todos de fazer barulho.
- É este o carro. É esta
matrícula. – disse um dos polícias, ao sair da sua viatura.
- Roubaram-no e deixaram-no aqui?
Estacionado? Na frente desta casa? – inquiriu o outro.
- Bem, eu vou ligar para a
senhora a informar que já encontramos o carro. – informou o terceiro.
- Está aí alguém? – gritava um
deles enquanto batia à porta.
- Ninguém faça barulho. –
sussurrou o fotógrafo.
- Socorro! – gritou Lara.
A polícia não pensou duas vezes e
arrombou a porta. Três agentes armados. Harry permaneceu com a pistola apontada
às autoridades, assim como o bruxo.
-Mata-os. – ordenou.
O homem baixou automaticamente a
arma. Ia matá-los de forma a que não deixasse quaisquer provas. Como fez com os
outros. Olhou-os fixamente e começou a estrangulá-los com a mente. Aos três ao
mesmo tempo. Nesse momento o paparazzo aproveitou o facto de já não ter nenhuma
arma apontada a si e amarrou os polícias, deixando-os num canto da sala.
- Podes parar. Deixa-os vivos por
enquanto. Temos algumas prioridades. – sorriu ele, olhando para Jonah.
- Por favor! Para! Já não podes
fugir! A polícia está aqui. – chorava Lara.
- Lara, minha querida, eu posso o
que eu quiser. E tu devias estar mais preocupada com outras coisas. – dizia
ele, aproximando-se da arqueóloga – Daqui a pouco tempo o sol vai pôr-se. E o
teu tempo vai acabar.
Ele pousou a faca numa mesa e
recuou. Os agentes ainda estavam meio atordoados e tossiam aflitos. Mas estavam
vivos. Harry fez um sinal ao colega e este virou-se para Jonah. Olhou-o
fixamente. Começou a fazer o mesmo. A afoga-lo sem lhe tocar.
- Não! Por favor! Eu peço-te! Não
o mates! Não! – gritava Lara.
- Porque não o salvas? Vamos lá,
Lara. Tu és a heroína, tu tens de salvá-lo. – ria-se o fotógrafo.
A polícia estava boquiaberta mas
não podia fazer nada. Estava presa. Olhos arregalados, boca escancarada e
sobrancelhas que indicavam susto e medo. Jonah estava a morrer. Lara juntou
todas as suas forças. Mas era inútil. Não conseguia mexer nem um dedo. Estava
tão desesperada com a morte do amigo que se esqueceu de todas as maldições do
mundo. Todos os seus medos ridículos não eram nada em comparação àquele. O medo
de perder o amigo. Para que lhe servia o orgulho? O medo de perder a sua
autonomia? Sim, ela deixou de ter esse medo. Ela venceu-o. Consequentemente,
esse medo deixou de ser realizado.
Conseguiu mexer-se. Não podia
acreditar. Os vilões estavam de costas, entretidos com a morte do cozinheiro.
Lara levantou-se em silêncio e olhou para a polícia. Um dos agentes empurrou a
sua pistola com o pé. Ela ignorou aquilo. A sua atenção estava toda virada para
aquela faca, em cima da mesa.
Agarrou na faca e aproximou-se
devagar dos dois homens. Estava a ficar sem tempo. Eles estavam lado a lado.
Lara olhava fixamente para o pulso do homem. A chave para acabar com a maldição.
Mas Jonah estava mais do que roxo. A gargalhada do bruxo foi interrompida pelos
braços da arqueóloga, que o agarraram por trás. Jonah automaticamente voltou a
respirar, mas num péssimo estado.
- Harry! Liberta o Jonah ou eu
mato o teu amiguinho! – gritou ela, com a faca junto ao pescoço do homem.
- Eu já não precisava mais dele,
de qualquer maneira. – sorriu, disparando uma bala no ombro do velho, que caiu
aos pés de Lara.
Chocada e com uma arma apontada à
cabeça, Lara limpava as lágrimas. Olhou para o rival com um olhar ameaçador e
deu dois passos em frente.
- Não dês nem mais um passo ou
morres com um tiro no meio da testa! – gritou o fotógrafo.
- Tu não me vais matar. – sorriu
Lara, dando mais um passo em frente.
- Lara, estou a avisar-te! –
continuou ele, segurando na pistola cada vez mais fixamente.
- Eu sei que não me vais matar. –
caminhava ela – Tu queres que eu morra daquela maldição. Eu sei. Nunca me vais
dar um tiro.
Ele foi baixando a arma aos
poucos. Ficou cara a cara com ela. Lara olhou para baixo. Para a sua mão. A mão
que segurava a faca. A solução para tudo. O bruxo, caído no chão, praticamente
morto, apontou a sua pistola para a divisão ao lado e disparou. A bala passou
pela porta, atravessou a cozinha, perfurou a parede e só parou quando entrou
numa botija de gás.
Uma explosão fez aquela velha
casa dar de si. Poucos segundos depois Lara estava ferida junto a uma parede. O
bruxo estava morto, em chamas. Harry estava preso debaixo de alguns móveis e do
teto que tinha caído. Jonah estava a afastar-se do fogo o mais que podia, mas
não tardava a ser alcançado.
CAPÍTULO 34 – O pulso
Levantou-se e soltou de imediato
os agentes da polícia.
- O que se passou aqui? –
perguntaram.
- Rápido! Ajudem-me a soltá-lo! –
pediu, correndo na direção de Jonah.
Tentaram de tudo. Não conseguiam
nem abrir a algema nem tirá-la da parede.
- É inútil. Onde é que ele guarda
as chaves disto? – inquiriu um deles.
- Naquele cofre! – apontou ela –
Mas só abre com as impressões digitais dele.
- Venham! Ajudem-me a tirá-lo
daqui debaixo! – ordenou um agente, aproximando-se de Harry.
- Vou chamar os bombeiros. Vocês
não vão conseguir levantar isso. – informou Lara.
E de facto não conseguiram.
Fizeram toda a força mas o fotógrafo continuava esmagado. Ainda respirava. Mas
nem uma palavra de socorro se ouvia.
- Lara! – gritou Jonah.
- Calma Jonah! Eu vou tirar-te
daí! – prometeu.
Nesse instante o fogo atingiu o
cozinheiro. O seu camiseiro começou a arder.
- Façam alguma coisa! – gritou
Lara, desesperada.
Os polícias permaneceram parados,
sem reação. Não tinham como salvá-lo. Jonah tinha levado um tiro, foi quase
estrangulado e agora estava a morrer queimado. Num impulso ela correu até ao
paparazzo e, com toda a força, agarrou na faca e cortou-lhe o pulso. Chorava e
tinha ânsia de vómito, mas tinha de salvar o amigo. Cortou e cortou. Ao mesmo
tempo puxava a mão do fotógrafo, que não reagia.
Quando reparou, já tinha o braço
do homem na mão. Correu até ao cofre e conseguiu abri-lo. Soltou Jonah e
atirou-o ao chão. O grandalhão rebolou o mais que conseguiu para apagar o fogo,
mas não estava a resultar. Tirou o camiseiro mas o fogo já se prolongava pela
blusa. Tirou também a blusa. O fogo já se sustentava da pele do cozinheiro.
Nesse instante ouviram os bombeiros a chegar. Eles apagaram todo o fogo,
começando, obviamente, pelo grandalhão.
Jonah tinha queimaduras graves e
implorava que o matassem de uma vez. Eram dores insuportáveis. Uma ambulância
não tardou a chegar ao local. Lara quis acompanhá-lo mas os agentes exigiram
explicações.
- Se eu vos contar a verdade
vocês vão achar-me louca. – informou ela, secando as lágrimas do rosto.
- Acho que não. Nós vimos. Vimos
aquele homem quase matar o teu amigo sem o tocar. Pior do que isso, nós
sentimos. Ele quase nos matou. Eu senti-me estrangulado sem ninguém me tocar. –
disse um deles – Mas, como deve calcular, não entendemos nada.
- Bem, a verdade é que eu fui
amaldiçoada. E hoje fui sequestrada. E descobri que aquele homem que ficou lá
dentro esmagado é que estava por trás de tudo. Ele contratou o bruxo. E o nome
dele é Harry. Ele morreu há uns dias. Fingiu a morte, na verdade. E os dois
mataram várias pessoas. Da mesma forma que quase vos mataram a vocês.
Finalmente eu tenho testemunhas. – explicou.
- Lara, vai ter de nos acompanhar
e prestar depoimento, pode ser?
- Sim, há muito para contar. Mas
pode ficar para amanhã? Por favor. Tenho o meu amigo no hospital. – pediu.
- Acho que não há problema.
Amanhã à tarde passe na esquadra.
- Claro. Obrigado.
Jonah já estava a ser tratado. As
queimaduras eram graves mas não muito extensas. Segundo a enfermeira, ele ia
ficar bem rapidamente. Estava a descansar e não permitiram que Lara o visse. No
dia seguinte ele já poderia receber visitas.
Voltou a casa. Para a sua casa.
Apesar de tudo, estava feliz. Já não corria mais perigo. Deitou-se um bocado no
sofá e bebeu um copo de água. Estava bem cansada. Jonah ia ficar bem. Ela sabia
que sim.
Bateram à porta. Lara estranhou.
Àquelas horas? Quem seria? Levantou-se e abriu a porta.
- Surpresa! – gritaram.
CAPÍTULO 35 – O final
A sua reação foi apenas
abraçá-la. A pessoa que ela não via há dias. Sam. Ela estava ali. Lara estava a
tocar-lhe. A maldição. Ela estava livre. Entrou e sentaram-se a conversar.
- Sam, que saudades. Eu estava
tão preocupada. – contou Lara.
- Preocupada porquê?
- Porque… Bem, onde estiveste nos
últimos dias?
- Eu? Em Singapura. Tu sabes.
- Sim, mas… Tu não te lembras de
nada pois não?
- Não me lembro do quê? –
confundiu-se a jornalista.
- Há uns dias. Estavas a falar
comigo no telemóvel e de repente deixaste de me responder. Como se tivesses
desaparecido. Até hoje. – explicou.
- Estás bem? Pareces nervosa.
- Agora eu estou. – sorriu Lara.
- Então, gostaste da surpresa?
- Adorei. Mas tenho muito para te
contar. – disse – Hoje é o último dia da maldição, lembras-te?
- Oh meu deus! É verdade! E como
é que…
- Calma. – interrompeu ela – Já
está tudo bem. Já não estou amaldiçoada. E não vais adivinhar quem estava por
trás de tudo.
- Então? Não era o Jonah?
- Mais ou menos. O Jonah estava
possuído por um bruxo. – contou – E esse bruxo foi contratado pelo Harry, o teu
colega.
- O quê? Mas porque é que…
- Longa história. Depois
conto-te. Acontece que o Jonah está no hospital, com queimaduras. Fomos
sequestrados e houve uma explosão. – continuou.
- Estou a ver que aconteceu muita
coisa enquanto estive fora…
- Muita mesmo! Mas agora vou
descansar, pode ser? E tu devias fazer o mesmo. Amanhã vamos visitar o Jonah! –
sugeriu.
Foi a melhor noite da semana.
Primeiro porque Lara se sentia segura, por ter a amiga por perto. Depois porque
já não estava amaldiçoada. Já não tinha ninguém a querer fazer-lhe mal. Foi a
primeira noite sem pesadelos desde há muito tempo.
Acordaram bem dispostas. Tomaram
o pequeno almoço com uma calma que já não sentiam há muito tempo. O telefone
tocou e Lara pousou a chávena de café para ir atender.
- Bom dia, Lara! Como estás?
Liguei para te dizer que o novo dono do museu está à procura de alguém para
substituir o teu lugar. E se fosses lá? – ria-se uma colega de trabalho.
- Achas que ele me contrata? –
surpreendeu-se.
- Claro! Com o teu currículo?
Óbvio! Nem percebi muito bem porque o senhor William te despediu, mas enfim.
Amanhã passa cá para uma entrevista de emprego!
- Muito obrigado! Tem um bom dia!
– despediu-se.
Enquanto continuavam a comer,
Lara contou tudo o que não pôde contar nos últimos dias. Sam ficou rapidamente
a saber de tudo. Dali a algumas horas estariam a sair para ir até ao hospital.
A história ainda não estava
completamente contada. Jonah ainda tinha alguns episódios para esclarecer. Lara
não queria aborrecê-lo de maneira nenhuma, mas ela não podia ficar sem
respostas por muito tempo.
Chegaram lá e o grandalhão estava
extremamente impaciente por estar ali. Queria voltar para casa o mais rápido
possível. Insistia que já se sentia bem. Que estava pronto para sair dali. Mas
ainda teria de esperar uns tempos. Já que ele se sentia tão bem, Lara não tinha
porque esconder a sua curiosidade:
- Jonah, como é que tudo aquilo
começou? Como é que… A partir de quando é que já não eras tu no teu corpo?
- Bem… Há umas duas semanas
recebi um bilhete assinado por ti. Dizia que querias falar comigo, que era
urgente. E marcava um lugar para nos encontrarmos. Fui lá e aquele bruxo
atacou-me. Levou-me para a casa do Harry e fez uma espécie de ritual macabro
para trocar de corpo comigo. Quem diria… Resultou. – contou ele.
- Uma parte de mim sempre soube
que não eras tu… Estavas tão diferente. Quando fui viver contigo… Bem… Desde o
primeiro dia percebi que não estavas normal. – continuou.
- Sim, eu sei que foste viver para
lá. Todos os dias ele vinha ter comigo. Dava-me comida e água. E contava-me os
seus planos doentios. Ele e o fotógrafo. Dois psicopatas! E, Lara? Não te
contei uma coisa…
- O que foi? Podes dizer-me.
- Ele deu-me carne humana para
comer. E eu comi. Não sabia o que estava a comer. Mas agora sei. Era o teu
chefe e a tua vizinha. – contou.
- Meu deus! Aquele homem era
louco. Mas calma. Agora está tudo bem. Agora tudo faz sentido. E só quero esquecer
toda esta história.
- E eu só quero voltar à minha
casa. – queixou-se.
- Em breve, Jonah. – sorriu Lara.
No regresso a casa Lara encontrou
o seu velho amigo Robson que, tal como Sam, agiu como se nada tivesse
acontecido:
- Olá Lara! Então, ainda queres
aquele livro sobre pragas? Nunca mais me disseste nada.
- Robson! – abraçou-o – Já não
preciso dele, muito obrigado!
- Credo. Parece que não me vês há
anos. – surpreendeu-se o homem.
- Para mim pareceram anos!
- Do que estás a falar?
- Nada. Tenho de ir. Logo passo
na biblioteca para falarmos melhor! – despediu-se.
Parecia estar tudo a recompor-se.
Chegou a casa e tomou um banho relaxante. Almoçaram e tiveram uma longa
conversa, bem agradável. Assuntos bem distantes de pragas. Mais tarde, Lara
quis ir dar um passeio. Quis apanhar ar antes de ir prestar declarações à
polícia. Insistiu para ir sozinha.
Foi até à falésia onde quase se
tinha suicidado. Ela gostava daquele lugar. Mas quando se lembrava de que
esteve quase a acabar com a sua vida ali, não conseguia compreender o porquê.
Ela só podia estar completamente alterada pela maldição quando o fez. Agora ela
conseguia ver como a vida era linda. Sentiu uma mão no seu ombro. Virou-se para
ver quem era.
- Pareces-me feliz. Que bom
ver-te assim, Lara – sorriu Jefferson.
- Jefferson! Que bom vê-lo!
- Então, já resolveste a tal
maldição? – inquiriu.
- Já! E agora está tudo muito
bem!
- Lara, eu… Eu conheço-te…
Contaste-me tantas coisas que… Tu… Viste aquilo que viste. De certeza que está
tudo bem? – desconfiou.
- Os loucos vêem aquilo que vêem.
FIM
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Parabéns! Esta história prende o leitor a narrativa!
ResponderEliminarÓtima história, realmente deu gosto de ler e de prender-se a narrativa!
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