FAN FIC - OS CINCO DIAS

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CAPA DE COMEMORAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DO SITE


CAPA FINAL

Sinopse

Numa história misteriosa e frenética a heroína vê a sua vida ser comandada por bilhetes. Lara está sozinha e pouco preparada para o que acontece. Aqui ela percebe que os pesadelos não são simples sonhos e duram muito mais do que apenas uma noite. 

CAPÍTULO 1 – Sozinha por uns tempos

Era uma noite calma em Londres. Estava bom tempo e o trânsito não fazia o ruído do costume. No apartamento também estava tudo mais tranquilo do que o habitual. Sam estava fora por uns dias, em trabalho. Lara lia um livro, deitada na cama, com a janela aberta para deixar entrar a luz da cidade.
Finalmente terminou de ler o segundo volume de uma misteriosa história sobre um assassino em fuga e aguardava ansiosamente a terceira parte, que estava por lançar. Cansada, levantou-se e foi até à cozinha preparar o seu chá para, mais tarde, ir dormir. Noutro dia qualquer, a Sam ter-lhe-ia levado uma chávena ao quarto. Hoje, porém, e durante o resto da semana, Lara estava sozinha.
Antes de mergulhar nos lençóis depois de mais um árduo dia no museu, mandou uma mensagem de boa noite à sua jornalista preferida: “Espero que estejas bem. Boa noite!”. Tinham-se despedido nesse dia de manhã e desde então não deram sinal de vida uma à outra. Foi com esse pensamento que Lara adormeceu, com o telemóvel na mão, à espera de uma resposta.
Eram 4 da madrugada quando ela acordou com uma chamada de Sam. Sem conseguir ver quem lhe ligava, sentou-se na cama e atendeu:
-Sim?
-Bom dia! – gritou uma voz alegre  do outro lado.
-Sam?
- Como estás?
-Bom dia? Sam, são 4 da manhã! – protestou Lara, esfregando os olhos.
- Ops! Desculpa! Esqueci-me completamente da diferença horária! Ligo-te mais tarde, volta a dormir.
- Espera. Sabes muito bem que não vou conseguir adormecer de novo. Enfim. Estou bem e tu?
- Exausta! Desculpa não te ter dito nada quando cheguei aqui e não ter respondido à tua mensagem, mas tu sabes… Estava a dormir.
- Eu compreendo. Então, como é Singapura? – puxou assunto, enquanto acendia o candeeiro.
- É enorme! É linda! Mesmo assim, mal posso esperar por voltar para casa. Olha, vou ter de desligar. O táxi chegou ao hotel. Vou trabalhar, tu sabes como é…
- Até mais tarde, então. Bom trabalho! – despediu-se, desligando o telemóvel.
Como não tinha nada para ler, foi até ao sofá e ligou a televisão, pela primeira vez em semanas. Rapidamente se fartou da programação horrível e voltou para a cama. Talvez conseguisse voltar a dormir.
Entrou no quarto e deitou-se. Foi quando esticou a mão para apagar o candeeiro  que reparou num pequeno bilhete em cima da mesinha. Estranho. Antes não estava ali nada. Leu algo que lhe tirou definitivamente o sono:
“Prepara-te. Em breve todos os teus pesadelos vão tornar-se realidade! Dorme bem.”

CAPÍTULO 2 – Mudanças inesperadas

Como é possível? Poderia estar alguém ali dentro? O coração de Lara acelerou e de imediato os seus olhos começaram a procurar algo de estranho no quarto, para além do papel, claro.
Tudo parecia normal. As outras divisões também foram verificadas. O que tinha acontecido ali? Talvez por achar que viu mal ou que estava a ter alucinações de sono, voltou ao quarto e leu o bilhete outra e outra vez.
“Prepara-te. Em breve todos os teus pesadelos vão tornar-se realidade! Dorme bem.” Por mais vezes que lesse, a mensagem não se alterava. Lara estava sozinha no apartamento. Disso ela tinha a certeza. Dali até à hora de ir trabalhar ainda faltava muito tempo. Nesse caso, porque não aproveitar para ir tomar um banho e relaxar um pouco?
Amanheceu. Lara estava vestida e pronta para o trabalho, ainda a tentar esquecer o bilhete misterioso que encontrou naquela noite. Como se tivesse sido apenas um sonho. Isso, apenas um sonho.
O telefone fixo tocou.
- Sim? – atendeu ela.
- Bom dia, Lara! – saudou uma voz masculina – Como estás?
- Bom dia Jonah! Estou bem e tu?
- Também. Vou ser bem direto, ok? O que achas de vires passar estes dias aqui comigo enquanto a Sam não volta? Deves sentir-te sozinha.
Como ele podia ter adivinhado? Uma companhia estava realmente a fazer falta e, de certa forma, depois daquela noite, uma proteção também. Não hesitou em aceitar:
- Olha, acho isso uma excelente ideia! Sinto-me realmente sozinha e estou muito entediada. Quando voltar do museu conversamos melhor. Estou a ficar atrasada.
- Claro, Lara! Até logo. – despediu-se.
Momentos antes de abrir a porta e sair de casa, o telefone voltou a tocar. Desta vez era do museu onde ela trabalhava. Hoje ela estava de folga. O museu não ia abrir. Ótimo, assim sobrava mais tempo para as mudanças! Contactou Jonah e dentro de alguns minutos ele estaria ali para a ajudar, já que moravam perto um do outro.
Poucas horas depois Lara já tinha uma pequena mala com tudo o que precisava para passar uns dias fora. A casa de Jonah ficava no fim da rua e, quando chegaram, ele apresentou-lhe um quarto de hóspedes bem generoso.
- Não vais trabalhar hoje? – perguntou Lara, enquanto tirava a roupa da mala.
- Não. Hoje não. Vou ficar aqui contigo – sorriu ele.
- Tens a certeza que não há problema?
- Claro! O meu chefe é compreensivo. Além disso o restaurante anda pouco movimentado.
-Tu é que sabes. Obrigada!
Um barulho repentino fez-se ouvir, vindo de outra divisão da casa, mas Jonah não se mostrou preocupado e tampouco surpreendido.

CAPÍTULO 3 – Jonah está estranho

- O que foi isto? – assustou-se Lara.
- Deve ser o meu cão. Ainda não o conheceste?
- O teu quê?
Jonah assobiou. Veio a correr um cachorro rafeiro e ofegante que saltou de imediato para o colo de Lara, que estava sentada na cama.
- Desde quando é que tens um cachorro? É lindo! – surpreendeu-se ela.
- Bem, eu… Desde… Ah… Tenho-o há pouco tempo. É isso.
- Como se chama?
- O nome? É… É… Chama-se… Ah… Tommy!
- Estás bem, Jonah? Estás estranho.
- Claro que estou bem! – sorriu ele, enquanto acariciava o cachorro.
Tommy rosnou e tentou morder o dono. Estranho. O Jonah, que sempre gostou de animais, fez-lhe um olhar de ódio. Um olhar que Lara nunca tinha visto antes. Ele estava realmente estranho.
- Bem, vais fazer o almoço, certo? – pediu ela - Nem imaginas as saudades que tenho dos teus cozinhados!
- Eu? Bem… Talvez possamos encomendar comida. Hoje é um dia especial!
- Nenhuma comida encomendada é melhor do que a tua! E por ser um dia especial devias mesmo cozinhar! – insistiu.
- Ai, Lara! Que chata! Eu trabalho na cozinha, achas que em casa não tenho o direito de descansar? – gritou ele.
- Jonah, calma! Desculpa! Não te irrites.
Boquiaberta é a palavra certa. Lara nunca tinha visto Jonah assim na vida. O amor dele pela cozinha, a sua serenidade, amabilidade. O que estava a acontecer? O mais estranho de tudo: Ele estava a chamá-la pelo nome. “Pequeno pássaro”, como ele sempre a tratou, hoje ainda não tinha ouvido estas palavras.
- Fica decidido então! Encomendamos pizza! – terminou ele.
Ela nem se atreveu a contrariá-lo de novo. Era evidente que não estava a ser um bom dia para ele. Apenas isso. Um mau dia.
Terminaram de arrumar as coisas e depois almoçaram. Foi uma refeição no mínimo constrangedora. Eles não tinham assunto para conversar. Enquanto comia e bebia, os olhos de Jonah fixavam-se na Lara. Um olhar parecido com o olhar que fez para Tommy, o cão. Ódio? Impossível! Era o Jonah! O grandalhão sentimental…
Assim foi durante o almoço. Assim foi durante o resto do dia. Quase sem conversarem. Lara tentava puxar assunto, mas ele não dava muitas hipóteses. Pareciam realmente dois estranhos. Ela não se sentia bem ali. Estava bem mais confortável na solidão do seu apartamento. Mas claro que não podia dizer-lhe isso. Ele é demasiado sensível. Pelo menos, ele era.

CAPÍTULO 4 – Uma noite horrível

Quase meia noite. Jonah e Lara estavam sentados na sala a ver televisão. Aliás, mais ou menos. Ele estava realmente atento. Ela mirava à sua volta e não estava nem um pouco interessada no programa que estava a dar. Por falar nisso, não era nenhum programa de culinária. Mais uma vez, estranho… De vez em quando eles olhavam-se, por breves instantes. Estavam ambos bem desconfortáveis ali e os dois com algum sono.
- Estou cansada, vou dormir! Tu ainda ficas? – perguntou Lara, no meio de um bocejo.
- Fico ainda mais um pouco. Boa noite!
Lara foi para o quarto e, na verdade, não foi dormir, mas sim ligar para Sam. Tinham muito que conversar. Depois de lhe contar de todas as mudanças, ela ainda aproveitou para desabafar um pouco:
- Estou preocupada com o Jonah.
- Porquê? – perguntou Sam, curiosa.
- Está muito estranho mesmo! Não parece a mesma pessoa… Já nem me chama de “pequeno pássaro”.
- O que será que se passa?
Nesse instante Jonah abriu a porta do quarto.
- Falamos melhor amanhã, pode ser? Aqui já é tarde. Boa noite. – despediu-se ela, de Sam.
- Boa noite, Lara! Dorme bem.
- Precisas de alguma coisa, Jonah? – inquiriu ela depois de desligar o telemóvel.
- Vim só desejar-te uma boa noite, pequeno pássaro. – respondeu ele.
- Uma boa noite para ti também, grandalhão. – despediu-se ela com um sincero sorriso.
Talvez não se passasse nada com ele. Pode ter sido só mesmo um dia mau. Ou, por outro lado, ele podia ter estado a ouvir a conversa toda com Sam. Não… O Jonah não faria isso. Faria?
Deitou-se, cobriu-se e fechou os olhos. Ficou um bom tempo assim e não adormeceu. Já que Jonah tinha um simpático jardim à volta de toda a casa, porque não ir dar um pequeno passeio? Levantou-se, vestiu um casaco, calçou-se e saiu sorrateiramente para não o acordar.
Estava uma noite agradável e Tommy parecia feliz por acompanhá-la no passeio. Ele gostava dela. Lara deu umas 3 voltas à casa e sentou-se num banco, a brincar com o cão. As luzes da rua eram as únicas a iluminar o local.
Assustou-se quando viu, de repente, uma sombra estranha ao fundo. Fosse lá o que fosse, estava a aproximar-se. Quando finalmente se expôs à luz, revelou a sua identidade. Era Jonah. Ficou ali, parado, a olhar para ela durante uns instantes, enquanto o cachorro ladrava. Lara levantou-se. Ele podia precisar de alguma coisa. Quando ela deu um passo em frente, ele começou a recuar, lentamente, até desaparecer novamente no meio da escuridão.
Ele não se tinha ido deitar? Estaria a vigiá-la? Ele, que sempre confiou nela? Estava estranho de novo. Talvez estivesse na altura de voltar para dentro. Despediu-se do cachorro e entrou. Talvez por ainda não ter sono suficiente, não se dirigiu para o quarto, mas sim para a cozinha. Encheu uma chávena de chá e bebeu.
Ia-se engasgando quando, ao virar-se, viu Jonah, sentado no sofá da sala, virado para trás, a olhar para a ela.

CAPÍTULO 5 – Foi só um sonho

-Está tudo bem, Jonah?
- Claro! É só uma… insónia. – respondeu ele.
- O que foste fazer lá fora?
- Eu não fui lá fora.
- Jonah, eu vi-te lá. – insistiu ela.
- Não podes ter visto. Eu não saí daqui. Deves estar muito cansada. Vai dormir. Eu vou fazer o mesmo. Boa noite, pequeno pássaro.
Ela levou o resto da bebida para o quarto, um pouco assustada, e pouco tempo depois adormeceu.
O dia nasceu quente e alegre. Lara preparava-se para sair para o trabalho, como todas as manhãs, quando Jonah a chamou. A voz vinha da casa de banho.
Chegou lá e ele pediu-lhe ajuda para  montar o novo reposteiro, com um sorriso meio forçado. Recusar auxiliar um amigo? Nunca. Agachou-se para pegar nos cortinados e perguntou:
- Onde o ponho?
- Ali. – apontou ele, para trás.
Ela virou-se e foi de imediato empurrada. Antes que pudesse reagir, foi levantada do chão pelo Jonah, que a agarrava, com força, no pescoço. Ela estava a sufocar. Com as mãos, tentava libertar-se, sem sucesso. Ele tremia e mostrava os dentes de raiva. Um leve sorriso sinistro também era notório.  A banheira estava cheia de água. Ele mergulhou a cabeça dela. Estava a afogá-la.  
Impossível! O que se estava a passar com o ele? Lara não tinha força suficiente para se defender. Com as mãos, tentava bater-lhe ou encontrar algo que a pudesse ajudar. Foi tudo em vão. Ela já estava a engolir água. Jonah, todo respingado pela resistência dela, ria alto. Uma gargalhada maléfica e macabra. Não era ele. Não podia ser!
Ele não a mantinha no fundo. Ia sendo puxada pelos cabelos, de vez em quando. Nos momentos que estava fora da água, tentava tomar fôlego, uma respiração totalmente desesperadora, que não durava muito tempo, pois voltava logo a ser afundada. Quando ele fazia uma pausa no seu riso, ouvia-se o grito de Lara, quase a morrer. Um enxame de bolhas vinha à superfície e o Jonah parecia divertido com a situação. Apenas uma brincadeira. Será?
- Estás a gostar? – inquiriu ele, tirando-a da água.
Ela só conseguia tossir e mal respirava.
- Responde! – gritou ele, atirando-a, mais uma vez.
- Jonah! Por favor! – suplicava ela, com uma voz dolorosa, ao ser emergida.
Irritado, ele mergulhou a cabeça dela pela última vez. Agora ele só a largaria quando ela estivesse morta. Com toda a força, ele manteve-a com o rosto fixado ao fundo da banheira. Em pânico, ela tentava soltar-se, mas, com tanta rigidez por parte do Jonah, ela sentia que ele ia esmagar o seu crânio.
De repente, Lara parou. As bolhas desapareceram. Os gritos deixaram de se ouvir. Ela já não apresentava qualquer tipo de oposição. Ele começou a aplicar menos força sobre o pescoço dela e tudo começou a ficar, lentamente, escuro.
Eram 3 da manhã. Lara acordou no meio de um pulo, assustadíssima e completamente suada. Respirava fundo e tossia, com a mão no peito, ainda em pânico. Estava no quarto de hóspedes do Jonah, tal como tinha adormecido anteriormente. Calma, Lara. Foi só um pesadelo. Jonah nunca seria capaz de lhe fazer mal, não é?
Sossegou e acendeu o candeeiro, enquanto bebia um pouco de água. Ao pousar o copo sentiu o seu coração parar por um instante com o que viu: Jonah estava em pé, parado, num canto do quarto, apenas a observá-la.

CAPÍTULO 6 –  Onde estás?

Era aterrorizante vê-lo ali sem dizer uma palavra, principalmente depois daquele pesadelo.
- Jonah? O que estás aqui a fazer? – perguntou ela, a tremer.
- Vim ver se precisavas de alguma coisa. Estavas a gritar. Foi um pesadelo? – justificou-se ele.
- Sim, foi. Desculpa de te acordei. Volta a dormir.
Ele saiu do quarto e a última imagem que Lara teve dele foi a da sua roupa: calções castanhos e blusa branca. A mesma roupa que ele tinha no dia anterior. Não estava de pijama. Isso queria dizer que ele não esteve a dormir. Respirou fundo e tentou convencer-se a si própria de que o perigo estava apenas na sua cabeça. Jonah não estava diferente. Não podia estar. Talvez estivesse só mesmo preocupado com ela. Virou-se para o outro lado, fechou os olhos e voltou a dormir.
Eram 6 da manhã. O despertador tocou. Um dia de trabalho estava prestes a começar. Lara sentou-se na cama e acendeu o candeeiro. Estaria a ver bem? Um papel parecido ao que encontrou na noite anterior estava na mesinha junto à cama. Olhou à sua volta. As janelas estavam todas fechadas. Só ela e Jonah estavam naquela casa. Tomou coragem e leu o bilhete:
“Os teus dias estão contados. Aproveita este”.
Aterrorizada, levantou-se rapidamente e saiu do quarto. Tudo parecia normal. O sol estava a nascer. Podia ouvir-se o canto dos pássaros. Não havia uma única entrada possível naquele lar. Jonah tinha estado no quarto dela naquela noite. A mensagem poderia ser dele? Não… Ele nunca a ameaçaria, certo?
Espreitou o jardim. Tommy rebolava nas folhas e flores. Se o cão tivesse visto alguém estranho entrar, teria ladrado. Ninguém parece ter entrado ou saído dali naquela noite. Onde estaria o grandalhão? Lara foi até ao seu quarto, abriu discretamente a porta e espreitou. Ele dormia como uma pedra.
Quem estaria a ameaça-la com bilhetes? Todos os dias seriam assim?  Fosse como fosse, ela tinha que ir trabalhar. Tomou um banho, vestiu-se e foi para o museu.
Lara não tinha motivos de queixa. Ela sempre foi apaixonada por coisas antigas. Afinal, ela é uma arqueóloga. Trabalhar num museu era uma diversão. Porém, uma diversão cansativa. Já não disfrutava de férias há um bom tempo.
Não era mal pensado. Sam estava fora e isso deixava-a entediada e sozinha. Claro que ela tinha o Jonah, mas ele estava realmente diferente. Já não se conseguiam divertir juntos. Passou a manhã num dilema: Ir ou não de férias? Finalmente tomou uma decisão e, na sua hora de almoço, foi falar com o patrão.
- Lara, és a nossa melhor guia. És a que sabe falar mais línguas, a que fala com maior fluência. Nota-se que és apaixonada nisto quando falas com os visitantes. – elogiava o patrão.
- Obrigado, senhor. – agradecia.
- Por isso mesmo não me é útil dar-te férias agora. Estamos numa época em que aparecem muitos turistas. Eles precisam de ser bem recebidos. – continuou.
- Estou realmente a precisar de férias, caso contrário eu não lhe estaria a pedir isto. Ando cansada e a minha vida pessoal também está um pouco… confusa. Preciso de viajar. Há meses que não saio de Londres. – insistiu ela.
- Lara, eu não posso negar-te férias por seres uma boa trabalhadora. Na verdade, mereces ser recompensada. Mais tarde posso dar-te umas folgas extra. Fui sincero contigo. Não tenho nenhuma outra justificação para te manter a trabalhar, portanto, estou apenas a pedir-te que adies essa viagem. Um pedido. Apenas isso. Sente-te à vontade para recusar.
Ela estava a entender perfeitamente onde ele queria chegar com aquela conversa. Nunca soube dizer que não. Está sempre pronta para ajudar. Além disso, umas folgas extra não seriam más. Lara só tinha de sobreviver àqueles dias, que estavam a ser horríveis.
O resto do dia no museu foi normal e tinha chegado a hora de regressar a casa. Pelo caminho, conversava ao telemóvel com Sam, que já estava a par de todos os mais recentes acontecimentos.
Chegou a casa. Não estava lá ninguém. Provavelmente Jonah estaria a trabalhar no restaurante. Foi à cozinha e não encontrou nada pronto para comer. Estava demasiado cansada para cozinhar ou ir às compras. No entanto, estava esfomeada. É isso! E se ela lhe fizesse uma surpresa? Podia ir jantar ao serviço dele! Ultimamente andavam tão distantes…
Tomou um duche rápido, mudou de roupa e saiu de casa. Chegou, sentou-se, leu o menu e escolheu um prato de peixe. Estava delicioso. Quando terminou chamou o empregado e pediu que este desse os parabéns ao cozinheiro Jonah, da parte de Lara Croft. Eis que foi surpreendida pela resposta que obteve:
- O cozinheiro Jonah não aparece cá há vários dias, senhora.
- Como assim? Não trabalha aqui? – confundiu-se.
- Trabalha sim. Mas desde a semana passada que não vem trabalhar e não deu nenhuma justificação. O chefe não sabe o que se passa e ainda está à espera de uma explicação antes de o dispensar. – explicou ele.
- Isso é estranho. Obrigado de qualquer forma. – agradeceu ela, oferecendo uma pequena gorjeta.
Como é possível? O Jonah faltar sem justificação? Desde a semana passada? Ele mentiu quando disse que queria encomendar comida por estar cansado de cozinhar no trabalho. Lara estava decidida a descobrir o que se estava a passar.   
- Jonah? – chamou ela, ao abrir a porta de casa.
Ela estava sozinha. Se ele não estava no restaurante, o que andava a fazer? Talvez encontrasse alguma pista ao explorar a casa. O grandalhão estava realmente diferente e estranho. Sim, Lara foi mexer nas coisas dele, mas com a intenção de o ajudar.
Começou pelo quarto. Abriu uma gaveta que tinha uma autêntica selva lá dentro. Na verdade, Jonah nunca foi muito organizado. Isso sim era dele. Encontrou algo, no mínimo, preocupante. Era um bloco de notas com as folhas iguais aos bilhetes que ela recebeu.

CAPÍTULO 7 – A mochila

Poderia ser apenas uma coincidência? Haviam folhas rasgadas e a primeira de todas tinha marcas de escrita. Ela arrancou esse papel e guardou no bolso. O que se estava a passar ali? O que se estava a passar com Jonah?
Fechou a gaveta, mas não deixou de procurar por pistas. Algo de muito sério estava a acontecer mas ela não conseguia entender o quê. Ouviu a fechadura da porta. Estava prestes a entrar alguém. Correu rapidamente para a cozinha e fingiu que bebia um copo de água.
O grandalhão entrou. Calções castanhos e blusa branca. A mesma roupa? Estranho. Trazia uma mochila às costas. Lara, desconfiada, testou-o:
- Estiveste a trabalhar?
- Sim, Lara. Onde querias que estivesse? – respondeu.
Mais uma mentira. Ele sempre foi sincero. Que motivos teria agora para mentir à sua melhor amiga? Eles sempre contaram tudo um ao outro. Ele devia ter problemas graves em mãos.
- Como correu o trabalho? – continuou ela.
- Foi normal.
- Jonah, eu sei que não foste trabalhar.
- Do que estás a falar? Claro que fui.
- Eu estive no restaurante. O empregado disse-me que não apareces lá desde a semana passada. O que se passa?
- Lara, já te disse que fui trabalhar. Já não confias em mim, é?
- Claro que confio. Mas porque é que me mentiriam no teu serviço?
- E porque é que eu te mentiria, Lara? – irritou-se ele.
- Tens razão, desculpa. Deve ter sido uma brincadeira qualquer. – concordou ela.
Lara não estava nem um pouco convencida. Só não quis prolongar a discussão. Afinal, ela estava a viver na casa dele. Jonah foi até ao quarto e não saiu de lá por bastante tempo. Se ele tinha realmente ido trabalhar, aquela mochila carregava a sua farda. Ela foi até ao quarto e abriu a porta silenciosamente. Ele estava a dormir. Cansado de um dia de trabalho?
A mala estava no chão, junto à cama. Não foi difícil consegui-la.  Levou-a até ao quarto de hóspedes e trancou-se lá dentro. Abriu-a. Não havia nenhuma roupa. Encontrou, porém, duas pequenas marmitas vazias, com restos de comida, e uma garrafa de água. Seria o almoço que levou para o restaurante? Se fosse, a farda tinha de estar algures no quarto dele porque o grandalhão não saiu de lá desde que chegou.
De repente, a maçaneta do quarto rodou.
-Lara, estás aí? – chamava ele – Onde está a mochila que trouxe comigo?
- Estou a mudar de roupa, Jonah. Já falo contigo. – mentiu ela.
Sem saber o que fazer, escondeu a mala debaixo da cama, mudou rapidamente de roupa e abriu a porta. Jonah entrou disparado e começou a revistar o quarto todo. Certamente não ia levar muito tempo até verificar debaixo da cama.
- O que estás a fazer? – gritava ela no meio da confusão.
Não obteve nenhuma resposta. Ele não podia descobrir ela lhe tirou a mochila. Por sorte, antes de espreitar a cama, ele foi procurar na casa de banho do quarto. Lara aproveitou e tirou a mala do esconderijo, correu até ao quarto do Jonah e colocou-a no mesmo sítio. Quando voltou, ele ainda a estava a procurar.
- Precisas de alguma coisa? Talvez eu saiba onde está.
- Onde está a mochila que eu trouxe do trabalho? – gritou ele, atirando o espelho ao chão.
- Jonah, calma! Levaste-a para o quarto, só pode estar lá! – gritava, assustada.
- Não está! – esperneava ele, enquanto partia tudo o que encontrava.
Aquele definitivamente não era o Jonah que ela conhecia. Como é que toda aquela serenidade se transformou em ódio de um dia para o outro? Quebrar tudo à procura de uma coisa? Ele nunca faria isso.
Lara, enervada, agarrou na mochila e atirou-a com raiva à cara dele.
- Está aqui! – gritou ela – Estava no teu quarto! Estás louco! Partiste tudo à procura disto? O que se passa contigo Jonah? Diz-me!
Saiu dali sem dizer uma palavra. O quarto estava completamente vandalizado. Ela estava verdadeiramente chocada com o comportamento do amigo.
Foi até ao quarto dele, para terem uma conversa, mas ele estava trancado e não respondia quando ela chamava o seu nome. Deviam haver mais pistas no quarto dele. Aquela mochila tinha de ter mais qualquer coisa! Para além disso, ela precisava de encontrar a farda.
Talvez ele escondesse algo na restante casa. Ela abriu cada gaveta e cada armário e não encontrou nada suspeito. Só quando voltasse a ficar sozinha é que podia investigar mais. Foi então que se lembrou do papel que tinha guardado no bolso. Lara começou a procurar por um lápis. Quando o encontrou, apoiou a folha numa mesa e pintou-a levemente. Apareceu uma mensagem que lhe era bem familiar:
“Os teus dias estão contados. Aproveita este”.

CAPÍTULO 8 – Câmara oculta

A mesma mensagem que tinha recebido naquela noite! O bloco de notas era do Jonah. Como é que ele seria capaz de ameaçá-la? Quais seriam as suas razões? Onde é que ele estaria a querer chegar com aqueles bilhetes?
Lara não podia confrontá-lo com a situação. Se ele ficou naquele estado por ter perdido a mochila, o que faria se descobrisse que ela lhe andava a mexer nas coisas? Teve uma ideia!  Filmar-se a dormir e descobrir de uma vez por todas de onde vinham os recados.
Para isso, ela precisava da sua câmara com visão noturna, que estava algures no seu apartamento. A tarde estava a terminar quando lá chegou. Tinha uma vaga ideia de a ter deixado no quarto de Sam. Encontrou-a numa prateleira empoeirada e sorriu ao pensar na sua utilidade.
A sua vista passou pela janela e viu algo arrepiante: Jonah estava lá em baixo, parado, a olhar para ali. Ele não estava a dormir? Confusa, desceu. Lá fora, não viu ninguém. Não havia sinal dele.
Quando voltou chamou pelo amigo e ninguém respondeu. Foi até ao quarto dele e a porta continuava trancada, como se ele nunca tivesse saído dali. Não era altura para pensar naquilo. Coisas estranhas não eram novidade nos últimos dias. Ela tinha de por o seu esquema em prática.
Colocou a câmara, apontada para a cama e para a mesinha do costume, entre dois livros. No escuro, quem entrasse ali, nunca iria reparar naquilo. Pelo menos, era o que ela esperava. A máquina não tinha capacidade para ficar a gravar toda a noite, então ela tinha que ir dormir o mais tarde possível, mesmo trabalhando cedo no dia seguinte.
Anoiteceu. Jonah continuava fechado. Lara, apesar de sonolenta, assistia um documentário sobre arqueologia na televisão. Como eles conseguiam passar a vida em escavações? Lara via aquela profissão como uma aventura. Claro que ela se arriscava muito mais, mas também descobria coisas muito mais interessantes do que apenas ossos. Ela estava tão entretida que, por vezes, se esquecia de onde estava. O tempo passou tão rápido que, de repente, já eram 2 da madrugada. Estava na hora de ir dormir. Ligou a câmara, desviou parte do vandalismo daquela tarde, de cima da cama para o chão, deitou-se e adormeceu. O que lhe esperava com o nascer do sol?  
Eram 6 da manhã. O despertador tocou. Lara sentou-se e acendeu o candeeiro. Surpresa! Mais um bilhete. Estava a tornar-se rotina. Desta vez a mensagem era um pouco mais intrigante:
“Amanhã começamos um jogo. Mal posso esperar.”
Lara, ao terminar de ler, atravessou os olhos para a máquina e sorriu. Estava prestes a descobrir toda a verdade. Levantou-se e agarrou na câmara. Não pode ser! Estava vazia. Não tinha gravação nenhuma. Nem sequer lá estavam as fotos das suas últimas férias em Veneza. O aparelho estava como novo. O plano não resultou. Quem ali deixou o papel, mais uma vez, não deixou rasto. Pensando melhor, Jonah estava por perto quando a arqueóloga foi ao apartamento. Tudo apontava para ele. Tudo. Só podia ser ele, claro.
E agora? As únicas pistas ainda investigáveis eram a mochila e a farda. Tudo no quarto do cozinheiro. Foi até lá mas a porta continuava trancada. Não tinha tempo para aquilo. O museu estava à sua espera.
Foi um dia normal. Calmo e tranquilo. Por mais que gostasse daquilo, dizer todos os dias as mesmas coisas, receber todos os dias as mesmas perguntas dos visitantes, almoçar todos os dias a mesma sandes de queijo e andar o mesmo caminho todos os dias, cansava. Lara estava realmente a precisar de umas férias, mas não queria contrariar o patrão. Ela precisava muito daquele emprego. Era o seu principal sustento.
No regresso a casa, quando estava mesmo a chegar, viu a porta a abrir-se. Escondeu-se automaticamente atrás de umas plantas. Jonah estava a sair. Calções castanhos, blusa branca e mochila, mais uma vez. Olhava cautelosamente para os lados, como se não pudesse ser visto. Era a oportunidade perfeita para procurar mais pistas.
Sozinha em casa, foi até ao quarto e desiludiu-se com a porta trancada. Ele que sempre foi um livro aberto? Trancar o quarto? Tinha algo a esconder, isso era certo. Nesse caso, onde haveria ela de encontrar mais pistas? É isso! Bastava segui-lo!
Correu até lá fora. Olhou a toda a volta e já não conseguiu vê-lo. Tarde demais. Irritada, voltou para dentro e começou a pensar no que fazer. Arrombar a porta foi a sua primeira ideia. Na verdade, a primeira e a última. Ela tinha que descobrir o que se estava a passar. Deu um pontapé um pouco abaixo da fechadura e a porta abriu-se imediatamente.
Foi um impulso. A porta estava estragada. E agora? Que explicação iria ela dar ao grandalhão? Agora era tarde para pensar nisso. Já que ela estava lá dentro, que fizesse o que era suposto. Tinha de ser rápida. A qualquer momento o cozinheiro podia chegar.
Abriu a mesma gaveta. Estava lá o bloco de notas, agora com mais uma folha rasgada. Num armário encontrou a farda do restaurante. Dobrada. Limpa. Como? Ele não saiu do quarto no dia anterior para a lavar. Ele estava mesmo a mentir! Não saía de casa para ir trabalhar. Abriu uma outra gaveta e encontrou uma faca. Uma única faca. Longe da cozinha. Longe de todos os talheres da casa. Estranho. Não era, porém, uma faca de culinária. Era uma faca tática.
Jonah entrou em casa em silêncio. Lara não o ouviu. Aproximou-se sorrateiramente do quarto, por já suspeitar do que se passava. Viu-a com a tal faca na mão e o bloco de notas em cima da mesa.
- Lara! O que é que pensas que estás a fazer? – gritou ele, agredindo-a brutalmente na cara.

CAPÍTULO 9 – Adeus, Jonah

Ela levou a mão ao rosto. Doía-lhe. Mais do que a dor física, a dor na alma inundou os seus olhos de lágrimas. Como é que ele foi capaz? Desta vez não era nenhum pesadelo. Pura realidade. Olhava para ele totalmente desiludida. Saiu do seu quarto, empurrando-o para passar pela porta.
Começou a tirar toda a sua roupa para a mala. Foi a gota de água. Ela não ficava naquela casa nem mais um minuto. Ele foi atrás dela, a correr, demonstrando arrependimento. Parecia nervoso. Mais do que o costume. O que ele fez não tinha perdão. Bater-lhe? Lara pegou apenas no essencial, por estar com pressa de fugir dali. Saiu a correr lavada em lágrimas, com a promessa de voltar no dia seguinte para arrumar o resto das suas coisas.
Estava a subir a rua, a caminho do apartamento, quando recebeu uma chamada de Sam.
- Sam?
-Lara? Estás a chorar? O que aconteceu?
- O Jonah bateu-me. – lamentou-se ela.
- O quê? Como?
- Eu estava a mexer nas coisas dele e ele apanhou-me. Sam, ele não está bem. Alguma coisa se passa. Não sei o que fazer. Estou bem assustada. – chorava.
- Calma! Onde estás agora?
- A caminho do apartamento. Na casa dele não fico mais.
- Lara,  vou apanhar o próximo voo para aí. Estás a preocupar-me. Nada parece estar normal desde que parti. – afirmou Sam.
- Nem penses! Precisamos do dinheiro desse trabalho! Fica aí. Não te preocupes comigo.
- Lara, como é que vou conseguir trabalhar sabendo que andas a receber ameaças e que o Jonah te bate?
- Ele não me bate. Bateu-me. Aconteceu.
- Agora estás a defendê-lo, é? – irritou-se.
- Claro que não! Nunca! Mas foi só uma vez. Por favor fica em Singapura. Faz isso por mim.
- Mas estás a voltar para a nossa casa. Não te sentias sozinha?
- E sinto-me. Mas entre estar sozinha e estar sozinha com o Jonah louco, acho que prefiro a primeira opção.
- Tens razão. Lá não estás segura.
- Saí da casa dele mas não desisti de descobrir o que se passa. – esclareceu ela, abrindo a porta do prédio.
- O que tens em mente?
- Acho que vou começar a segui-lo. Ele anda a sair de casa com uma mochila, mas não vai para o restaurante.
- Lara, promete-me que tens cuidado. – pediu.
- Claro, Sam. Não tens mesmo com o que te preocupar. – respondeu, entrando em casa.
- Confio em ti. Estás de folga hoje?
- Meu deus! O trabalho!
- Que foi? Esqueceste-te?
- Completamente! Tenho de ir. Falamos mais logo. – despediu-se ela, correndo para o museu.
O dia de trabalho, por conta da sua vida pessoal, não foi fácil. Lara ainda respondeu agressivamente a um ou dois turistas. Ainda bem que o patrão não viu. Tudo passou demasiado lentamente. Ela estava cansada e com sono. Finalmente a hora de sair chegou.
- Olá. – atendeu Sam.
- Já estou a ir para casa. Conversamos tanto sobre o Jonah que nem me disseste como estás.
- Com saudades tuas, só isso.
- Quantos dias ainda vais ficar por aí?
- Não sei. Alguns. Espero que não muitos.
- Lá vou eu deprimir aqui sozinha. – protestou, entrando no apartamento.
- Ainda tens a chave da casa do Jonah? Podias ir procurar mais pistas. Tens de o ajudar.
- Já não a tenho. Mas também não há mais pistas. Já procurei tudo, acredita.
- Não ias começar a segui-lo? – continuou.
- Vou. Mas não hoje. Estou demasiado cansada. Além disso, estou com medo.
- Medo? O que foi? – perguntou, preocupada.
- O bilhete de hoje dizia que amanhã vamos começar um jogo.
- Um jogo? Mas “vamos” quem? – confundiu-se.
- Eu e a pessoa que me anda a ameaçar, provavelmente.  Tenho medo do que seja.
- Lara, estás a assustar-me.
- Não sei quem está a fazer isto, mas está a conseguir brincar com a minha vida.
- Talvez seja esse o objetivo dessa pessoa.
- Até estou com medo de ir dormir. Já sei que amanhã acordo com um novo papel ao lado da cama. As mensagens estão cada vez mais estranhas. Sam, achas que devo envolver a polícia nisto?
- Talvez seja melhor. Assim vais sentir-te mais segura.
- Mas não quero acusar o Jonah. Tudo aponta para ele.
- Isso também é verdade. Bem, vais ter que ser tu a decidir. Tenho de desligar. Até amanhã! Qualquer coisa avisa-me. – despediu-se.
Ali estava ela, de novo, sozinha. Aborrecida e exausta, decidiu ir dormir mais cedo. Então, tomou um banho, mudou de roupa e deitou-se. Ficou um bom tempo acordada a pensar se devia contar ou não com a ajuda das autoridades. Para além disso, estava a sofrer por antecipação. Que jogo macabro a esperaria no dia seguinte?
Amanheceu. Sábado. Hoje Lara não trabalhava. Pôde finalmente dormir até mais tarde. A mesinha estava vazia. Não havia papel nenhum. Estranho.

CAPÍTULO 10 - Harry

Ligou de imediato para Sam.
-  O quê? Não havia nenhum bilhete hoje? – surpreendeu-se ela ao ouvir as novidades.
- Não! E isso só me deixa com mais medo.
- Então e já decidiste se vais querer a ajuda da polícia? É que eu estive a pensar e tive uma ideia melhor.
- Fala. – pediu.
- Tenho um amigo paparazzo que está desempregado. Ele pode servir como detetive e deve fazer-te um bom preço. Queres que fale com ele? – explicou a jornalista.
- Isso seria ótimo! Obrigada!
- Então vou ligar-lhe. Até já! – despediu-se.
Ansiosa, foi comer qualquer coisa, ainda que sem fome. A amiga não demorou muito e voltou a contactá-la. Harry aceitou a proposta e Lara anotou o número de telefone do fotógrafo. Combinaram encontrar-se no apartamento dali a duas horas para conversarem melhor sobre todos os detalhes.
Foi tempo suficiente para um banho e uma ida rápida às compras. Bateram à porta. Lara abriu e cumprimentou o homem, que ainda era seu desconhecido. Deu-lhe a morada de Jonah e explicou que o amigo andava estranho. Solicitou-lhe que descobrisse o que se passava, apenas isso.
Harry pediu-lhe algum dinheiro adiantado e Lara foi ao quarto buscar a carteira para fazerem contas. Não demorou nem um minuto. Quando voltou, o homem estava morto no sofá! Não havia sinal de sangue. Mais uma vez, as portas e as janelas estavam todas fechadas. Ele estava com uma expressão aterrorizante. Boca escancarada, olhos arregaladíssimos e sobrancelhas que indicavam susto e medo. O que teria causado a sua morte? O que ele teria visto antes de partir?
Lara, ao deparar-se com o fotógrafo morto, sentiu o seu coração acelerar de tal forma que se sentiu mal. Encostou-se a uma parede e, com uma mão na boca de espanto, observava o cadáver no meio da sua sala.
Ouviu passos. Estava alguém a descer as escadas do prédio. Abriu rapidamente a porta de casa e correu, mas só viu uma sombra a virar à esquina. Continuou a descer e conseguiu ver uma silhueta sair do edifício. Talvez fosse paranóia, mas parecia-lhe ser Jonah. Chegou lá fora e não viu ninguém. A rua estava deserta.
Ouviu-se um grito. Vinha de lá de cima. Lara correu. Tinha deixado a porta do apartamento aberta. Estava lá a vizinha, assustadíssima por ver um homem morto no sofá.
- Chamem a polícia! Chamem a polícia por amor de Deus! – gritava ela.
- Tenha calma, por favor! – pediu Lara.
- É a  menina que vive aqui? É a assassina? Socorro! – fugiu ela.
Lara, sem saber o que fazer, fechou-se lá dentro com o falecido e ligou para Sam.
- Olá! Então? Já combinaste tudo com o Harry? – atendeu ela.
- Sam, ele está morto! – chorou – Fui buscar a minha carteira ao quarto, voltei e ele estava morto! Está aqui no meu sofá. Não sei o que fazer, ajuda-me!
- O quê? Como é possível? Lara, chama a polícia rápido! É o melhor que tens a fazer.
- Vão achar que fui eu que o matei! – desesperou-se ela, inundada em lágrimas.
- Lara, liga já à polícia antes que alguém o faça! Quem não deve não teme.
- Sam, está um homem morto na minha sala e eu estou sozinha com ele em casa! Digo o quê? Que fui ao quarto e quando voltei ele estava assim? Estás louca? – insistia.
- Dizes a verdade! Liga agora mesmo para a polícia antes que seja tarde!
Nesse momento o som de uma sirene invadiu o local e a sala foi iluminada por luzes vermelhas e azuis, vindas da janela. A polícia estava a chegar. Lara entrou em pânico e Sam tentou acalmá-la:
- Quando eles chegarem tu simplesmente contas toda a verdade!
- Polícia! Deixe-nos entrar. – ouviu-se juntamente com umas batidas na porta.
Ela simplesmente desligou o telemóvel e manteve-se em silêncio. Não era obrigada a abrir e podia perfeitamente não estar em casa. Por outro lado, eles não iam desistir. Se não fosse naquele momento, teria de os enfrentar noutra altura. Ela não tinha nada a esconder. Encheu o peito de coragem e abriu a porta.
- Boa noite. – saudou ela, limpando as lágrimas.
- Boa noite. – respondeu um dos dois agentes, desviando o olhar para o sofá da sala.
Lara, nervosa, deixou-os entrar.
- O que se passou aqui? – inquiriram.
- Estávamos a conversar, fui ao quarto por uns instantes e quando voltei ele estava morto. Pode parecer estranho, mas juro que foi isto que aconteceu.
- Como é que a vizinhança soube disto? Porque é que estava aqui fechada com ele?
- Eu fui lá fora ver se encontrava alguém e quando voltei tinha uma vizinha aqui a gritar. Fechei-me aqui desesperada sem saber o que fazer, com medo de ser acusada.
- Bem, acompanhe-nos até à esquadra para prestar declarações. Esta história parece-me mal contada.
- Para a esquadra? Tem mesmo de ser?
- Não me parece que ele tenha sido assassinado. De qualquer forma, tem de vir.
Lara engoliu em seco e acompanhou os guardas. Harry preparava-se para a autópsia. Teve tempo de se acalmar e beber um pouco de água. Estava numa sala com dois polícias. Um estava em pé e anotava tudo o que era dito. O outro sentado numa mesa com a arqueóloga. Ela teve a oportunidade de explicar tudo muito mais pormenorizadamente. Falou-lhes do plano que tinha com aquele homem que mal conhecia. Disse que ia usá-lo como detetive, mas escondeu-lhes as suas intenções. No fim da conversa apenas lhe foi dito que não se afastasse muito nos próximos tempos.
No caminho para casa contou tudo a Sam. Que dia horrível. Era hora de jantar e ela nem tinha almoçado. Na verdade, não tinha disposição para comer. Entrou no apartamento. Harry já não estava lá. Já o tinham levado. O sofá continuava desarrumado. Tentou arrumá-lo mas a imagem do paparazzo morto não lhe saia da cabeça.
Lembrou-se que ainda tinha de passar na casa de Jonah para trazer o resto das suas coisas. Sentiu uma mistura de medo e preguiça. Tinha de voltar ali. Tinha de voltar a olhar para a cara dele depois de tudo. Tinha de voltar a entrar naquele quarto.
O dia estava a terminar e ela não tinha recebido um único bilhete. De qualquer forma, parada à espera que as coisas acontecessem ela não podia ficar. Foi até à casa do cozinheiro.
Bateu à porta.
- Pequeno pássaro! – abriu ele, com um sorriso no rosto.
- Vim só buscar o resto das minhas coisas. Já me vou embora. – explicou, entrando.
Pegou em tudo o mais rápido possível para não ter de ficar ali muito tempo. Enquanto isso, ele tentava mostrar arrependimento e pedia perdão. Lara ignorava-o e quando se preparava para ir embora, sentiu uma forte dor na cabeça, que lhe fez cair inconsciente no chão. O jogo estava prestes a começar.

CAPÍTULO 11 – A primeira jogada

A escuridão começou a desaparecer. Lara estava a acordar. Estava frio e cheirava a sangue. Para além da forte dor na cabeça, algo a magoava no seu pulso esquerdo. Sentou-se. Ainda não se sentia preparada para se levantar. Levou a mão à testa e fechou os olhos. Olhou, depois, para o braço. Tinha o pulso esquerdo cortado! Bastante sangue tinha sido derramado.
Estava tonta mas conseguiu erguer-se, apoiando-se em móveis e paredes. Estava a ver tudo à roda. O que tinha acontecido ali? Ainda estava na casa de Jonah. A porta da rua estava aberta e permitia a entrada de um vento gelado. Onde ele estaria? Foi até à cozinha procurar algo para tratar do corte que tinha e viu-o caído no chão. Não havia sinal de sangue. Chamou o seu nome mas não tinha forças para falar alto. Tropeçou e caiu de joelhos aos pés do grandalhão. Começou a tentar acordá-lo com empurrões.
Não demorou muito até este reagir. Sentou-se e olhou fixamente para a arqueóloga. A sua testa estava uma mistura de vermelho com negro. Reparou, depois, no pulso. Estava cortado. Olhou para o seu. Não estava assim. O dele estava normal.
- O que se passou aqui? – gemia ela, com dores.
- Não sei! Só me lembro de estares a ir embora e de sentir uma pancada na cabeça. – explicou ele.
- Também só me recordo disso…
Jonah não parecia magoado. Não tinha nenhuma expressão que indicasse dor ou sofrimento e não apresentava sinais físicos. Isto é, não tinha a cabeça magoada como Lara, nem o pulso cortado. No entanto, parecia tão confuso quanto ela.
- Vou buscar algo para te curares. – informou ele, saindo normalmente dali.
Ela, por outro lado, coxeava e ainda se sentia tonta. Sentou-se numa cadeira enquanto esperava. O grandalhão chegou e pousou na mesa um kit de primeiros socorros.
- Quem mais estava nesta casa quando eu vim buscar as minhas coisas? – inquiriu ela, ainda nervosa.
- Mais ninguém! Não consigo entender o que se passou aqui!
- Jonah, conta-me a verdade. O que se passa contigo? Ultimamente andas tão estranho…
- Estranho? Não ando nada!
- Achas que não? Nunca te vi com raiva, com ódio, nervoso. Nunca te ouvi gritar, nunca foste tão antipático nem impaciente. Nunca me mentiste e, mais importante de tudo, nunca me bateste! Não aguento mais isto. Estou aqui a pedir-te! Conta-me o que se passa! – implorou.
- As tuas coisas ainda estão na porta. Já estás curada. Vai para casa. – respondeu.
Surpreendida, fez um esforço e levantou-se. Não lhe dirigiu mais nenhuma palavra e saiu da cozinha. Doía-lhe muito a cabeça e ela ainda não tinha visto o seu estado. Olhou para trás. Jonah continuava lá dentro. Lara aproveitou e foi até à casa de banho, com a intenção de se ver ao espelho.
Ao entrar escorregou e caiu, por estar com pouco equilíbrio. A sua mão estava no chão e sentiu um líquido. Olhou. Era sangue. Como? Ela tinha sido atacada junto à porta da rua e o grandalhão na cozinha. O que se estava a passar ali? Acendeu a luz e viu o cão morto, com o que parecia ser uma facada nas costas.
- Jonah! – gritou.
- Ainda estás aqui? – irritou-se ele, ao aproximar-se.
Viu o seu cachorro morto, caído sobre uma poça de sangue. Não se mostrou triste e nem um pouco chateado. Nenhuma lágrima surgiu.
- Pobre cão. – foram as únicas palavras que disse.
- Jonah, mataram-te o cão e tu estás assim tão calmo? – gritou.
- Tenho pena. Se fosse um de nós seria bem pior. – continuou ele, calmíssimo.
Lara tinha passado tão pouco tempo com o bicho e já tinha desenvolvido um certo afeto por ele. Como podia Jonah, o seu dono, estar tão indiferente perante aquela situação? Estava tão farta de tudo que lhe virou as costas e dirigiu-se para a rua.
Quando esticou o braço para agarrar nos seus pertences, viu um bilhete em cima de uma mala. Nesse momento ouviu-se o sino da igreja mais próxima. Eram dez da noite. Ainda era o dia de começar “o jogo”. Assustada, agarrou no papel.
“A partir de agora uma maldição caiu sobre ti. Esse corte no teu pulso é o elevador para o inferno. A primeira jogada foi minha. O fim será sempre a morte. Ainda assim, dou-te a oportunidade de poderes viver mais ou menos tempo, consoante o teu comportamento. As desgraças vão surgir. Uma atrás da outra. Os teus maiores medos vão tornar-se realidade. Todos os dias vais receber novas instruções e, se não as cumprires, o teu tempo diminui. Diminui cada vez mais. Diminui até que desapareça. Diminui até que a morte te alcance. Se queres que as coisas corram bem para o teu lado, leva isto a sério. Ou quando acordares já será tarde demais…
Diverte-te.”

CAPÍTULO 12 – Cinco dias

Olhou para trás e abriu a boca por um momento, para chamar Jonah. Desistiu da ideia, amassou o papel, atirou-o ao chão, agarrou nas suas coisas e saiu dali, batendo com a porta.
- Olá, Lara! – atendeu Sam.
- Não imaginas o que aconteceu!
- O que se passa? Estás bem? – preocupou-se.
- Fui a casa do Jonah buscar tudo o que tinha deixado lá e fui atacada!
- O quê? Ele voltou a bater-te?
- Não! Ele também foi atacado. Estava a ir-me embora quando senti uma forte pancada na cabeça. Acordei e vi o Jonah inconsciente no chão. O meu pulso estava cortado e o cão dele morto.
- Não sei se estou a perceber bem isto. O que se passou aí? – perguntou, confusa.
- Calma, ainda não cheguei à parte mais importante. Encontrei mais um bilhete. Este era bem diferente dos outros. Dizia que eu estou amaldiçoada e que vou receber instruções todos os dias para poder prolongar a minha vida, mas que o fim será sempre a morte.
- Amaldiçoada? Mas como? Não acreditas nisso, pois não?
- Acho que foi através do corte no meu pulso. Nem sei se acredito nisto, mas com tudo o que já vi de sobrenatural na vida, uma simples praga não me surpreenderia. – explicou Lara.
- Então era este o jogo que ele tinha preparado para ti? Uma maldição? E que tipo de maldição? Não estou a perceber nada.
- Eu também não percebi bem. Li qualquer coisa sobre desgraças e medos. Estou assustada.
- Acho que esse é o objetivo de quem te está a fazer isto… Só te querem assustar. Fica calma.
- Talvez seja, mas continuo com medo.
- Mas então não é o Jonah que te anda a ameaçar? Disseste que ele também foi atacado. Se não é ele então quem é? E porque razão ele anda assim tão estranho?
- Não sei, Sam. O que aconteceu só deixou as coisas mais complicadas do que já eram.
- E do Harry? Já sabes alguma coisa?
- Nada. Devem estar a fazer-lhe a autópsia.
- Ele morreu do nada. Isso é muito estranho.
- Não vamos falar sobre isso. – pediu ela.
- Tens razão, desculpa. Vou ter de desligar. Até logo!
Lara entrou no apartamento. Passou pelo sofá onde tudo tinha acontecido e foi diretamente até ao seu quarto. Ligou o computador e começou a pesquisar sobre maldições. Como sempre, ela sentia a necessidade de estar informada e de descobrir tudo o que fosse possível sobre tudo o que fosse do seu interesse. Levou horas a pesquisar.
Quando reparou, já era de madrugada. Não encontrou nada que se encaixasse com a sua situação. Uma praga através de um corte no pulso? Aquilo parecia não existir. Talvez Sam tivesse razão. Talvez só quisessem assustá-la.
Por outro lado, pela primeira vez algo aconteceu e o Jonah não parecia ser o culpado. Agora ela sentia mais vontade de envolver a polícia no assunto. Era tarde. Ela não tinha comido nada todo o dia e continuava sem fome. Uma boa noite de sono podia trazer-lhe alguma ideia ou conclusão. Deitou-se e fechou os olhos. Encontraria um novo bilhete com o amanhecer?
Eram oito da manhã. Lara acordou com o telefone a tocar. Quem poderia ser tão cedo? Levantou-se e seguiu o barulho. Era o seu patrão. Num domingo? Atendeu:
- Estou? Bom dia.
- Bom dia, Lara. Não trago boas notícias.
- O que se passa?
- Vim informar-te que estás despedida do museu. Não posso tolerar os teus atrasos constantes e já recebi várias queixas de visitantes, por seres antipática e mal educada. Amanhã passa aqui para fazermos contas, mas não penses que vais receber muito. Estamos no inicio do mês. Tem um bom dia. Até amanhã.
Ele desligou a chamada e nem deu oportunidade de resposta. Lara estava bastante confusa. Como iria sobreviver agora? Pousou o telefone, ainda chocada.
Lembrou-se, depois, de verificar se tinha recebido algum bilhete. Voltou ao quarto e encontrou um papel em cima da mesinha ao lado, como já não acontecia há algum tempo.
“A contagem começou. Tens 5 dias para conseguires travar a praga. Caso contrário, o fim é a morte, já sabes. Para tornar tudo mais emocionante, só amanhã te vou dizer como a maldição pode ser parada, quando já tiveres perdido um dia. Espero que já estejas a levar isto a sério, ou teremos problemas.
Até amanhã.”

CAPÍTULO 13 – Pedido de ajuda

- O quê? O corpo o quê? – gritava o polícia, ao telefone.
- Não sabemos como isto aconteceu, mas já temos todo o pessoal a procurá-lo! – justificava-se o médico legista.
- Como é que se perde um corpo? Como? – continuava o agente, irritado.
- Ele simplesmente desapareceu. Deve haver alguma explicação para o sucedido! Não se preocupe.
- Não me preocupo? Esta autópsia é crucial para o caso que estou a investigar! Trate de encontrar o corpo do senhor Harry. Bom dia.
Entretanto, desesperada, Lara permanecia sentada na cama. Como ia sobreviver agora? Aquele emprego era importante para ela. Será que a maldição era real? E se ela tivesse sido despedida por isso? Ainda não estava muito convencida. De qualquer forma,  ligou para Sam e contou tudo:
- Sim, Sam. Fui despedida. E recebi um bilhete que dizia que só tenho mais 5 dias de vida.
- Tem calma. Com as tuas habilitações encontras outro emprego rápido. E quanto a essa praga, esquece-a! Vais ver que passam os 5 dias e não acontece nada.
Alguém bateu à porta. Lara despediu-se da amiga com a promessa de voltarem a falar mais tarde. Abriu. Era um polícia. O mesmo polícia que tinha ali estado no dia da morte de Harry. O mesmo polícia que interrogou Lara na esquadra. Aquele polícia que tinha falado com o médico naquela manhã.
- Bom dia. Vim revistar a casa. Com licença.
- Veio o quê? – inquiriu ela, tapando a entrada com o braço – Sei que o senhor precisa de um mandato do juiz para revistar este apartamento. E sei também que tem de ser um policial feminino a fazê-lo.
O agente, atrapalhado, recuou:
- Muito bem. Nesse caso vou-me embora. Mas volto.
- Tenha um bom dia. – despediu-se ela, chateada.
- Igualmente. – disse ele, com um olhar ameaçador.
Agora, desempregada, Lara tinha tempo suficiente para tratar da maldição e tentar descobrir toda a verdade. Ela só tinha 5 dias. Depois do que se passou na casa de Jonah, ele já não parecia ser o culpado. Era o momento perfeito para envolver a polícia no caso. Abriu rapidamente a porta e chamou:
- Espere! Senhor polícia? Volte, por favor.
- Em que posso ajudar? – inquiriu ele, ao dar meia volta.
- Quero fazer uma denúncia.
- Então acompanhe-me.
Antes de sair, foi até ao quarto e agarrou em todos os bilhetes que tinha guardado. Foram até à esquadra e Lara teve de explicar tudo. Mostrou os papéis, contou toda a história e não se esqueceu de nenhum pormenor. Estava feito. Agora o caso ia ser investigado. Aquela atitude já tinha sido demasiado adiada. Metade da história já tinha sido contada quando ela teve de prestar declarações após a morte de Harry. Agora, porém, ela não lhe escondeu nada.
Obviamente, com uma conversa sobre maldições e sobrenaturalidades, o polícia não a levou muito a sério. Ficou mais convencido de que ela era louca e de que tinha assassinado o paparazzo. Por outro lado, investigar dois casos interligados tornava as coisas muito mais interessantes e despertava uma velha paixão que o tinha levado àquela profissão: o mistério.
A caminho de casa, ligou para a amiga a contar tudo:
- Sam, finalmente envolvi a polícia nisto. Agora vão investigar.
- Acho que fizeste bem. – concordou ela.
- A conversa entre mim e o agente foi demasiado estranha e constrangedora. Fiquei com a sensação de que ele me achou louca.
- Ele não tem de achar nada. Tem de fazer o seu trabalho e investigar o caso.
- Nisso tens razão.
Nesse momento a rainha do sol soltou um relâmpago sobre uma árvore, que se incendiou. Os Solarii começaram a surgir das tirolesas e os tiros começaram a ouvir-se. Lara levou a mão às costas mas não encontrou nenhum arco nem nenhuma flecha. O cheiro a queimado. O som das ondas. Sangue, muito sangue. Já não estava na sua cidade. Estava de volta à ilha de Yamatai. Começou a ter dificuldades em respirar. Viu Alex. Viu Grim. Viu Roth. Ouviu a voz de Sam. Ela tinha de ajudar a amiga! Onde ela estava? Onde?
- Lara? – gritava.
A arqueóloga fechou os olhos com toda a força e começou a imaginar a sua cidade. O seu apartamento. Abriu os olhos e já estava tudo bem. Ela estava deitada no chão. No meio da rua. Completamente suada e aflita, seguiu, confusa, a voz da amiga.
- Lara?
Vinha do telemóvel, caído no chão, mesmo ao seu lado. Olhou à sua volta. As pessoas estavam assustadas, a olhar para ela. Tinha dois desconhecidos a tentar ajudá-la. Estendiam a mão, como se quisessem levantá-la do asfalto. Agarrou no telemóvel e levantou-se sozinha.
Tinha tido a sua primeira crise de pânico e ansiedade dos últimos meses. Já tinha parado a terapia. Achou que já tinha sido curada. Um dos seus maiores medos era que aquelas memórias voltassem para lhe assombrar.
- Sam? Estou aqui. – chorava ela.
- Lara!  O que se passou? Estavas a gritar. – preocupou-se.
- Depois falamos, pode ser? Até logo. – desligou.
Olhou para trás. O polícia estava na porta da esquadra. Tinha assistido a tudo.

CAPÍTULO 14 – Apenas o começo

Baixou a cabeça e continuou o caminho até casa. Entrou bastante assustada. Andava de um lado para o outro com a mão na cabeça. Estava a acontecer de novo. As imagens de tudo o que ela passou tinham voltado.
- Lara, estás bem? – atendeu, Sam.
- Não. Não estou nada bem! As minhas crises voltaram! Eu vi tudo de novo. Eu vivenciei tudo de novo. Foi horrível.
- Calma! Pensei que já tinhas ultrapassado isso.
- Também eu! É a maldição, Sam. Não percebes? Estou em pânico.
- Estás a preocupar-me! Mantem a calma! – pediu ela.
- Calma? A minha vida está nas mãos de uma praga e tu pedes calma?
- Lara, se essa maldição for real, tu não podes estar enervada dessa maneira. Se a praga consiste em realizar os teus maiores medos, tens de lutar contra eles. Caso contrário, tudo o que tiveres medo que aconteça vai acontecer. Incluindo a morte. Por favor, promete-me que te vais acalmar!
- Vou tentar. Mas estou realmente com medo. Tenho medo que as pessoas achem que estou louca. E isso está a realizar-se.
- Não está nada a realizar-se! Olha, talvez esta maldição seja só uma enorme mentira e alguém está a fazer isto tudo só para que as coisas más aconteçam no teu psicológico. E isso faz-te acreditar que estás realmente amaldiçoada.
- Vês? Até tu achas que estou maluca! Vou acabar sozinha, sem ninguém. Isto se não for presa antes, por um crime que não cometi. A minha vida está um caos!
Do outro lado não se escutou mais nada. A chamada continuava ativa, mas não se ouvia nenhuma voz nem nenhum barulho.
- Sam? Sam?
Desligou e voltou a ligar. Ninguém atendeu. Estranho. Foi almoçar, ainda que com pouca fome. Não tinha nada para ler. Estava bastante entediada. Lembrou-se de pesquisar mais sobre maldições. Já que não tinha encontrado nada na Internet na noite anterior, decidiu ligar ao seu velho amigo Robson, dono da biblioteca local. Talvez ele tivesse algum livro antigo sobre essas sobrenaturalidades.
- Olá, Lara! Como estás, amiga? – atendeu o senhor.
- Estou bem, obrigado! Queria perguntar-lhe uma coisa, se for possível.
- À vontade, minha filha.
- Tem algum livro sobre maldições ou pragas? Andei a pesquisar na internet mas não encontrei o que procuro.
- Pois é, querida. Por estranho que pareça, a Internet ainda não sabe de tudo. Ainda não é a dona da razão. Os livros ainda possuem muita sabedoria. Os antigos sábios não puderam publicar as suas visões na Internet.
- É verdade, Robson. Então, acha que me consegue ajudar?
- Vou ver o que tenho por aqui. Já te ligo, pode ser?
- Claro! Até já.
Ler era uma das paixões de Lara. Sabia vários idiomas e era obcecada pelo conhecimento. Estava totalmente de acordo com Robson. Os livros são uma enorme fonte. A Internet, porém, era mais rápida e prática. Não demorou muito até receber um telefonema do velho:
- Lara, não encontrei nada sobre maldições ou pragas, mas encontrei um livro sobre bruxarias. Serve?
- Talvez sirva! Obrigado. Posso passar por aí para trazê-lo? Sei que é domingo, mas é um assunto importante.
Mais uma vez, do outro lado, não se ouviu nenhum som. Voltou a ligar e, mais uma vez, não foi atendida. Começava a preocupar-se. O que estaria a acontecer? A biblioteca ficava próxima. Saiu de casa e foi lá procurar o amigo, já que não podia fazer o mesmo com Sam.
Era uma biblioteca velha. Estava legalmente encerrada mas Robson manteve-a como o seu amor pela leitura. Os seus livros antigos enchiam as prateleiras. Apesar de tanto pó, ele era feliz ali. Dormia lá. Era a sua casa. Era onde se sentia bem.
Lara chegou e empurrou a porta, que se abriu com um rangido.
- Robson? – chamava ela – Está aqui?
O espaço não era grande e rapidamente a arqueóloga percebeu que estava sozinha. Numa mesa encontrou um livro. “Bruxarias” era o título. Capítulo 35: “Pragas e maldições”. Robson tinha-o separado para ela. Perfeito! Era mesmo aquilo que ela procurava.
Agarrou no livro, olhou à sua volta para garantir que estava mesmo sozinha e saiu dali. Pelo caminho tentou contactar Sam de novo, mas sem sucesso. Já em casa, mesmo antes de conseguir ler qualquer coisa, foi interrompida por umas batidas fortes na porta.
Era ele. Estava de volta. O polícia. Sim, aquele. Desta vez vinha acompanhado por um policial feminino. Estendeu a mão e mostrou um papel. Era um documento do juiz. O mandato que precisavam para revistar o apartamento.
- Mas já? – surpreendeu-se, Lara.
- Estas coisas são rápidas, principalmente quando envolvem mortes. – explicou o polícia.
- Posso ao menos saber o porquê da vossa visita? – pediu, deixando-os entrar.
- Digo-lhe com todo o gosto. Acontece que o corpo do senhor Harry desapareceu. Estamos à procura dele.
- Desapareceu? Mas como?
- Se não se importa, vai ter de abandonar o apartamento enquanto o revistamos. – avisou a mulher.
Lara obedeceu e saiu.
- Parece que continuo a ser suspeita de ter morto o Harry. E de ter escondido o corpo dele? Isto é de loucos. – pensava ela, enquanto descia as escadas do prédio.
Encontrou, pelo caminho, a vizinha que tinha chamado a polícia no dia em que o paparazzo morreu. A mulher ignorou-a e foi sempre para a frente.
- Espere! Preciso de falar consigo! – chamou Lara.
- O que quer de mim? – virou-se a senhora.
- Como devo chamá-la?
- Chamo-me Emma. Estou com pressa. O que deseja?
- Foi prestar depoimentos depois do que se passou? – perguntou.
- Sim, eu fui.
- E o que lhes contou?
- Não se preocupe. Eu só disse o que vi.
- Acha que eles me acham culpada?
- Tenho de ir. Até logo. – despediu-se, continuando a descer as escadas.
Respirou fundo e desceu logo atrás. Ouviu um barulho e, ao virar da esquina viu a vizinha caída, ao fundo das escadas. Não se mexia.

CAPÍTULO 15 – De volta aqui

Com medo, correu em direção à mulher. Agachou-se e abanou-a. Não reagiu. Lara virou-a e deparou-se com algo aterrorizante: Emma estava morta. Boca escancarada, olhos arregaladíssimos e sobrancelhas que indicavam susto e medo. Onde ela tinha visto isto antes?
Foi até à porta da rua e conseguiu ver alguém a sair do prédio. Estava a virar à direita. Lara só conseguiu ver uma perna de uma pessoa, que estava a passar pela entrada. Era uma perna de homem. Era uma perna forte. Uma perna com uma tatuagem. Era a perna de Jonah.
Assustada, foi até lá fora. Olhou à sua volta e já não viu ninguém. Acelerou, depois, para o seu andar, para chamar a polícia que, lá em cima, lhe revistava a casa.
- Socorro! Socorro! Alguém me ajude! – gritava ela, enquanto batia com toda a força na sua porta.
- O que se passa? – Abriu a polícia, confusa.
- Há mais uma morte!
- O quê? – apareceu o agente.
- Sigam-me! Rápido! – pediu ela.
Os colegas olharam-se e concordaram em seguir a arqueóloga. Fecharam a porta de casa e desceram as escadas. Lara foi imediatamente bombardeada com perguntas e contou-lhes tudo o que aconteceu:
- Estava a falar com ela sobre a morte do Harry, sobre os nossos depoimentos e acho que ela se cansou rapidamente. Virou-se e desceu as escadas. Ouvi um barulho e quando desci vi-a caída. Quando a virei estava morta. É isto o que sei e não vale a pena levarem-me para prestar mais declarações porque, muito infelizmente, não tenho mais nada a acrescentar. Juro.
Enquanto o agente estava ao telemóvel a tratar do destino do corpo, a polícia conversava com Lara. Seria uma perda de tempo levá-la com eles se ela não tinha mais nada a dizer. Então, concordaram em deixar a conversa por ali. Era, no entanto, a segunda vez que alguém morria com a arqueóloga por perto. As suspeitas só aumentavam.
- Do caso da senhora Emma tratamos mais tarde. Não há quaisquer sinais de assassinato. Não será necessário, mais uma vez, isolar o local. Depois de virem buscar o cadáver vamos regressar ao seu apartamento para terminar de o revistar. Volte daqui a cerca de uma hora. A sua casa estará livre. – explicou a mulher.
Lara, ainda meio chocada, foi dar um passeio. Estava uma tarde quente. Olhou para o sol e lembrou-se da sua rainha – Himiko. Não, não estava a começar outra crise de ansiedade. Mas foi aquele sinal que lhe fez mudar de pensamento. Ela não ia deixar que aquele trauma tomasse conta da sua vida de novo. Nem pensar! Desta vez a iniciativa seria sua! Ela ia recomeçar a terapia.
Para além de sentir a necessidade de estar bem consigo mesma, ela precisava de estar mentalmente saudável para que as autoridades a levassem a sério, uma vez que ela estava envolvida em vários casos. Não ia adiar aquele assunto nem mais um instante. Mudou o seu percurso e dirigiu-se ao consultório do seu antigo psicólogo.
Jefferson, como se chamava, tinha sido um verdadeiro amigo para Lara no ano anterior, durante longos meses de tratamento. Ele conseguiu por um fim ao trauma de Lara. Não foi fácil, mas foi possível. Agora todas as memórias tinham voltado. Ela estava disposta a começar a terapia desde o começo. Desde os primeiros sintomas de trauma. Desde agora mesmo.
Entrou e falou com a secretária dele, para tentar marcar uma consulta. O dia estava bastante vago. Lara tinha acabado de marcar uma sessão para dali a 15 minutos. Sentou-se na sala de espera. Faltava ali alguém. Antes, quando ela tinha terapias quase diárias, ela via também, quase todos os dias, uma menina naquela sala. Uma menina de 9 anos. Ela estava a ser acompanhada porque os seus pais tinham morrido num acidente de carro e ela ficou aos cuidados da avó. Encontravam-se quase sempre. Meses e meses de combate contra traumas. Ficaram, de certa forma, próximas. Diana era o seu nome. Lara tinha guardado vários desenhos que ela lhe oferecia. Não eram nem um pouco bonitos, mas ela sentia algum carinho por eles.
Chegou a sua vez. Os 15 minutos passaram. A secretária chamou o seu nome. A luta ia começar.
- Lara, que surpresa! – sorriu Jefferson ao vê-la entrar.
As diferenças eram notórias. Lara não vinha com um capuz enfiado na cabeça e conseguia encará-lo olhos nos olhos. Ficou surpreendido por tê-la de volta ao seu consultório. Não parecia estar pior. Não parecia trazer consigo a mesma depressão. Parecia, porém, um pouco nervosa.
- Então, como tens andado? – começou ele.
- Muito bem. Estive uns bons meses sem sequer me lembrar de que estive doente. Mas agora está a acontecer de novo. – explicou ela.
- O que está a acontecer de novo?
- O stress pós-traumático. Os ataques de pânico e ansiedade. O senhor já me tinha dito que isto podia voltar a aparecer. Tinha-me dito que estas coisas vão e voltam. Mas depois de tanto tempo sem elas, não imaginei que tivesse de as enfrentar novamente.
- Conta-me o que aconteceu. O que sentes? Já sabes, deves ver-me como um amigo e isto é apenas uma conversa normal. – sorriu ele.
- Bem, antes disso, eu preciso de contar outra coisa. Mas tenho medo que me ache maluca como os outros.
- Claro que não te vou achar maluca. Conta-me.
- É que… Bem, não sei como dizer isto mas… Eu acho que estou amaldiçoada. E sim, essas coisas existem. Sabe muito bem das sobrenaturalidades que vi em Yamatai. Ou pelo menos, eu acho que acredita em mim. E foi por ser das poucas pessoas a acreditar em mim que me conseguiu ajudar.
- Continua. Estou a ouvir.
- Então, acordei com este corte no pulso. – mostrou ela – E recebi um bilhete a dizer que estou amaldiçoada e que os meus maiores medos se vão realizar. Pode parecer loucura mas depois disso fui despedida, dois amigos meus desapareceram, os ataques de pânico voltaram, as pessoas voltaram a achar que eu sou louca e sou a principal suspeita de duas mortes. Tudo isto só hoje.
- Lara, sabes que é difícil para mim falar sobre essas coisas sem explicação científica. Sabes que sou muito crítico no que toca ao que acredito ou não. Mas de uma coisa eu tenho a certeza. Tu não és louca. Nunca foste nem nunca estiveste. Eu sei disso. Eu sou psicólogo.
- Isso quer dizer que, mesmo que não acredite muito nestas sobrenaturalidades, sabe que eu digo o que digo com algum propósito. Sabe que não são apenas loucuras.
- Exatamente. E, acima de tudo, sei que és uma pessoa extremamente inteligente. Antes de passarmos ao trauma que, supostamente, veio com essa praga, conta-me mais sobre essas mortes de que és suspeita. – pediu ele.
Tiveram uma longa conversa. Lara colocou-o a par de tudo. Não lhe escondeu nada. Ela era a sua paciente favorita porque tinha sempre histórias interessantíssimas para contar. O melhor de tudo é que eram sempre histórias reais. Coisas que aconteciam na vida dela. Estava contente por voltar a vê-la. E ela estava tão entusiasmada a contar-lhe tudo que se esqueceu que estava num consultório psiquiátrico à procura de ajuda inútil que não afetaria em nada a terrível praga que lhe assombrava e que ainda estava apenas no começo.

CAPÍTULO 16 –  Noite em claro

Uma hora passou. Jefferson tentou não falar muito do trauma em si, pois era a primeira sessão. Lara já estava de saída. Ao chegar ao seu prédio encontrou-se com os polícias, que desciam as escadas.
- Então? Encontraram alguma coisa? – perguntou ela.
- E havia algo para encontrar?
Ela sabia que não. Mas nada lhe garantia que a maldição não a ia incriminar. Os agentes despediram-se e saíram. Reparou que o corpo da vizinha já não estava ali. Subiu e entrou em casa. Foi até ao quarto e sentou-se na cama a pensar. O que teria causado a morte de Emma? E de Harry? Era tudo muito estranho. Não demorou muito a adormecer. Estava cansada. Muita coisa tinha acontecido num só dia. O primeiro dos 5 que tinha.
Os pesadelos começaram. Sam falava com ela ao telemóvel quando o largou do nada e levou as mãos ao pescoço. Escancarou a boca e arregalou os olhos. Segundos depois estava morta no chão e Lara gritava por ela do outro lado. Robson, na biblioteca, enquanto falava com a arqueóloga, segurando um livro de bruxarias, também levou as mãos ao pescoço e morreu de olhos esbugalhados e boca aberta. Rostos aterrorizantes.
Algo apareceu. Um pé entrou em cena. Nevoeiro subiu. Uma perna tatuada revelou-se. Era Jonah. Como os outros, morreu. Exatamente da mesma forma. Lara começou a ficar igualmente sem ar. Sentiu o pescoço bastante apertado. Levou as mãos até lá e sentiu a sua boca e olhos abrirem involuntariamente.
Acordou no meio de um enorme pulo e, aflita, respirou fundo. Estava completamente suada e em pânico. Estava escuro. Já era noite. Acendeu o candeeiro e viu as horas. Eram 3 da manhã. Ainda não tinha recebido nenhum papel. Estava aliviada por ter sido apenas um sonho. Os seus amigos não podiam estar mortos. Não podiam! Sam e Robson tinham desaparecido misteriosamente. Com Jonah, porém, ela ainda não tinha falado. Será que o grandalhão continuava no mesmo sítio? Era demasiado tarde para ir até casa dele. Ligar para Robson também não era uma boa ideia. Se estivesse tudo bem com ele, àquela hora estaria a dormir. Podia, porém, ligar para Sam. Em Singapura era mais cedo.
Agarrou no telemóvel e fez a chamada. Não foi, mais uma vez, atendida. O que se estava a passar? Onde estavam todos? Foi beber um copo de água e tentou voltar a dormir. Pretendia, na manhã seguinte, procurar por Jonah. Aquele sonho parecia tão real.
Amanheceu. Lara não tinha dormido muito depois daquele pesadelo. Não encontrou nenhum bilhete. Achou estranho. Comeu, tomou um banho e vestiu-se. Quando se preparava para sair de casa para procurar o amigo, encontrou um recado em cima de um móvel. Mais um.
“Bom dia.
Um dia passou. Nesta altura já te devem ter acontecido várias coisas. Isto se ainda estiveres viva, claro. Acredita, é apenas o começo. Já deves estar ciente da tua situação. Está a ser divertido, não está?
Como prometido, hoje conto-te como parar a maldição. É muito simples. Só tens de encontrar a faca que te cortou o pulso e cortar o pulso da pessoa que te amaldiçoou. O jogo está cada vez mais interessante! Escondi a faca. Será que consegues encontrar? E quem te cortou o pulso? Será que sabes?
Só amanhã te vou dizer como podes encontrar a faca, quando já tiveres perdido dois dias. O relógio não para e a praga também não!
Tem um bom dia.”

 CAPÍTULO 17 – Mais um

- Cortar o pulso de quem me amaldiçoou? – pensava ela – Simples? Tenho de encontrar essa faca!
Mas onde? Onde Estaria a faca? E quem lhe tinha amaldiçoado? Aquela mensagem não tinha ajudado em nada. Ia ter mais um dia perdido. Ela não tinha a mínima ideia de como era essa faca nem de onde estaria. E muito menos de quem lhe tinha feito aquilo.
Saiu de casa com medo. Se o dia de hoje fosse como o de ontem, seria horrível. Ela não aguentava mais um dia assim. Saiu e começou a descer a rua. Ainda era cedo mas ela sabia que Jonah nunca se levantava tarde.
Chegou a casa dele e bateu à porta. Abriu com uma cara de sono e de pijama. Ainda estaria a dormir? Bem, ela não ficou propriamente surpreendida porque aquilo era o que ele tinha de menos estranho ultimamente.
- Bom dia, Jonah. – sorriu ela, feliz por vê-lo bem.
- Bom dia. Precisas de alguma coisa?
- Não me vais deixar entrar?
- Claro. Entra.
- Então, como estás? – inquiriu ela, enquanto entrava.
- Estou bem.
- Eu… Bem… Tenho de falar contigo.
- Fala.
- É que, depois do que se passou aqui, aconteceram mais coisas. – começou ela.
- Depois de termos sido atacados?
- Sim. É que depois disso eu…
- Descobriste que estás amaldiçoada. Que todos os teus medos se vão realizar. – interrompeu ele.
- O quê? Como sabes? – surpreendeu-se ela.
- Deixaste um papel para trás. Estava tudo lá escrito.
- Ah sim. É verdade. Mas já vi um bloco de notas por aí com umas folhas iguais àquela. Não sabes de nada?
- Lara, e quantos blocos de notas iguais existem no mundo? – irritou-se ele.
- É. Tens razão.
Não. Ele não tinha razão. Lara sabia perfeitamente que aquele bloco de notas tinha sido usado para os bilhetes que recebia. Ela já tinha encontrado marcas disso. Mas como podia ela acreditar que era o seu amigo que estava por trás de tudo isto? A verdade tinha de ser descoberta. Ela decidiu contar-lhe o resto da história, partindo do princípio que ele não sabia de nada:
- Depois de receber esse papel recebi outro. Dizia que tenho 5 dias para parar a maldição. Dizia que tenho 5 dias de vida. Ontem aconteceram muitas coisas. Longa história. Estou assustada porque isto parece real. E hoje recebi outro recado. Diz que a única coisa que pode parar a praga é encontrar a faca que usaram para me cortar o pulso e cortar o pulso de quem me amaldiçoou.
- Bem, isto está a ficar mais sério. E mais confuso. – afirmou.
- Jonah, por favor. É muito importante. Se sabes de algo diz-me. Andas estranho, já te disse.
- Não sei de nada, pequeno pássaro. Lamento não conseguir ajudar.
- Pelo menos já vi que estás bem. Estava com medo que algo te acontecesse.
- A mim? Porquê? – confundiu-se.
- Porque alguns amigos meus desapareceram. Tinha medo que também desaparecesses. Espero que esteja tudo bem com eles.
- Desapareceram? Quem?
- A Sam. O outro não conheces.
- A Sam? Mas ela não estava a viajar? Desapareceu como?
- Depois falamos, pode ser? Tenho de ir até ao museu falar com o meu patrão. Fui despedida.
- Despedida? Bem, já vi que tens muito para me contar. Depois falamos melhor.
- E tu? Não trabalhas hoje? – perguntou, enquanto abria a porta.
- Hoje não. Estou de folga.
Lara sabia que não era verdade. Ela sabia que o grandalhão não aparecia no trabalho há semanas. Só não conseguia descobrir porquê. Ainda queria segui-lo e descobrir mais. Mas com tudo o que se tinha passado, ela estava sem tempo. E cansada.
- Bom dia! O senhor William está no gabinete? – perguntou ao entrar no museu.
- Bom dia, Lara! Está sim. Enfiou-se lá mal chegou e ainda não saiu. Está à tua espera. Podes entrar. E boa sorte! – respondeu a recepcionista.
Respirou fundo e bateu à porta. Bateu de novo. Ninguém respondeu. Olhou para a colega com uma cara de medo e esta fez-lhe um sinal para que entrasse. Lara puxou a maçaneta e empurrou um pouco a porta. Quando a abriu o suficiente para que pudesse ver o interior, conseguiu ver a traseira de uma cadeira e a escrivaninha do patrão. Olhou para baixo da mesa e conseguiu ver as suas pernas. Ele estava ali. Fechou a porta e aproximou-se.
- Senhor William? – chamou ela.
Não obteve resposta. Aproximou-se mais. Estava na frente da secretária dele. Tossiu ligeiramente para chamar a atenção. O homem não se mexia. Lara deu a volta e finalmente conseguiu vê-lo. William, o chefe, estava morto.

Capítulo 18 – Único amigo

Lara, assustada, recuou. Bateu contra uns móveis. Não podia acreditar no que os seus olhos viam. O patrão estava como os outros. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas de susto e medo. Correu dali. Passou pela recepcionista sem dizer nada e saiu do museu.
Correu e correu até que parou num jardim ali perto. Sentou-se num banco e, ofegante, tentava manter a calma. Mais uma morte. Igual à de Harry. Igual à de Emma. Igual à de Sam, Robson e Jonah, segundo o seu sonho. O que estava a acontecer? Porque é que ela, de alguma forma, tinha uma relação com todas as mortes? Porque é que ela era sempre a primeira a ver os cadáveres?
Decidiu visitar Jefferson, o psicólogo. Era a única pessoa, naquele momento, capaz de fazê-la sentir-se segura. Mais uma vez apareceu sem hora marcada. Havia uma vaga para dali a uns minutos. Sentou-se no lugar do costume. Diana, a menina que lhe costumava fazer companhia, não estava ali. Mais uma vez.
Chegou a sua vez. Lara, ansiosa e nervosa, entrou. Ele viu automaticamente que ela não estava bem. Tinha o rosto vermelho do choro e as pestanas húmidas. Caminhou rapidamente para a sua posição e sentou-se no sofá, esperando que ele a acompanhasse.
- O que se passa, Lara? Não me pareces bem. – preocupou-se ele, sentando-se na sua frente.
- Eu… Bem… Eu fui hoje falar com o meu chefe, como estava combinado. E ele… Ele…
- Tem calma. Queres um pouco de água? – interrompeu ele.
- Não, obrigada.
- Então continua. – pediu ele.
- Quando lá cheguei e entrei no seu escritório, ele… Ele estava…
- Sim? Ele estava o quê? – insistiu.
- Morto!
- O quê? Mais uma morte? – surpreendeu-se ele. – Vais dizer-me que também estava com a mesma expressão dos outros dois?
- Bem… Sim. Tinha a mesma expressão.
- Mas…
- Eu sei! – interrompeu ela – Eu sei que parece uma loucura. Mas há um serial killer por aí. E eu estou a ficar com as culpas!
- Um serial killer?
- Sim, um assassino em série.
- Sim, Lara. Eu sei o que é um serial killer. Mas tu tens a certeza do que estás a dizer?
- Não há outra explicação! Eles estão mortos. Todos mortos da mesma forma. E ainda não foi feita nenhuma autópsia para sabermos como. Só sei que não fui eu. Mas eu estava sempre ali, com eles. Fui sempre a primeira pessoa a vê-los, para além do assassino, claro. É por isso que sou a principal suspeita. E é por isso que estou desesperada. Estas mortes e aquela maldição estão a deixar-me louca! Ajude-me! – chorava.
- Se queres saber a minha opinião, é muito simples. Tu não os mataste. Tu não tens nada a esconder. O que eu acho é que não deves ter medo. Quem não deve não teme. Conta sempre tudo à polícia. Colabora com eles. Mostra que estás tão interessada em descobrir a verdade como eles. – recomendou ele.
- Mas o senhor não está a perceber. Eles não me levam a sério! Acham que sou maluca porque lhes falo de maldições e porque digo que eles morrem do nada. Para além disso já me viram a ter ataques de pânico. Nada está a meu favor. O senhor é a única pessoa que acredita em mim. Que não me acha maluca. Neste momento, o meu único amigo.
- E se eu tivesse uma conversa com eles? Isso deixava-te mais descansada? Como psicólogo que sou, eles não vão poder contrariar-me quando lhes disser que tu podes ser muita coisa, mas louca não. – sugeriu.
- Isso é uma ótima ideia! Seria muito bom! Mas não ponha em causa o seu trabalho por isto.
- Por em causa o meu trabalho? Como assim? – confundiu-se ele.
- Sei lá. Eles podem achar que também é louco por acreditar em mim.
- Já te disse. Acredito pouco em sobrenaturalidades. Mas louca não estás. O que dizes tem algum fundamento. E o meu instinto diz-me que te devo ajudar. Não só psicologicamente, como também nesse caso com a polícia e, quem sabe, nessa história da praga.
Entretanto, no museu, a secretária tinha chamado a polícia. Apareceram lá os dois colegas do costume.
- Qual foi a última pessoa que esteve com ele? – perguntaram.
- Lara Croft. – respondeu.

CAPÍTULO 19 - Pânico

O telemóvel do agente tocou. Este afastou-se um pouco e atendeu.
- Bem… Não sei como dizer isto mas… O corpo da senhora Emma desapareceu. – contou o médico.
- O quê? Como deixaram isto acontecer de novo? Como? Estão loucos? O que se passa aí? Que falta de responsabilidade! Já é a segunda vez! Isto é grave! – gritava ele.
- Não tenho como explicar o que aconteceu! Desapareceu do nada, tal como o outro. Não consigo encontrar nenhuma explicação.
Desligou o telefone furioso e despediu-se do museu, juntamente com a colega. Lá fora, ela perguntou:
- O que se passou?
- O corpo da senhora Emma desapareceu. Mais uma vez não foi feita uma autópsia.
- O quê? Como é que isto é possível? – surpreendeu-se.
- Não sei. Mas como vamos resolver este caso se os corpos desaparecem?
- E o corpo do senhor William? Vamos deixar que desapareça também?
- O quê? Não espero que eles cometam o mesmo erro 3 vezes. Aquele corpo vai ter de estar sob vigia constante!
Lara, no consultório, continuava a sua conversa com Jefferson. Ela estava a adorar. Não se sentia uma cliente, mas sim uma amiga.
- Jefferson, deixe-me fazer-lhe uma pergunta. – pediu ela.
- Claro!
- Aquela menina que costumava vir aqui, a Diana, está curada? Deixei de a ver por cá.
- Ah… A Diana. – desmanchou o seu sorriso.
- O que foi? Aconteceu alguma coisa com ela? – preocupou-se.
- Há uns meses ela…Ela… Bem… Ela teve um acidente. Está em coma e em risco de vida. Não sei de muito. Mas sei que ela, mesmo que sobreviva, não vai poder voltar a andar.
- Meu deus! Ela era tão simpática. Aliás, ela é. Apesar de tudo ainda está viva. Será que posso ir visitá-la? Onde ela está?
- Está num hospital em St's Thomas Westmister. Acho que podes visitá-la.
- Mas como? Não sei o quarto, nem sei o nome completo dela. – explicou.
- Podes falar com a avó dela. Aquela senhora que a acompanhava até aqui. Tenho a certeza que ela te ajuda. Lembro-me que a Diana gostava muito de ti. E tu dela. E a avó deve saber disso. – sugeriu.
- Não sei… Tenho medo. Eu não sou da família.
- Tu estavas aqui a apoiá-la antes das consultas. É o que interessa.
- Bem, eu nem tenho o contacto dela. Como vou falar com ela?
- Eu devo ter o contacto dela guardado. Mas como deves calcular, não to posso dar.
Lara deixou escapar uma lágrima. Ela gostava bastante daquela menina e a notícia de que ela estava no hospital tinha sido bastante inesperada. Jefferson levantou-se bruscamente. Aproximou-se para, provavelmente, apoiar a arqueóloga. Mas ela viu aquele gesto de outra forma. De repente foi como se a sua caneta se transformasse numa faca e o escritório numa ilha. Uma ilha cheia de navios naufragados.  Yamatai. Ela já não via um psicólogo amigo. Ela via um Solarii maníaco pronto para sacrificá-la em honra da rainha do sol. Um ataque de pânico começou.
Lara tremia e encolhia-se. Tentava defender-se com os pés. Gritava por ajuda e chorava. Jefferson tentou tocar-lhe e acalmá-la mas levou um coice e caiu para trás. Lara levantou-se e começou a correr pela sala. Estava a fugir de algo. Batia nas paredes como se atrás dela estivesse um enorme Samurai pronto a matá-la. Esperneava desesperada, caída no chão. O psicólogo não conseguiu controlá-la. Saiu a correr para ir buscar um copo de água. Mas não voltou a entrar por aquela porta.
Minutos depois Lara começou a ver o escritório de novo. Já não estava em Yamatai. Já não estava em perigo. Já não ouvia tiros nem gritos. Olhou à sua volta. Estava sozinha no consultório. Tentou recompor-se. Penteou-se, limpou as lágrimas e respirou fundo.
- Onde está o doutor? – perguntou à secretária, ao sair da sala.
- Entrou a correr ali dentro há uns minutos e ainda não regressou. – apontou ela.
- E eu posso entrar ali? – inquiriu.
- Claro! É uma pequena sala com uma máquina de água, outra de café e alguns bancos.
Lara dirigiu-se à porta a que se referia a mulher. Teve de passar pelos restantes pacientes que aguardavam a sua vez. Estavam com caras estranhas. Como se tivessem ouvido todos os seus gritos. Que vergonha.  Abriu a porta. A sala estava vazia.

CAPÍTULO 20 - Diana

Confusa, virou-se para a secretária:
- Ele não estava aqui? A sala está vazia.
- Estranho. Podia jurar que ele ainda não tinha saído. – respondeu ela.
Não havia outra saída daquela divisão. O psicólogo não seria capaz de sair dali sem ser visto. Tinha simplesmente desaparecido. Mas como? Lara voltou ao escritório. Talvez não o tivesse procurado bem. Mas não. Ela estava realmente sozinha ali dentro. Seria a maldição a afastá-la dos amigos?
De qualquer forma, aproveitou e fez algo não muito correto, mas que não pôde evitar. Começou a procurar, nas coisas de Jefferson, o contacto da a avó de Diana. Mas ela nem sabia o nome da senhora. Com certeza o nome não estaria anotado como “avó da Diana”. Lara estava decidida a voltar a ver aquela menina.
Ela sabia que o acidente tinha sido há uns meses. Procurou no computador e encontrou uma agenda digital. Haviam várias consultas canceladas. Abriu-as e viu o nome do paciente. Era Diana! O número de telefone era a informação seguinte. Bingo! Anotou-o na mão com uma caneta que encontrou por ali e voltou a deixar tudo como estava.
O hospital não era longe dali. Chamou um táxi e pôs-se a caminho. Durante a viagem ligou para o número roubado.
- Sim? – atenderam.
- Bom dia! Estou a falar com a avó da Diana?
- Não, não. A avó da Diana faleceu. Eu sou a mãe adotiva. Tenha um bom dia.
- Espere! Não sabia que a Diana tinha sido adotada. Mas porque ficou com o telefone da avó dela?
- É que a senhora só faleceu na semana passada. Estou na casa dela com a assistente social e o telefone tocou. E eu atendi. Só isso.
- Bem, eu soube hoje que a Diana está no hospital. Soube hoje do acidente. Eu… Bem… Apesar de não mantermos contacto e de não nos vermos há quase um ano, eu lembro-me dela como se fosse hoje. Fomos muito chegadas. Eu queria visitá-la. Acha que posso?
- Claro! Eu vou ter com ela daqui a meia hora. Podemos encontrar-nos e vai comigo.
- Perfeito! Muito obrigada! Anote o meu número e ligue-me quando chegar! Estarei lá à espera.
Lara soltou um sorriso. Estava prestes a rever Diana. Quando chegou ao hospital sentou-se num banco no exterior e esperou pela nova mãe da menina. Recebeu um telefonema. Era ela. Tinha chegado. Encontraram-se e cumprimentaram-se. Subiram juntas até ao quarto da menina.
Quando entraram, foi como se Lara esquecesse todo o mundo lá fora. Durante a hora que ali esteve, nenhuma morte nem nenhuma maldição entrou nos seus pensamentos. A menina continuava linda. Mesmo que não se pudesse ver os seus olhos azuis, via-se o rosto sereno e meigo, os cabelos dourados e encaracolados e a mão delicada que, apesar de estar ligada a uma máquina, era a mesma que lhe fazia desenhos diários.
- Porque adotou uma criança às portas da morte? – perguntou ela, contendo as lágrimas.
- Porque eu… Bem… Se eu não a adotasse, o que seria dela? Para onde ela ia? Quem ficaria com ela? Sim, ela pode passar o resto dos seus dias nesta cama e vir a morrer. Mas ela não passou por isto sozinha. Pelo menos ela sentiu aqui uma presença. Por mais que não seja de uma mãe. Mas eu estou aqui.
Foi inevitável. Começaram as duas a chorar. Uma menina tão nova. Não teve uma vida nada fácil.
- Eu compreendo. Mas… Como? Como é que soube que havia uma criança sem ninguém num hospital? A morrer…
- Eu sempre quis adotar um filho. Não é que eu não possa ter filhos biológicos, porque tenho. Mas o meu coração parte ao pensar em crianças abandonadas, ou em instituições. Finalmente ganhei coragem e fui a uma instituição. Ia adotar uma criança. Mas já estavam a preparar-se para serem responsáveis pela Diana. Uma menina em coma no hospital. Sem família. Não aguentei. Se a instituição ficasse responsável por ela, não estariam sempre aqui com ela, para a apoiar. Ficaram todos de boca aberta por uma mulher querer adotar uma criança inválida e quase morta. Mas sim, eu quis. – chorava.
- Devo dizer que a admiro muito. Não nos conhecemos nem há 2 horas e já é uma das pessoas mais fantásticas que conheci. Foi o destino. Fez com que a senhora estivesse ali, naquela instituição, há hora certa. No exato momento em que pôde conhecer o caso da Diana.
- Sim, é verdade. E sabes uma coisa? Só conheço esta menina há uns dias e parece que esteve toda a vida comigo. Parece que… Que é minha filha. – contava a mulher.
- É muito bonito ouvir isso. – limpava as lágrimas – Agora tenho de me ir embora. Não imagina como eu fiquei satisfeita de ver a Diana de novo. Por favor, se tiver qualquer novidade, ligue-me!
- Claro! Muito obrigado por este momento. Adorei conhecê-la. Até qualquer dia! – despediu-se.
De volta a casa, Lara preparava-se para um banho relaxante, depois de uma manhã tão intensa, quando lhe bateram à porta. Abriu. Eram os dois polícias do costume. Lara ficou automaticamente nervosa.
- Lara, onde esteve durante esta manhã? – perguntou a policial feminina.
- Bem, como já devem saber, houve mais uma morte. Sim, eu sei que devia ter-vos dito alguma coisa. Mas entrei em pânico e saí dali a correr. – contou ela, enquanto se sentava no sofá.
- Pânico? Mas, que eu saiba, não é a primeira morte que vê. E não é a primeira morte que vê daquela forma! Das outras vezes não entrou em pânico. No caso da senhora Emma até nos veio chamar! – provocou o homem.
- Isso não é verdade. Eu entrei em pânico das 3 vezes. Só que a minha reação na primeira foi fechar-me, na segunda foi chamar-vos e na terceira foi fugir. Não sei porquê. São muitas mortes. Anda um serial killer à solta e vocês estão a perder tempo atrás de mim! – explicou.
- Serial killer? Bem, então já descartamos a hipótese destas mortes terem sido naturais, não é?
- Naturais? Poupe-me! E a autópsia? Ela vai provar que eles foram assassinados de alguma forma!
- É engraçado falar em autópsia, sabe? É que o corpo da senhora Emma desapareceu esta manhã. Exatamente da mesma forma que desapareceu o corpo do senhor Harry.
- E exatamente da mesma forma que vai desaparecer o corpo do senhor William!
- Isso é uma ameaça? – sentou-se ele.
- Não! É um alerta! Já vos disse que algo estranho se está a passar. Se não é sobrenatural, pelo menos parece ser. Quando é que vão acreditar em mim? Quando?
- Nós não trabalhamos a acreditar nas pessoas, minha querida. Nós procuramos evidências. – sentou-se a mulher.
- E onde estão as evidências de que eu sou a culpada? – irritou-se.
- Mas ninguém disse que a senhora é culpada! Mas, já que fala nisso, é a principal suspeita. Quer saber porquê? É muito simples! A senhora foi a primeira pessoa encontrada com os mortos. Em todos os casos! O primeiro morto foi um paparazzo. Ele podia não ter feito o serviço da maneira que a senhora desejava. Ou podia até mesmo saber demais. Depois faleceu a sua vizinha Emma, a única testemunha da morte do senhor Harry. Por fim o seu chefe apareceu morto, logo depois da senhora ter sido despedida! – acusou ela.
- Sim, eu sei que parece tudo fazer sentido, mas não fui eu! Não sei, alguém pode querer incriminar-me! – defendeu-se.
- Não será a tal maldição? – riu-se o polícia.
- Ouça lá! Eu estou farta de não ser levada a sério. Não sou nenhuma louca e ainda vou provar isso! – gritou.
- Bem, resumindo, a senhora Lara foi até ao museu para falar com o patrão sobre o seu despedimento e encontrou-o morto. Assustou-se e fugiu. É isto? – interrompeu a agente.
-  Sim, é exatamente isso.
- E não tem mais nada a dizer, calculo.
- Não, não tenho.
- Muito bem. Ficamos por aqui então. Só nos faltam provas. Só isso. Tenha um bom dia. – despediu-se a mulher.
- Esperem! É que eu preciso de tratar do outro caso. Da denúncia que fiz. Bem… Da praga. Se não se importa preferia que falássemos sozinhos. – pediu ela. – Vamos para o meu quarto.
O polícia acompanhou-a até onde pudessem falar mais à vontade. Lara mostrou-lhe o novo recado que tinha recebido. Ele parecia continuar a achá-la louca. Guardou o papel sem a menor das vontades e despediu-se. Saíram do quarto e gelaram com o que viram. A polícia estava morta no sofá.

CAPÍTULO 21 – O que é que eu fiz?

Estariam os dois loucos? Desta vez o polícia estava com Lara quando tudo aconteceu. Desta vez ele testemunhou que as mortes ocorrem do nada. Testemunhou que a arqueóloga não era a assassina. Não tinham demorado nem um minuto e quando voltaram a colega estava morta. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas que indicavam susto e medo.
Chocado, o polícia começou a entrar em pânico e agarrou a sua arma. Estava um assassino ali dentro. Apontou a arma para todos os lados a procurá-lo.
- O que está a fazer? – perguntou Lara.
- Cale-se! Há um assassino aqui! – sussurrou ele.
- Isso. Continue a procurar. Assim talvez já comece a ver algo de sobrenatural nisto.
Era um facto. Não havia mais ninguém naquela casa. As janelas e as portas estavam fechadas. Como é que aquilo foi possível? Não conseguiam encontrar nenhuma explicação. Quando a solução parecia quase certa, quando o caso estava quase resolvido, quando Lara estava praticamente sentenciada, tudo mudou.
Enquanto o agente fazia telefonemas a tratar do destino do cadáver, Lara permanecia a olhar para ele, ainda chocada. Por um lado, mais um cadáver. Mais uma morte. Menos uma pessoa. Por outro, ela já não podia ser acusada daquele caso. Mas porque matariam a mulher ali, naquele momento? Se o objetivo não era incriminar Lara, então qual era?
Algumas horas passaram. Lara já estava sozinha no apartamento. Nostálgica, recordava os desenhos de Diana, que tinha guardado com muito carinho. Não, não eram nada bonitos. Mas ela gostava deles. Suspirava e perguntava-se o porquê de tudo aquilo. Como é que em tão poucos dias a sua vida se tinha tornado naquele caos?
Lembrou-se de ligar para o psicólogo. Tinha desaparecido misteriosamente naquela manhã. Ela estava preocupada. Atendeu uma mulher. Era a secretária.
- Boa tarde. O senhor Jefferson? Posso falar com ele? – pediu.
- Boa tarde, Lara! Ele ainda não apareceu desde manhã. Os pacientes estão fulos. Não sei o que lhe aconteceu. Talvez deva fechar o consultório por hoje. – contou ela.
- Ainda não apareceu? Que estranho.
- Pois é! E o pior de tudo é que deixou aqui o telemóvel. Está incontactável.
- Obrigado pela informação! Até logo. – despediu-se.
Ligou, depois para a Sam. Não conseguia falar com ela há demasiado tempo. Como sempre, ninguém atendeu. Lara preocupava-se cada vez mais com a amiga. Robson foi a tentativa seguinte. Também não obteve resposta. Continuavam todos desaparecidos. Será que o Jonah também?
- Sim? – atendeu Jonah.
- Jonah? Não esperava que atendesses. Estás bem? – surpreendeu-se ela.
- Porque é que eu não atenderia?
- Por nada. Tens razão. Esquece. Só estou preocupada contigo. Tenho medo que te aconteça alguma coisa por causa da maldição.
- A maldição é tua, não minha.
- Sim, mas também está a afetar as pessoas de que gosto.
Desligou o telefone com uma sensação estranha. Aquela frase fazia todo o sentido. A maldição estava a prejudicar todos os seus amigos. O Jonah, porém, continuava na mesma. Já não havia uma amizade entre eles? Preocupou-se automaticamente com Diana. Ela já estava mal. Não podia ficar pior por sua culpa.
Não resistiu. Não conseguiu esperar para visitá-la no dia seguinte. Tinha de ir hoje mesmo. Esteve apenas uma hora naquela manhã. Já tinha sido muito bom, mas não o suficiente. Ligou para a mãe da menina. Nem sabia o nome da senhora. Ela ainda estava lá. Apanhou outro táxi e seguiu o seu caminho. Preferia estar num hospital do que naquela casa, onde já tinham acontecido tantas coisas.
Lá em cima, no quarto da criança, sentavam-se as duas a conversar:
- Nem sei o seu nome. Como se chama? – perguntou Lara.
- Chamo-me Sílvia. E o seu nome, qual é?
- Lara. Lara Croft.
- Prazer, Lara. – sorriu a senhora.
Ela recebeu um telefonema. Teve de sair. Não deu nenhuma explicação mas pediu que Lara ficasse a fazer companhia à  filha enquanto ela estivesse fora. Prometeu não demorar e saiu.
Lara, atrapalhada, ficou sozinha com Diana. Estava com medo. Era uma grande responsabilidade estar ali a tomar conta dela. E se acontecesse alguma coisa? E se ela cometesse algum erro? Não. Ela não podia pensar nisso. Ela sabia que estava amaldiçoada e que se tivesse medo, esse medo tornar-se-ia real. Mas, ao pensar nisso, o medo de que acontecesse alguma coisa só aumentava. O melhor seria ficar bem quieta.
Passou meia hora quando ela não conseguiu aguentar mais. Teve de se ausentar por breves momentos para ir à casa de banho. Já era fim da tarde. Estava a escurecer. Quando regressou ao quarto, ele estava escuro. A luz do candeeiro estava agora apagada.
Avançou devagar e começou a ouvir passos, para além dos seus. Acendeu a luz do quarto e viu alguém, junto à cama, completamente vestido de negro. Não se distinguia sexo, nem altura, nem rosto nem nada. As roupas misturavam-se com a escuridão. Lara, assustada, seguiu o seu primeiro instinto e correu na direção dessa pessoa, pronta a atacá-la. Agarrou nuns fios de umas máquinas sem uso que ali estavam e enrolou-os à volta do pescoço daquela pessoa. Começou a sufocá-la. Apertou com toda a sua força.
- Olha bem para o que estás a fazer. – sussurraram.
Olhou para as suas mãos e ia morrendo de susto quando viu que os fios que elas apertavam estavam à volta do pescoço de Diana.

CAPÍTULO 22 - Enigma

Largou os fios imediatamente. O monitor cardíaco soltou um apito ininterrupto. A menina estava morta. Lara gritou descontroladamente e, em pânico, tentava pedir ajuda a alguém. Rapidamente uns enfermeiros chamaram ajuda e trouxeram o desfibrilador.
Afastaram-se todos. O médico preparou-se e tentou reanimar a menina. Ela deu um pulo. Não teve outra reação. Tentaram mais umas quatro vezes. Parecia inútil. Diana continuava morta. Lara, lavada em lágrimas, implorava que o doutor não desistisse. Ele tinha de continuar a tentar. Tentou mais uma vez. Não resultou.
Só mais uma tentativa. Foi o que Lara pediu. Só mais uma. Nesse momento a mãe da criança entrou. O médico tentou. Chocada por ver a filha ser reanimada, gritou e correu para a cama. A máquina começou a apitar com pausas de novo. Tudo começou a ficar estável. O alívio que todos sentiram foi algo inexplicável.
Sílvia exigiu uma explicação. Não era a única. Os médicos também queriam saber o que se tinha passado. Diana tinha marcas no pescoço. E Lara estava sozinha com ela. Atrapalhada, explicou que viu alguém no quarto. Não contou que ela tinha sido a responsável. Ela esteve muito perto de matar a menina, mas não o podia admitir. Não teve essa coragem. Ninguém tinha visto nada. Ela decidiu mentir.
- Viu alguém? As janelas e portas estavam todas fechadas! – suspeitou uma enfermeira.
- Eu… Bem… Eu fui à casa de banho. Quando voltei o quarto estava escuro. E vi alguém vestido de preto ao pé da cama. Via-se muito mal. Estava realmente muito escuro. Quando acendi a luz não vi ninguém e assustei-me com o apito da máquina. O resto já sabem. Gritei por ajuda. – defendeu-se.
- Como é que entrou alguém aqui e depois desapareceu? Como é que essa pessoa não foi vista? E porque deixou a minha filha sozinha? – irritou-se a mãe.
- Não sei! Eu não sei! A minha vida tem feito tudo menos lógica ultimamente. E eu tive de ir à casa de banho. A senhora também não está sempre aqui. – continuou ela.
- Chega! Eu exijo que chamem a polícia! – gritou.
- Está a querer dizer que eu tentei matar a sua filha? – surpreendeu-se Lara.
- Talvez! Não sei. Eu mal te conheço. Estou a falar com uma desconhecida! E fica a saber que estás proibida de voltar a entrar neste quarto. Quero que fiques longe da Diana!
Chamaram a polícia. Chegou o mesmo agente. O mesmo que investiga o caso das mortes. O mesmo que investiga o caso da praga. O mesmo que, há poucas horas atrás, tinha estado com Lara e presenciado a morte da colega.
Depois de ouvir todos os presentes, falou com Lara à parte. Ele não estava bem. Estava nervoso. Gaguejava e, enquanto falava, olhava à sua volta. Como se nunca estivesse à vontade. Como se estivesse sempre com medo. Disse que, depois do que se tinha passado, não podia deixar de acreditar na arqueóloga. Alguma coisa se estava a passar. Ele parecia perturbado.
Lara, com ele, foi sincera. Pediu que não contasse nada, mas disse a verdade. Disse que viu alguém e que o atacou. Disse que ouviu uma voz a sussurrar. Disse que, quando deu por si, estava a atacar a menina. Ambos acreditavam que algo de sobrenatural estava a acontecer.
Ao chegar a casa tomou um duche rápido e sentou-se na cama a pensar. Ela estava proibida de voltar a ver Diana. Pior do que isso. Ela quase a tinha morto. Quem era aquela pessoa? Nesse instante, quando se recordava daquela imagem de alguém junto da cama do hospital, viu algo muito semelhante. Viu alguém, mais uma vez, completamente vestido de negro, a espreitar por trás das cortinas. Era como uma sombra. Não se distinguia rosto nenhum. Assustada, levantou-se.
- Quem está aí? – gritou.
Aquela figura não se mexia. Estava simplesmente a espreitar, parada. Lara correu para o interruptor e acendeu a luz. Virou-se para a janela e já não estava lá nada de estranho. As precianas estavam, como sempre, fechadas. As cortinas, porém, mexiam-se, como se houvesse algum vento ali. Mas não havia. Completamente arrepiada, desviou-as. Não viu nada. Abriu a janela e mirou o lado de fora. Nada de estranho.
Arranjou coragem e foi dormir. Teve um sonho macabro. Bastante parecido com o que teve na noite anterior, mas agora com umas pequenas diferenças. Sonhou, portanto, que estava a falar ao telemóvel com Sam. Uma figura humana como a que tinha visto antes de adormecer chegou e apertou o pescoço da amiga. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas de susto e medo. Sam morreu. Robson, também em chamada com Lara, morreu da mesma forma, com as mãos daquela misteriosa sombra a travar-lhe o ar. Jefferson, o psicólogo, corria para dentro de uma sala e, quando tirava água de uma máquina, foi surpreendido pela morte, que o asfixiou. Jonah, desta vez, não apareceu no sonho.
Acordou em pânico. O que se estava a passar com a sua vida? Já era de manhã. Levantou-se e foi lavar a cara com água fria. Olhou-se no espelho e viu alguma espécie de vulto passar-lhe à frente. Era do cansaço. Só podia. Voltou ao quarto e, como mandava a tradição, encontrou um bilhete:
“Dois dias passaram. Restam três. Durante estes dois dias já devem ter acontecido várias coisas. Ainda estás viva? Os meus parabéns. Já deves ter percebido que eu estou a falar muito a sério. Como prometido, hoje vais saber onde encontrar a faca. O jogo está cada vez mais divertido! A resposta está onde tudo começou.
Amanhã, quando já tiveres perdido três dias, dou-te uma pista sobre quem te amaldiçoou e sobre quem deves atacar com a faca. No fundo, quem está por trás de tudo isto. Boa sorte.”

CAPÍTULO 23 – A faca

Cada vez mais confusa. Cada bilhete fazia menos sentido. Cada pista complicava mais as coisas. “A resposta está onde tudo começou”. Mas tudo o quê? Lara sempre adorou enigmas, é um facto. Não demorou muito a resolvê-lo. Parecia óbvia a resposta. Tudo começou há dois dias, quando ela foi amaldiçoada. Tudo começou quando lhe cortaram o pulso. Tudo começou na casa de Jonah.
Ela não lhe podia contar mais nada. Já tinha tentado ser sincera com ele. Não tinha funcionado. Tinha de encontrar uma desculpa para voltar àquela casa. Mas qual? Ela precisava de tempo e calma para procurar a faca. Podia estar em qualquer parte da casa. Ela nem fazia a mínima ideia do aspeto da arma. Como é que ela ia saber que faca era a certa?
- Sim? – atendeu ele.
- Olá Jonah! Como estás?
Estranho. Ele ainda não tinha desaparecido como os outros. E, na verdade, convinha-lhe bastante que isso acontecesse.
- Estou bem e tu, pequeno pássaro?
- Mais ou menos… Jonah, eu… Estou a sentir-me demasiado sozinha. A Sam está a demorar mais do que o previsto em Singapura. Sei que tivemos umas discussões, mas eu já esqueci isso. Achas que posso voltar a morar contigo por mais uns dias? – convidou-se ela.   
- Só foste embora desta casa porque quiseste. A porta está sempre aberta para ti. – concordou ele.
- Eu sei. Fui parva, desculpa. Então, posso instalar-me? – continuou.
- Quando quiseres!
- Vais trabalhar hoje? Quando te dá jeito que eu faça a mudança?
- Sim, hoje vou trabalhar. Mas não te preocupes, podes vir à mesma. Vou sair de casa daqui a pouco. Se passares por cá dou-te a chave. – explicou.
- Então eu já passo aí. Até já. E obrigada. – despediu-se.
Pronto. Estava feito. Com o maior dos descaramentos ela pediu para voltar para a casa do grandalhão. Não tinha outra escolha. Não tinha mais tempo. Preparava-se para sair quando o seu telemóvel tocou. Era o polícia.
- Lara, não vai acreditar!
- O que se passou? – preocupou-se ela.
- Adivinhe? O corpo do senhor William desapareceu!
- O quê? Mas ainda não aprenderam? Os corpos têm de estar a ser vigiados! Como é que se perde três corpos seguidos?
- Não sei, não sei. Fico fulo com isto. Nem imagina como isto atrapalha a minha investigação. Estas autópsias eram fundamentais. – continuou.
- Façam o que fizeram não percam de vista o corpo da sua colega! – pediu ela.
- Foi o que eu lhes disse. Esperemos que o façam.
- Bem, agora tenho de sair. Depois falamos. Até logo.
Ao desligar a chamada ouviu um barulho vindo da cozinha. Pareciam sussurros de alguém. Intrigada, seguiu o som e não encontrou nada. Não conseguiu perceber o que diziam antes que o silêncio tomasse conta do espaço.
Finalmente saiu de casa e pôs-se a caminho. Quando chegou, Jonah já estava de saída.
- Pensei que já não vinhas. – disse ele.
- Desculpa, recebi um telefonema que me atrasou.
Ele deu-lhe a chave de casa e despediu-se. Ela fingiu que ia no caminho de volta para o seu apartamento mas, assim que o amigo virou na esquina, ela voltou para trás a correr. Abriu a porta e entrou. Jonah viu-a. Estava a espreitar no canto da rua. Simplesmente sorriu e retomou o seu caminho, ignorando o que se tinha passado.
Bem, tudo tinha começado ali na entrada da casa. Foi ali que ela acordou com o corte no pulso. Foi ali, portanto, que começou a procurar. Revirou todos os móveis e não encontrou nada. Lembrou-se, depois, de uma faca que tinha encontrado outrora. Aquela faca tática que estava isoladamente guardada numa gaveta. Foi até lá. Já não estava ali.
Não lhe escapou nenhuma divisão. Vasculhou todos os cantos e nada. Seria demasiado fácil se estivesse num simples armário ou gaveta. Estaria, provavelmente, num compartimento secreto. Procurou por paredes falsas, tijolos e tábuas soltas, procurou atrás de estantes, debaixo de toda a mobília e inspecionou cada faca encontrada. Nenhuma parecia ser especial ou, no mínimo, diferente.
E se fosse uma faca banal? E se fosse uma das dezenas que havia naquela cozinha? Na casa de um cozinheiro é o que mais se encontra. Facas. Facas com todas as formas e feitios. Nenhuma, porém, com ar de ter o poder para amaldiçoar pessoas. Todas normais.
Estava cansada da busca. Tinham passado algumas horas. Foi até ao quarto de hóspedes e sentou-se na cama a pensar. Ela não tinha mais onde procurar. Para que é que se ia mudar para ali? Ela não queria. Ela já não precisava. Mas Jonah ia desconfiar se ela mudasse de ideias assim tão repentinamente.
Voltou ao seu apartamento para pegar no que precisava. Nem tudo podia ser mau. Em casa do grandalhão ela podia controlá-lo melhor e perceber se ele continuava tão estranho como antes. Além disso, a faca só podia estar naquela casa. E Lara não podia deixar um enigma por resolver.
De volta ao quarto de hóspedes, ela encheu as gavetas com a sua roupa. Foi enquanto fazia isso que se lembrou de fazer, mais uma vez, o teste do bloco de notas. Aquele bloco com as folhas iguais às dos bilhetes que ela recebia. Será que ele continuava a ser usado? Foi buscá-lo e, com um lápis, pintou a primeira folha. A mensagem não ficou clara, mas conseguiu ler algumas palavras: Faca; cozinha; comum; diferente; sorte.
Ao início achou que era a mensagem que tinha recebido ao acordar, mas rapidamente se apercebeu que não. O papel que tinha recebido não tinha as palavras “comum” nem “diferente”. Arrancou a folha pintada e guardou-a. Voltou ao quarto e viu uma folha em cima da cama. Podia jurar que não estava ali antes.

CAPÍTULO 24 – Suicídio

“Sim, duas mensagens minhas num só dia. Vamos a mais uma pista? A faca não tem o aspeto de uma faca normal. Uma faca de cozinha comum. Mas também não é nada que já não tenhas visto. Facilitei-te a vida. Não agradeças.”
Lembrou-se automaticamente daquela tal faca da gaveta, que já não estava lá. Ela só tinha de procurar melhor. Só isso. Mas onde?
Jonah chegou a casa e parecia bem disposto. Disse que o trabalho tinha corrido bem. Ainda era hora de almoço e ele já tinha acabado o serviço? Será que só trabalhava de manhã? Lara desconfiava da palavra dele. Na verdade, Jonah era o que menos lhe preocupava naquele momento. Ela precisava de encontrar aquela faca.
O grandalhão estava tão bem humorado que se ofereceu para lhes preparar o almoço. Lara, mais cansada do que ele,  aceitou e foi descansar um pouco.
Espreitou a cozinha. Ele estava ocupado. A faca só podia estar naquela mochila. Lara conseguiu passar por ele e ir até ao seu quarto. Abriu a mala que ele trazia e lá dentro encontrou algo que lhe causou múltiplos arrepios: um coração humano. Com ânsia de vómito atirou a mochila para longe, assustada. Boquiaberta, não quis ver mais nada. Fechou cuidadosamente a mala, com um rosto de nojo. Tremia tanto que não conseguiu fechá-la por completo. Ficou um cheiro horrível ali. 
Olhou para trás e viu Sam, com uma cara de desespero e com a boca aberta, como se estivesse a gritar. Porém, não se ouvia nenhum som. Não demorou muito para que o silêncio se quebrasse. O bater de um coração começou a ouvir-se. Olhou para a mochila e viu-a mexer, ao ritmo cardíaco. Apavorada, voltou a olhar para trás. Sam já não estava ali. O som do coração parou. Os movimentos também. O cheiro parecia já não existir. Ainda viu alguns vultos mas, pouco depois, tudo parecia normal.
Congelada de medo, esticou as mãos e, com a ponta dos dedos abriu um pouco da mala. Espreitou. Estava vazia. O que é que tinha acabado de se passar? Não era um ataque de pânico. Não tinha nada a ver com o seu stress-pós-traumático. Era uma sensação diferente. Parecia tudo demasiadamente real. Estaria a alucinar?
Tentou deixar tudo como estava e saiu sorrateiramente dali, ainda com o sabor do vómito na boca. Toda a repugnância foi interrompida pelo agradável cheiro que vinha da cozinha. Lara não provava a comida de Jonah há bastante tempo, mas depois do que se tinha passado, fome era a última coisa que ela tinha.
- Então, Lara? Pareces nervosa. – disse ele, ao vê-la entrar.
- Eu… Eu só… Eu estou bem, não te preocupes.
- De certeza? Não parece.
- Eu… Bem… Estou um pouco mal disposta, mas isto já passa. – sossegou-o.
- Depois de comeres deves ficar mais bem disposta. Agora descansa, que está quase pronto.
- E o que é a comida? – inquiriu.
- Bifes de coração de porco. Gostas?
Lara vomitou instantaneamente, segurando-se na parede para não cair. Meio tonta, pediu desculpa.
- Lara? O que se passa? Queres que te leve ao hospital? – preocupou-se ele.
- Não, não. Eu só… Eu estou mal disposta. Ficas chateado se eu não comer?
- Claro que não fico chateado. Mas tens de comer alguma coisa. Se não te apetecer os bifes eu posso preparar outra coisa.
- Não! Não te incomodes, obrigada. Só preciso de descansar um pouco.
Preparava-se para limpar o vómito mas Jonah não permitiu. Ele insistiu para que ela fosse descansar. E assim foi. Lara, ainda bastante nervosa, deitou-se na cama com uma forte dor na cabeça. Só queria que aquele pesadelo acabasse.
Talvez por dormir tão mal ultimamente, a arqueóloga repousou toda a tarde. Desta vez teve um sono sereno, sem pesadelos. O terror só começou quando ela acordou. Não se conseguia mexer. Como se estivesse presa à cama. Só os olhos se moviam. Ela estava acordada. Consciente. Mas o seu corpo parecia ainda estar a dormir. Assustada, começou a ouvir passos. Sentia ali uma presença. Parecia haver algum peso em cima do seu peito, que lhe dificultava a respiração. A garganta também estava apertada. Sentiu o colchão descer. Como se alguém se estivesse a sentar ali. Estava demasiado escuro para ver quem ou o quê. Lara, para além de não se mexer, também não conseguia falar e muito menos gritar por ajuda. Alguns minutos depois tudo voltou ao normal. Acendeu a luz. O quarto parecia vazio.
Levantou-se e foi até à sala. Jonah assistia televisão e ao seu lado estava um prato vazio, onde este tinha, muito provavelmente, comido os bifes de coração. Lara, ainda meio mal disposta, foi até à casa de banho e lavou a cara, para acordar melhor.
Estava completamente desmotivada para procurar a faca. Já não se importava com aquilo. Ela não tinha nada de bom na vida. Começou a pensar em tudo e a ficar cada vez mais angustiada. Os seus amigos estavam desaparecidos. Talvez mortos. Andava um serial killer à solta. Ela era suspeita desse crime. O psicólogo, a única pessoa que lhe podia defender, também desapareceu. Os ataques de pânico estavam de volta e Jefferson não lhe podia ajudar. Estava desempregada, sem dinheiro. Estava proibida de visitar Diana. Todos à sua volta corriam perigo, por causa da praga. Tinha três dias de vida. Dois, na verdade. Aquele já estava a acabar.
Basta! Ela não suportava mais aquilo. Olhou-se no espelho com raiva de existir. Saiu dali a alta velocidade. Disse a Jonah que ia dar uma volta. Ela precisava de estar sozinha. Ela precisava de pensar, de apanhar ar.
Estava a anoitecer. Saiu do bairro e foi até uma praia. Sentou-se no cimo de uma falésia a admirar o mar. Livre e agitado. Estava algum vento. A escuridão começou a tomar conta do céu. Olhou para baixo. O mar batia nas rochas da costa. Para quê sofrer? Para quê prolongar a sua vida por mais dois dias? Afinal, o fim seria sempre a morte. Levantou-se e ficou o mais perto da beira possível. A ponta das botas já não estava em terra firme. Sentia o vento na cara. Fechou os olhos e deu um passo em frente.

CAPÍTULO 25 – Dois dias

Caiu. Mas não caiu mais por pouco. Alguém lhe segurou o braço e puxou para cima. Era Jonah.
- Lara, o que é que ias fazer?
- Jonah, deixa-me. Não quero causar mais problemas a ninguém. – pediu ela.
- Não te podes matar! Estás louca?
- Sim. Sim, estou louca! Tenho dois dias de vida. Para quê esperar? Isto é mais rápido e eficaz. E assim evito que mais alguém morra ou desapareça por minha culpa.
- Lara, nós vamos conseguir quebrar essa maldição e vai voltar tudo ao normal. – acalmou-a.
- Não, não vamos. E mesmo que isso seja verdade… E até lá, quantas pessoas vão pagar por isso? Diz-me. Consegues dizer?
- Tu não tens culpa de nada! – gritou ele.
- Eu não quero viver mais. Respeita isso.
- A Diana está a lutar pela sua vida no hospital. E tu vais matar-te assim? Como és capaz?
- Como é que tu sabes da Diana? – virou-se ela.
- Eu? Eu sei porque sei. Já tinhas comentado comigo. – atrapalhou-se ele.
- Não, nunca comentei sobre ela com ninguém. E porque é que estás aqui? Como é que me encontraste? Seguiste-me? Andas a seguir-me? – irritou-se.
- Vem. Sai de perto dessa escarpa e vamos falar com mais calma. – pediu ele.
- Não vou a lado nenhum. Daqui eu não saio. – gritou.
- Lara, eu…
- Deixa-me. Sai. Por favor…
- Não posso deixar que faças isso.
- Mas porquê? A minha vida está uma merda, consegues entender isso? Já não faz sentido. Eu estou a ficar louca, Jonah. Já não aguento mais. Já não tenho vontade para fazer nada. – chorava.
- Se há alguém que não está a entender bem as coisas aqui és tu. Pensa um pouco. Tu só estás a ficar louca e sem vontade para nada por causa da maldição. Disseste-me que a maldição realiza os teus medos, não é? Tu estás com medo que uma depressão volte. E ela está a voltar.
- Só me estás a dar mais razão. Não há nada a meu favor. Sai daqui. Não tens de assistir a isto. Deixa-me em paz!
- Tu não percebes… Isto não é a realidade. A realidade é outra. Quando isto passar, a realidade volta. E tu vais estar bem, saudável e com os teus amigos. Vai estar tudo…
- Não, Jonah. Isto não vai passar. – interrompeu ela – O fim é a morte. Seja hoje, amanhã ou depois. As ameaças foram bem claras.
- Lara, se há uma forma de quebrar a maldição, como me disseste, isso significa que há uma forma do fim não ser a morte.
- Falas como se soubesses de alguma coisa…
Ela voltou  virar-se para o mar. Jonah, impaciente, agarrou-lhe e puxou-a para longe da queda. Lara foi praticamente arrastada até casa, desfeita em lágrimas e com um choro doloroso. Não quis falar com ele. Fechou-se no quarto e lá ficou, a pensar.
Jonah tinha razão. Haviam demasiadas pessoas a lutar pela vida. Ela não podia desperdiçar a sua assim. Ela tinha de lutar contra a depressão. Tinha de lutar contra os seus medos. Tinha de conseguir acabar com a praga. Se ela morresse, não seria por desistência.
A maneira como ele tinha falado com ela ainda era diferente. Não era o Jonah que ela sempre conheceu. Mas também não era o Jonah estranho de ultimamente. Ele parecia mais amigo dela. Parecia, pelo menos, estar a tentar. Porque nos seus olhos, Lara viu que ele estava bastante impaciente com a situação.
A noite passou. O dia nasceu chuvoso. Lara tinha dormido bastante mal, como de costume. Acordou com um relâmpago e não conseguiu dormir mais. A tempestade que começou a meio da noite ainda durava. A primeira coisa que fez foi procurar um novo bilhete no quarto. Novas pistas, qualquer coisa que ajudasse. Apesar da desmotivação, desistir era impensável. Encontrou um papel, como de costume, ao lado da cama.
“Ainda não encontraste a faca. Mais da metade do teu tempo já passou. E a tua vida está cada vez mais miserável.
Costumo cumprir a minha palavra. Mesmo que não tenhas encontrado a faca, hoje dou-te uma pista sobre quem deves atacar. Quem é que te amaldiçoou? Quem será? Adianto-te que é uma pessoa que conheces bem, mas que ao mesmo tempo nunca viste na vida. Confusa? Ainda bem. Afinal de contas, enigmas de fácil resolução são aborrecidos.
Hoje é o penúltimo dia, minha querida. Se eu estivesse no teu lugar começava a pensar na minha vidinha. Estás à espera do quê? É a tua vez de jogar! Amanhã, quando já tiveres perdido quatro dias, dou-te a pista final.
Tem um bom dia”

CAPÍTULO 26 – Bomba

- Uma pessoa que conheço mas nunca vi? Mas eu… Já estive com todas as pessoas que conheço. E mesmo que não tivesse estado, já a teria visto por fotos. – pensava ela.
- Bom dia, Jonah. – saudou ela ao sair do quarto.
- Bom dia, Lara! Como estás hoje? – preocupou-se ele.
- Estou bem melhor, obrigada! – sorriu.
- Olha, passou aqui um homem a querer falar contigo. – continuou.
- Um homem? Quem?
- Não sei. Não disse o nome. Mas acho que era um maluco qualquer. Não dizia coisa com coisa.
- O que ele disse? Quando é que veio? – perguntou.
- Ele veio há algum tempo. Quis falar contigo mas não deixei, porque estavas a dormir. Não te quis acordar. E ele fez questão de te deixar um recado. Disse que tinham posto uma bomba no hospital de St's Thomas Westmister.  Que ia rebentar dentro de uma hora e que tu tinhas de ir lá desativá-la. – contou ele.
- O quê? Esse é o hospital onde o corpo da policia vai fazer a autópsia. É o hospital onde está a Diana! Mas quem era esse homem? Como ele era?
- Era bem estranho. Tinha uns olhos verdes esbugalhados, era magro. Esquelético, na verdade. Vinha todo vestido de negro e o pouco cabelo que tinha estava em pé. Enquanto falava sorria de uma maneira esquisita. Tinha os dentes um pouco tortos e bastante amarelos. Parecia um louco. – descreveu.
- Meu deus! Mas uma bomba? Tenho de ligar para o hospital a avisar!
- Não te preocupes. Ele estava a inventar. Via-se que era maluco.
- De qualquer forma é melhor avisá-los. Mais vale prevenir. – disse, agarrando no telefone.
- Bom dia. Hospital de St's Thomas Westmister, em que posso ajudar? – atendeu um senhor.
- Bom dia. Vieram avisar-me que há uma bomba nesse hospital. Têm de procura-la e desativá-la! – explicou.
- Minha senhora, por favor não brinque com este número de telefone.
- Não! Não desligue! Não estou a brincar. Ouça-me.
Tarde demais. O senhor tinha encerrado a chamada. Lara era incapaz de ficar em casa e acreditar que nada ia acontecer. Agarrou mais uma vez no telefone.
- Vais ligar de novo? É inútil… - disse Jonah.
- Sim? – atenderam.
- Bom dia! Veio um homem a minha casa avisar-me que há uma bomba no hospital de St's Thomas Westmister. O hospital onde está o corpo da sua colega. Temos de ir lá! Liguei para o hospital mas acharam que era uma brincadeira.
- Uma bomba? Mas como? Porquê? – confundiu-se.
- Sim, uma bomba! E só temos uma hora. Aliás, menos que isso. Temos de ir já para lá! Não podemos perder tempo! Pode ser o serial killer. Pode querer fazer desaparecer o corpo! Desta vez, como o cadáver está mais vigiado, ele pode querer fazê-lo desaparecer de outra forma! – continuou.
- Como é que eu não pensei nisso? Faz sentido, Lara! Vou já! Quer que passe na sua casa para lhe dar boleia? – inquiriu.
- Não perca tempo! Vá o mais rápido que conseguir para lá! Eu vou já apanhar um táxi.
Despediram-se e Jonah, confuso, perguntou:
- Estavas a falar com quem?
- Com o polícia. – respondeu ela, correndo para o quarto. – Vou vestir-me. Chama-me um táxi, por favor!
- Lara, o táxi já está à porta! – gritou Jonah, alguns minutos depois.
Lara saiu do quarto e despediu-se do amigo. Entrou no carro e deu as indicações necessárias. Com o coração acelerado, puseram-se a caminho. Já tinham passado uns 30 minutos desde que o tal homem tinha aparecido na casa do grandalhão. Ela só queria que aquilo fosse mentira. Por várias vezes pediu que o taxista fosse mais rápido. Aproximavam-se do hospital e puderam ver o carro da polícia estacionado junto à entrada. Lara pediu que o táxi a deixasse exatamente na porta do edifício. Estavam a poucos metros.
Três, dois, um. Uma explosão projetou o táxi por vários metros. O carro bateu no chão e ainda foi arrastado por uma grande distância. Rebolou até chocar com um outro carro. Era outro táxi. O veículo da polícia veio logo depois, vindo do ar. Foi contra o segundo táxi e este foi lançado para mais longe.
A tempestade estava agora acompanhada por fogo, que caía do céu, fruto da explosão. Ouviam-se gritos e estrondos. Pessoas corriam a arder. Umas morriam queimadas, outras esmagadas e outras cortadas, por voarem contra vidros. O táxi onde Lara estava encontrava-se virado. Olhou para o seu lado. O condutor estava morto, totalmente desfigurado pelos vidros. Ela, com uma enorme ferida na cabeça e vários arranhões profundos, tentou sair do carro, que começou a pegar fogo. Conseguiu sair pela janela lateral. A sua roupa estava em chamas. Desesperada, atirou-se ao chão e rebolou o mais que conseguiu, até que deixou de sentir as suas costas queimadas.
Olhou à sua volta. Um verdadeiro pesadelo. O polícia vinha a correr ao longe. Que bom, estava vivo. Não estava dentro do carro. Ela começou a afastar-se do táxi, correndo o mais que pôde. Este explodiu e fê-la voar contra o segundo táxi. O taxista estava com uma mulher. Estavam desesperadíssimos a tentar tirar alguém do veículo. Quando se ofereceu para ajudar a senhora virou-se. Era a mãe adotiva de Diana. O homem conseguiu puxar um corpo para fora do carro. Era ela. Era Diana. A menina estava acordada.

CAPÍTULO 27 – Dia perdido.

Depois de tanto tempo, Lara finalmente reviu aqueles olhos azuis. Diana estava ferida, mas nada de grave. Sorriu para a arqueóloga, mas não disse uma palavra. O momento foi rapidamente interrompido por Sílvia, que afastou as duas.
- Sai daqui! Não te quero perto da minha filha. – gritou a mãe.
- Deixe-me ajudar! Por favor.
- Não! Afasta-te. – insistiu.
A menina estava caída no chão. Não podia voltar a andar. O taxista abriu a bagageira e tirou de lá uma cadeira de rodas. O agente da polícia, entretanto, chegou. Foi nesse momento que Diana começou a respirar de uma forma diferente. Parecia estar com dificuldades. De repente começou a espernear e levou as mãos ao pescoço. Olhava, assustada, para Lara, como um pedido de ajuda. Esta agachou-se preocupada. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas que indicavam susto e medo. Ela estava morta.
- Não. Não! – gritava a mãe.
- Oh merda! – surpreendeu-se o taxista.
Exatamente como nos seus pesadelos. Tanto o polícia como Lara permaneceram sem reação por um bocado. Uma lagrima escorreu-lhe pelo rosto. O agente olhava confuso para a arqueóloga. Tinha um olhar ameaçador. Ficou a olhar-lhe assim por um tempo.
Sirenes ouviram-se. Estavam a chegar polícias e bombeiros. Era um hospital grande. Não estava totalmente destruído. Apenas uma parte. A parte direita. A parte onde, para além de outras coisas, se faziam as autópsias. Era ali que estava o corpo da polícia, agora irreconhecível.
Mas e Diana? Como ela estava acordada? Como é que ela estava fora do hospital? A mãe não lhe quis dar nenhuma explicação. Continuava a querer manter distância dela. Que confusão. O que se tinha passado ali? Olhou para a estrada e viu Jonah, a ir embora. A desaparecer no nevoeiro. O que ele estava ali a fazer?
Horas e horas de combate ao fogo. As pessoas feridas foram levadas para a parte funcional do hospital. Avisaram-se as famílias e não demorou muito até o local se encher de jornalistas e emissoras. Lara estava mais longe, ao fundo, sentada num jardim. De frente para o incêndio. Ainda estava em choque. Pacientes e funcionários mortos. Centenas de feridos.
Diana tinha sido levada para um outro hospital na cidade. Ela não tinha morrido do incêndio e muito menos das feridas, que eram mínimas. Tinha de se fazer uma autópsia. Lara sabia que o cadáver da menina não estava seguro. Iam fazer de tudo para que este desaparecesse, como das outras vezes. Ela tinha de fazer alguma coisa. Mas o quê? A mãe não lhe deixava aproximar-se, mesmo depois de morta. O polícia foi chamado para investigar o caso. Lara estava sozinha. E não estava ali a fazer nada.
Foi, de táxi, para casa. Contou tudo ao Jonah e o grandalhão mostrou-se igualmente chocado. Disse que tinha visto as notícias na televisão. Deu a entender que não tinha saído de casa. Mas Lara tinha-lo visto lá. Ignorou esse facto. Estava mais preocupada com a menina. Nem se estava a lembrar da maldição. Apesar de não ter fome, foi almoçar.  Comeu os restos dos bifes da noite anterior. Não tinha outra escolha.
Dali a umas horas Diana estaria a fazer a autópsia. Até lá o seu corpo estaria em espera num quarto, como aconteceu com todos os outros. Ela não podia deixar que o cadáver desaparecesse. Aquela autópsia podia ser a resposta para muita coisa.
Não adiantava ligar para o hospital e pedir que ela fosse vigiada o tempo todo. Lara tinha de ir lá. E tinha de ser ela a garantir que nada acontecia com o corpo. Chegou e pediu para fazer companhia à menina, enquanto ela esperava pela autópsia. Quando lhe perguntaram se ela era da família a arqueóloga explicou que Diana não tinha família e que ela era uma amiga. Deixaram-na entrar.
Estava deitada numa cama. Tão bonita como sempre. Estava com a pele praticamente branca. Lara não teve coragem para se aproximar muito. Sentou-se num canto e ficou a olhar-lhe. A tarde passou. Não aconteceu nada. Tinha chegado a hora. Sim, finalmente uma das vítimas estava a realizar uma autópsia! Lara esperava lá fora, ansiosa.
O médico saiu e informou-lhe que já tinha acabado e que não sabia quanto tempo podia demorar para sair o resultado. Sílvia chegou e irritou-se instantaneamente por ver Lara.
- O que é que ela está aqui a fazer? – gritou, zangada.
- Tenha calma! A senhora Lara esteve a fazer companhia à sua filha enquanto não chegava a hora da autópsia. – explicou o médico.
- Mas eu não lhe dei autorização para ela se aproximar da Diana! Quero que ela se vá embora. – continuou a mulher.
- Eu acho que devemos falar. – disse Lara.
- Não temos nada para falar.
Lara saiu dali por vontade própria. Já lá fora encontrou o polícia, que lhe olhava com ódio. Parecia perturbado e nervoso. Estava apenas parado a observá-la.
- Foste tu. – sussurrou ele, trincando os dentes.

CAPÍTULO 28 – Rapto

- O quê? Fui eu o quê? – confundiu-se.
- Tu mataste a Diana.
- Eu o quê? Está louco?
- Sim, tu! Mataste-a! A ela e aos outros todos também. – irritava-se ele, enquanto se aproximava.
- Tem provas disso?
- Não. Mas vou consegui-las. – informou, dando-lhe uma pancada com a cassetete na cabeça.
Lara caiu, inconsciente. Ele segurou-a e olhou ao redor. Ninguém estava a ver. Arrastou-a uns metros e enfiou-a no banco de trás do seu automóvel.
Acordou com uma dor forte na testa. Não se conseguia levantar. Tinha também uma dor nas pernas. Não sabia onde estava. Não conhecia aquele sítio. Parecia uma casa abandonada. Haviam paredes descascadas, vidros partidos, lixo e plantas a entrar pelas janelas quebradas. O polícia apareceu. Saiu de uma divisão.
- O que é que se passa? Está louco? – chorava ela.
- Não! Tu é que estás louca! Tu! Não me enganas! Nunca me enganaste! Sempre soube que eras tu. – gritava.
- Que era eu o quê?
- A assassina! És tu! – insistia.
- Porque é que de repente ficou a achar isso? Pensei que acreditava em mim depois de ver que a sua colega morreu do nada. Além disso a Diana morreu na sua frente e ninguém lhe tocou. – defendeu-se.
- A Diana… Uma menina tão novinha… Como tiveste coragem de lhe fazer aquilo? Depois de tanto tempo em coma ela estava bem. E tu mataste-a! – chorava.
- Eu não a matei! – gritou Lara – Nem a ela nem aos outros! E como ela acordou do coma?
- A mãe dela estava tão feliz. Ela contou-me tudo. Tentaste matá-la no hospital mas não conseguiste. Mas hoje conseguiste, não foi? – continuou.
- Ela… Ela contou o quê?
- A Diana acordou nesse mesmo dia. Depois de teres saído de lá. Depois de quase a teres morto. Ficou lá por mais um dia mas hoje os médicos deram-lhe alta. Ela ia finalmente para casa.
- Mas eu não tenho culpa do que aconteceu! – gritou.
- Ela estava no carro. No táxi. Ia para a sua nova casa, com a sua nova família. Iam ser muito felizes. E tu estragaste tudo. Porquê? Diz-me porque mataste todas aquelas pessoas.
- Eu não as matei! Eu não…
- Confessa! – interrompeu ele, sacando a pistola do coldre.
- Baixe essa arma. – pediu ela. – Não faça nada que…
- Confessa! Confessa que os mataste! Só preciso de uma confissão tua! Confessa! – gritava descontroladamente.
- Diga-me. Como é que eu os posso ter morto? Eu não toquei em nenhum deles. E o senhor viu isso! – continuou ela.
- Isso é o que a autópsia nos vai dizer. Podes tê-los envenenado. Ou podes tê-los morto de outra forma… De uma forma mais… sinistra…
- Do que é que está a falar? – enervou-se.
- Não sei. Mas não me admirava nada que fosses uma bruxa!
- Está louco! Deixe-me ir embora. Não pode manter-me aqui presa. – exigia, enquanto se tentava levantar.
- Claro que posso. E é o que vou fazer. Vais ficar aqui até confessares. Eu vi! Vi-te a olhar para a menina enquanto ela ficava sem ar. Como se estivesses a controlar a sua respiração. Sua louca!
- Eu não tenho tempo para isto! Eu só tenho mais um dia e meio de vida. O tempo está a esgotar-se. Eu tenho de parar a maldição. – explicou.
- E eu é que sou o louco? Quem é que queres enganar? Inventaste essa história toda… Admite! Pelo menos podias ter inventado uma coisa melhor. Uma maldição? – ria-se ele.
Nesse instante Lara passou-lhe uma rasteira. O homem tombou e ela conseguiu roubar-lhe a arma, mas ainda sem se levantar. Estava com a pistola apontada ao agente.
- Não tente levantar-se ou eu disparo! – ameaçou ela, ao vê-lo mexer.
- Está a apontar uma arma a um agente da autoridade? Sabe a gravidade do que está a fazer? – sorriu ele.
- Está a sequestrar uma mulher? Bateu nela? Sabe a gravidade do que está a fazer?
O polícia chutou a arma para longe. Atirou, de seguida, um espelho partido para cima da arqueóloga. Uma poça de sangue começou a surgir. Tinha um grande fragmento espetado no abdómen. Os restantes pedaços estavam espalhados. Ela não conseguia alcançar nenhum e o homem estava a correr para a pistola.
Gritando de dor ela arrancou o espelho da barriga e atirou-o com raiva sem ver para onde. Deixou de ouvir barulho. Virou-se e viu o homem com um pedaço de espelho enfiado no pescoço.

CAPÍTULO 29 – Funeral

Caiu de joelhos e depois para a frente. Lara matou-o. Ela matou-o. Já não matava uma pessoa há bastante tempo. Tentava estagnar o seu sangue com os dedos. O corte era profundo. Alguns minutos depois conseguiu levantar-se, com bastante esforço. Sem saber o que fazer com o cadáver, deixou-o ali mesmo e saiu.
Era realmente uma casa abandonada. Parecia estar no meio do mato. Andou e andou até que chegou a uma estrada. Viu um carro ao longe, que se aproximava. Colocou-se na frente dele e acenou, pedindo ajuda. À medida que o carro se aproximava Lara foi vendo quem estava no seu interior. Era Sílvia, a mãe de Diana. Ela sorriu e acelerou. Estava em alta velocidade em direção a Lara. Quando esta percebeu o que se estava a passar começou a coxear para fora da estrada. O automóvel passou e não lhe atropelou por pouco. Mas conseguiu pô-la no chão com o impacto do espelho direito.
- Merda! O que é que eu faço agora? – gemia.
Ela não sabia onde estava. Estava completamente perdida. Começou a avançar na estrada até que não aguentou mais. Tropeçou e caiu. Ali ficou, sem se conseguir mexer, até que desmaiou.
- Lara. – chamaram.
Ela abriu os olhos. Olhou em frente e viu alguém sair de trás de uma árvore. Era Jonah.
- Jonah, o que estás a fazer aqui? – sussurrou ela, sem forças.
- Vim à tua procura. O que aconteceu?
- Eu…
- Não. Não fales. Depois contas-me. Agora vamos para casa. – disse, ajudando-a a levantar-se.
- Onde estamos?
- Não te preocupes. Estamos perto de casa.
- Eu tenho que… Encontrar a… Faca…
Nesse instante ela voltou a perder os sentidos. Jonah levou-a ao colo o restante caminho. Amanheceu. Estava um dia seco, mas cinzento. Lara acordou. Oh não. Ela tinha adormecido. Era o último dia e ela nem tinha encontrado a faca. Levantou-se e leu o papel que estava na mesinha ao lado da cama. O último papel.
“Parece que foi ontem que acordaste com aquele corte no pulso. Mas é verdade. Cinco dias passaram. Hoje é o último dia. Quando o sol se puser, tudo acaba. A minha dica de hoje é que sigas os planos que já tinhas há algum tempo. Este dia promete. Ficaremos a saber quem ganha o jogo! Já nos vemos. Até logo”.
Lara machucou o papel e atirou-o. Possuída pela raiva, começou a deitar tudo ao chão, enquanto gritava. Jonah apareceu assustado. Ela não tinha vontade de lutar pela vida. Era inútil. Ela já não podia fazer nada. Aquele era o seu último dia de vida.
- O que se passa?
- Nada, Jonah…
- Então, vais contar-me o que se passou?
- Eu saí do hospital e o polícia raptou-me. Acordei numa casa abandonada. Depois de uma discussão eu matei-o. Ele ia matar-me, Jonah. Mas eu antecipei-me.
- Calma, tem calma! Se foi em legítima defesa não tens com que te preocupar. Mas ele fez-te isso porquê?
- Ele estava louco. Convencido de que eu era uma serial killer e que tinha morto todas aquelas pessoas.
- Lara, sabes que dia é hoje, não sabes? – mudou de assunto.
- Sim. Eu sei.
- O que vamos fazer?
- Não vamos fazer nada. Não vamos falar sobre isto. Simplesmente deixa-me. – respondeu ela, virando-lhe as costas e saindo do quarto.
- Não podes desistir, já te disse. – continuou ele, indo atrás dela.
- Vou tomar um banho e depois vou ao funeral da Diana. – informou.
Era o seu último banho. E isso não lhe saía da cabeça. Vestiu-se e preparou-se para sair.
- Não vais comer nada? – inquiriu ele, ao vê-la apressada.
- Não. Já estou atrasada.
- Mas tu estás fraca, Lara. Come qualquer coisa pelo caminho. – pediu.
- Até logo. – despediu-se, saindo.
Entrou no cemitério e começou a subi-lo, à procura de alguma pequena multidão. Viu Sílvia, em frente a um caixão e um padre. Não havia mais ninguém. Lara não se aproximou muito, para não ser vista. Poucos minutos depois a menina foi enterrada. A mãe virou-se e viu Lara. Veio automaticamente ter com ela.
- O que é que fazes aqui? – gritava.
- A senhora não é a dona da Diana.
Sílvia agarrou-lhe no pescoço e começou a apertá-lo, com toda a sua força. Lara deu-lhe uma joelhada e empurrou-a. Esta caiu no chão. A arqueóloga agarrou numa pá que estava junto a uma cova e ergueu-a, preparando-se para atacar a mulher.

CAPÍTULO 30 – Onde tudo começou

Ela tentava proteger o rosto com as mãos. Lara respirou fundo e largou o instrumento. Virou-lhe as costas e saiu.
- Saíram os resultados da autópsia. – gritou a mãe.
Lara parou automaticamente. Olhou para trás e voltou.
- Mas já saíram? E o que é que…
- Ela morreu de estrangulamento. – interrompeu – Mas não tinha quaisquer marcas no pescoço.
- Mas…
- Nós estávamos lá. Nós vimos. Ninguém lhe tocou. Como? Como é que fizeste aquilo? – continuou.
- Já lhe disse que não fui eu! Ela…
- Diz-me! Diz-me o que fizeste com a Diana! Alguma feitiçaria? – gritava a mulher.
- A senhora está louca! Com licença. Tenha um bom dia. – despediu-se.
Chegou a casa. Jonah estranhou ela ter voltado tão rápido:
- Tão cedo?
- Sim. A mãe dela até me atacou. Aquela mulher está a ficar louca. Como o polícia, também acha que eu matei a Diana. Acham que eu faço uma bruxaria qualquer para estrangular as vítimas sem as tocar. Loucos. Estão todos loucos. E eu também estou a ficar. – desabafou ela.
- Que parvoíce, Lara.
- Não é uma parvoíce assim tão grande, Jonah. As vítimas morreram todas do nada. E ninguém lhes tocou. Algo de muito estranho se está a passar aqui. Mas se queres que seja sincera, já nem me importo. – explicou.
- Não podes desanimar…
- Como não? Como? Hoje é o último dia, Jonah. Mais umas horas e eu morro. – chorou.
- Não podes pensar assim. Talvez esta praga nem seja real. Pode ser tudo da tua cabeça…
- É real, Jonah. Eu sei. Isto é real.
- Bem, eu vou ter de ir trabalhar. Volto mais tarde e espero ver-te mais animada! – disse, agarrando na sua mochila.
O grandalhão saiu e Lara ficou sentada no sofá, a contar os minutos para a sua morte. Mas calma. Lembrou-se de algo. “A minha dica de hoje é que sigas os planos que já tinhas há algum tempo.” É isso! Desde o princípio que Lara queria segui-lo para descobrir para onde ele realmente ia. Depois da morte de Harry ela não tinha voltado a tentar.
Correu para a porta da rua e espreitou. Jonah virava à esquina. Lara começou a ir atrás dele, bem sorrateiramente. Aquele não era o caminho para o restaurante onde ele trabalhava. Estavam a afastar-se do bairro. Estavam numa estrada com muitas árvores à volta. Mais à frente havia uma grande casa, bem isolada. Jonah tirou uma chave do bolso, abriu a porta e entrou. Lara aproveitou para se aproximar mais.
Era uma casa bonita, mas velha. Não se ouvia nenhum som vindo de lá de dentro. Ela chegou a uma janela e empurrou a preciana para cima. Já conseguia ver o interior. Estava um homem preso ali. Algemado. A algema parecia estar cimentada na parede. Olhos verdes esbugalhados, esquelético, completamente vestido de negro e com pouco cabelo. Era exatamente como Jonah tinha descrito o louco que o avisou da bomba no hospital. Mas o que se estava a passar ali?
Nesse instante Jonah apareceu na sala e Lara teve de se agachar para não ser vista. Ele sorria macabramente para o sujeito deitado no chão com o braço esticado preso a parede.
- Voltei. – disse, enquanto tirava a mala das costas. – Tens fome? Trouxe mais comida.
Ele abriu a mala e atirou-lhe duas marmitas, que pareciam ter restos de comida. Caíram em cima das necessidades do sujeito. Aquele lugar estava imundo. Cheirava mal. O homem levantava-se quase sem forças e, sem querer saber o que era aquilo, devorava tudo, esfomeado.
Jonah foi para outra divisão. Lara aproveitou para se levantar e espreitar melhor. Haviam partes de cadáveres irreconhecíveis espalhados por ali.
- Lara! – sussurrou o indivíduo ao vê-la.
Ela fez-lhe um sinal de silêncio e voltou a esconder-se. Ele conhecia-a? O cozinheiro voltou a entrar. Trazia um alguidar com água e pousou-o no chão. Como se estivesse a tratar de um cão. Qual era o seu propósito?
- Adivinha que dia é hoje? – sorriu o grandalhão.
- Já sei. Não falas de outra coisa. – gemia o homem.
- Finalmente. O dia chegou. Mais umas horas e podemos dizer adeus à Lara. – divertia-se.
- Não devias lançar os foguetes antes da festa. Ela ainda pode encontrar a faca, cortar-te o pulso e acabar com a maldição! – continuava ele.
- Duvido. Ela está demasiado desanimada com tudo. – ria-se – Nunca lhe vai passar pela cabeça que a faca esteve este tempo todo no apartamento dela. Pena que assim o nosso jogo perde a piada. Ela nem tentou vencer.
Onde tudo começou. Onde ela recebeu o primeiro bilhete, naquela noite. Onde a sua vida começou a ser destruída. No apartamento! Como não tinha pensado nisto antes? Ainda havia tempo. Lara começou a afastar-se da janela devagar. Tinha de ir a casa encontrar aquela faca. Quando se preparava para correr, ouviu:
- Onde vais, Lara?

CAPÍTULO 31 - Revelações

Ela congelou de susto. Levantou-se e começou a correr loucamente. O mais rápido que conseguia. Jonah vinha logo atrás. Chegou ao apartamento e trancou-se lá dentro. Nervosíssima, começou a vasculhar tudo. Tinha de encontrar aquela faca. Jonah batia com toda a força na porta, gritando.
Onde tudo tinha começado. Onde o primeiro bilhete apareceu. Na mesinha ao lado da cama. Lara abriu todas as gavetas. Estava na terceira. A faca. A mesma faca tática que antes estava na casa do cozinheiro. A solução para tudo.
Jonah arrombou a porta e entrou. Ela escondeu-se atrás da porta do quarto. Quando ele entrou, ela surpreendeu-o com uma pancada na cabeça e, quando lhe agarrou no pulso e preparou a faca para acabar com tudo, aconteceu algo. Ela simplesmente paralisou. Imobilizou. Não se conseguia mexer. Fazia toda a força para avançar com a faca mas era inútil. O medo de perder a sua autonomia. A sua independência. Só podia ser isso.
- Que pena, Lara. – riu ele.
- Eu…
- Olha só! Ainda consegues falar. Ainda… - interrompeu.
- Porque é que…
Antes que pudesse terminar a frase, levou um soco e caiu inconsciente no chão. Jonah arrastou-a escadas abaixo e parou no meio da estrada, gritando por ajuda. Um carro parou e de lá saiu uma mulher preocupada, a perguntar o que se passava. Ele aproximou-se e empurrou-a para o chão. Agarrou na arqueóloga e deitou-a no banco de trás. Entrou e acelerou.
Passaram alguns minutos. Lara acordou. Continuava sem se conseguir mover. Estava deitada, virada para a parede onde estava o tal homem preso.
- Lara! Estás bem? – perguntou ele.
- Vejam só quem acordou! – disse Jonah, ao entrar ali. – Dormiste bem, Lara?
- Jonah, o que se passa?
- Cala-te. – ordenou, enquanto acariciava a faca. – Era disto que tu precisavas agora, não era? Pena que já não possas fazer nada.
- Achava que eramos amigos. – chorava ela.
- Lembras-te? “Uma pessoa que conheces bem, mas ao mesmo tempo que nunca viste na vida”. Eu não sou o Jonah. – sorria.
Virou-se e aproximou-se da parede onde estava o homem. Pegou numa chave e libertou-o. Ele permaneceu caído no chão, sem forças. Jonah desviou-o com o pé e prendeu-se a si próprio na algema. Começou a dizer umas palavras impronunciáveis, olhando fixamente para o pobre senhor caído. Depois de uns sons estranhos, o homem levantou-se e tirou a chave da mão de Jonah.
- Lara! Ajuda-me! – pediu Jonah.
Ela não estava a perceber nada. Estava demasiado confusa. Mas observava tudo atentamente, sem conseguir fazer nada. Esquelético, sorria sinistramente. Os seus dentes eram amarelos e tortos, como a descrição de Jonah. Ele foi até um quadro que estava pendurado na parede ao lado e tirou-o. Havia ali um cofre. Pousou a mão num sensor e conseguiu abri-lo. Meteu a chave lá dentro e voltou a fechá-lo.
- Fui eu. Fui sempre eu. – disse ele, aproximando-se da arqueóloga.
- Sou eu, Lara. Agora sim. Sou mesmo eu! – gritava Jonah, preso na parede.
- Voltas a falar e eu mato-te! – ameaçou ele, sacando uma pistola de uma gaveta.
- Mas… Quem és tu? O que é que eu te fiz? Porque é que… Porquê? Porquê tudo isto? – gemia Lara – Jonah, o que se passa?
- Não foi o Jonah. Nunca foi ele. Fui sempre eu. E não, ele não estava hipnotizado. – ria-se – Ele estava possuído!  
- Possuído? Mas…
- Por mim. Foi a única maneira de chegar até ti. – continuou.
- Como é que…
- Naquela noite. Deixaste a janela aberta enquanto lias um livrinho. A oportunidade perfeita! Entrei-te em casa e roubei a chave. Fui fazer uma cópia. Foste tão parva que ainda consegui voltar lá na mesma noite e deixar tudo como estava. E ainda te deixei aquele amigável recado, lembras-te? Quando o jogo começou. – contava, enquanto se sentava.
- E foi assim que conseguiste deixar-me todos os bilhetes! Tinhas a chave!
- Exatamente! És muito esperta. Depois sentiste-te sozinha. Que pena. Aceitaste ir morar com o Jonah. Ou devo dizer comigo? Só me facilitaste mais o trabalho! Ficaste mais perto de mim. Lembras-te do dia em que foste amaldiçoada? Do dia em que acordaste com o pulso cortado? Fui eu. – divertia-se – Dei-te uma pancada na cabeça e amaldiçoei-te. Depois foi fácil. Foi só matar o cão e fingir-me de inconsciente. Como se tivesse sido outra pessoa a entrar ali. E tu, claro, acreditaste.
- Por isso é que o Jonah andava tão estranho. Não era ele. Eras tu! E foste tu que mataste os outros todos, não foste? Foste tu que fizeste desaparecer os meus amigos! – gritava ela.
- Calma, querida. Estás a confundir as coisas. Os teus amigos desapareceram por tua culpa, não por minha. Foi o teu medo de os perder. O medo de ficares sozinha. Quanto às mortes, sim, fui eu. Matei-os de maneira a que parecesses a culpada. Devias ter ficado com medo de ir presa. E devias ter ido. Infelizmente não aconteceu. Mas de resto, tudo correu muito bem.
- Se o objetivo das mortes era incriminar-me porque é que mataste a polícia na presença do outro agente? E a Diana. Isso tirava-me a culpa de cima. – confundiu-se.
- O plano não estava a resultar. Não ias ser presa. Não haviam provas. Além disso não me estava a divertir com aquilo. Depois sim, diverti-me. A partir de uma certa altura só te queria deixar louca. E não estive muito longe de o conseguir.
- Mas… Mas como? Como é que os mataste?
- Caso ainda não tenhas percebido, eu consegui trocar de corpo com o teu amiguinho. Estrangular pessoas com a mente é bem mais simples. E fazer desaparecer os corpos também foi fácil. Eles estão sempre sozinhos. – explicou. – E eles estão todos atrás de ti. Oh, espera. Não te consegues virar. Todos menos a Diana. Deixei que ela fizesse a autópsia para que vissem que foi estrangulada.
- Tu és louco! Um… Um bruxo! Por isso é que eu vi o Jonah depois de todas as mortes! – gritou.
- Chama-me como quiseres. Mas consegui o que queria. Vais morrer daqui a pouco tempo.
- Mas porque é que não me mataste logo? Porquê toda esta história da maldição?
- Tens de concordar que assim foi muito mais divertido. Mais emocionante. Matar-te seria simples demais. Suave demais. Assim foi muito mais doloroso. Admite. Quantas vezes preferiste estar morta? Até te tentaste matar.
- Pois foi. Tentei matar-me. E foi o Jonah que… Aliás, foste tu que me impediste. Se querias ver-me morta porque o fizeste? – inquiriu.
- Perdia toda a piada se desistisses do nosso pequeno jogo. Eu ia vencer pela tua desistência. E isso é aborrecido.
- E sempre que dizias que ias trabalhar vinhas aqui, não era? – continuou.
- Claro. Tinha de cuidar do meu corpo. Alimentá-lo. Eu voltaria para ele mais tarde ou mais cedo. Aliás, já voltei.
- E a bomba? Também foste tu, não foste?
- Claro. E inventei aquela história de terem ido bater à porta a avisar. Nem sei como acreditaste…
- Lara, desculpa-me! – pediu Jonah.
- Avisei-te para não falares! – gritou o homem, dando-lhe um tiro no braço.
- Jonah! Não! Não o magoes, por favor! Quem tu queres sou eu! – gritava ela.
- Sim, és tu. Mas o que eu queria já consegui. – respondeu ele.
- Mas porquê tudo isto? O que é que eu te fiz?
- Há uma pessoa mais indicada para te responder a isso.

CAPÍTULO 32 – O porquê

Ouviram-se passos. Alguém estava a descer as escadas. Lara não conseguia ver quem. Não se conseguia virar e ver. Quando viu, porém, não podia acreditar. Os seus olhos estariam a ver bem? Era ele. Ele estava ali. Mas como? Impossível! Harry, o fotógrafo, estava mais do que vivo na sua frente. Não. Como podia ser ele? Lara viu-o morto. Como Emma. Como William. Como Diana. Mas não. Ele estava ali mesmo. Ela não estava a ver mal.
- Surpresa. – disse.
- Harry? O que é que… Como é que… - gaguejava ela.
- Sim, estou vivo. Mas sim, também estive morto. – continuou.
- O que é que se está a passar aqui?
- Sou eu. Eu estive por trás de tudo. Sou eu que te quero ver morta. Este bruxo foi apenas um contratado. Tudo foi cautelosamente planeado. Mas tivemos alguma sorte. – contou.
- Sorte? – gritou ela.
- Naquele dia. A Sam ligou-me. Pediu que eu fosse o teu detetive. As coisas não podiam ter corrido melhor. Nunca me passou pela cabeça que ela me fosse chamar para te ajudar. Não somos propriamente amigos. Fomos colegas. Só isso. Mas para colega eu até sei bastante da vida dela. Mais importante do que tudo, eu sabia que ela vivia contigo. Perfeito! Foi uma enorme coincidência. Eu estaria a tratar do meu próprio caso. Eu seria o detetive que iria seguir uma pessoa que estava a trabalhar para mim. Assim nunca ninguém iria descobrir nada. – ria ele.
- Mas tu nem chegaste a seguir o Jonah. Tu morreste! – interrompeu Lara.
- Sim, eu morri. Porque tivemos uma ideia muito melhor. Começar uma série de assassinatos. Para que fosses presa. Depois só te queríamos ver louca. Mas isso já sabes. Já te contaram. Então combinamos e ele matou-me. Depois, na autópsia, foi só ele trazer-me de volta à vida e desaparecer dali. – explicou o paparazzo.
- Isso quer dizer que ele pode ressuscitar aqueles mortos? Pode trazê-los de volta? – enervou-se ela.
- Sim, eu posso. Mas não vou fazê-lo. – respondeu o homem.
- Por favor! Eu faço o que vocês quiserem!
- Tu vais morrer daqui a pouco tempo, Lara! – gritou Harry – E, caso não tenhas reparado, os corpos da tua vizinha Emma e do teu chefe William estão mesmo aí, atrás de ti. Desfeitos. Completamente desfeitos. O corpo da polícia está em cinzas. E a Diana está enterrada.
- Não! Ela pode ser desenterrada! Por favor! – implorava ela.
- Chega deste assunto! Não queres saber a história? Deixa-me continuar. Antes, muito antes da Sam ter falado comigo, eu contratei este homem. Ele próprio amaldiçoou aquela faca. Ele próprio possuiu o Jonah. Ele próprio conviveu contigo nos últimos dias. Ele fez tudo. No início acompanhei as coisas de perto. Mas depois de morrer eu tive de me afastar. Tive de ficar aqui. Na minha casa. – continuou o fotógrafo.
- Mas, Harry… Eu… Eu nem te conhecia. O que é que eu te fiz? Porque é que me fizeste tudo isto? – chorava ela.
- Boa pergunta. Não, não foi por ser mais divertido, como ele te disse. Pelo menos não foi só por isso. Há algo muito mais importante.
- O quê? O que pode ser? Eu nem te conhecia.
- Tu conheces-me, Lara. Faz um esforço. Não te lembras de mim?
- Não! Eu juro!
- Não te lembras de uma aventura que tiveste há alguns anos? Eras pequena. Foste com o teu pai. – contou Harry – Não te lembras? A tua primeira grande viagem. Para África. O teu pai deixou-te ir com ele por ser pouco perigoso.
- Eu não…
- Claro que te lembras! – interrompeu – Vocês não estavam sozinhos. O teu pai levou consigo um pobre fotógrafo para fazer a cobertura daquela expedição. Mais uma grande aventura do senhor Richard Croft! Esse fotógrafo também levou a sua filha. Não te lembras?
- Harry, eu não queria…
- Claro que não querias que aquilo acontecesse. Os Croft nunca pensam nas consequências de nada, não é? Parece que já te estás a lembrar daquele dia. O dia em que vocês destruíram a minha vida.
- Eu não… Nós não…
- Eu refresco-te a memória! Estávamos a andar. Numa floresta. Tu e o teu pai na frente, como sempre. E eu a filmar e a tirar fotografias, logo atrás. De mão dada com a minha filha. – contava – De repente ela começou a queixar-se e a coçar o pescoço. Tinha uma picada de um bicho qualquer. Claro que todos ignoramos aquilo. O teu pai estava com pressa. Continuamos a andar…
- Eu sei a história, não precisas de…
- Depois ela começou a ficar estranha. Começou a fazer barulhos estranhos. De repente agarrou na minha pistola. Começou a gritar e a correr para todos os lados. Não nos conhecia. Pensava que íamos fazer-lhe mal. Ficou louca com o veneno daquele bicho. Provavelmente aquilo não ia durar muito tempo. Mas o teu pai teve de fazer merda. – continuava – Ele agarrou na sua faca e apontou-a à menina. Ela foi a correr na direção dele. “Não te aproximes” foi a única coisa que ele disse. Não desviou a faca do caminho. Nem um centímetro. E ela não parou. Ela continuou a correr. Correu e só parou quando tinha a sua barriga perfurada pela faca do teu pai. Esta faca. A mesma. Claro que ela não sobreviveu. É óbvio. E o que vocês fizeram? Lamentaram e fugiram dali. Já nem quiseram saber da aventura. E deixaram-me ali. Com a minha filha morta e com uma faca ensanguentada no chão. Vais dizer-me o quê? Que essa imagem saiu da cabeça de uma criança tão pequena como tu eras? Vais dizer que te esqueceste?
- Não eu… eu não me esqueci… Mas ela tinha uma arma. Ela podia matar-nos a todos! – defendeu-se ela.
- Ela era uma criança! Como tu! Senti-me vingado há uns anos, quando o teu pai morreu. Mas agora não. Eu quero acabar contigo também. Quero acabar com a família Croft! E não podias morrer com uma simples facada, como a minha filha. Tinhas de sofrer muito mais do que isso. Não podias ter a mesma morte que ela. Sim, eu guardei aquela faca até hoje. E foi esta faca que te amaldiçoou. Foi esta faca que acabou com a tua vida! E com a minha também. O meu maior medo era perder a minha filha.
- Tu estás completamente louco! Ninguém teve culpa do que se passou! – gritava.
- Não tão louco quanto tu estás!
Nesse instante uma sirene fez-se ouvir. A polícia estava a chegar.

CAPÍTULO 33 – Traição

Harry correu para todas as janelas e fechou-as. Ameaçando-os com a arma, proibiu todos de fazer barulho.
- É este o carro. É esta matrícula. – disse um dos polícias, ao sair da sua viatura.
- Roubaram-no e deixaram-no aqui? Estacionado? Na frente desta casa? – inquiriu o outro.
- Bem, eu vou ligar para a senhora a informar que já encontramos o carro. – informou o terceiro.
- Está aí alguém? – gritava um deles enquanto batia à porta.
- Ninguém faça barulho. – sussurrou o fotógrafo.
- Socorro! – gritou Lara.
A polícia não pensou duas vezes e arrombou a porta. Três agentes armados. Harry permaneceu com a pistola apontada às autoridades, assim como o bruxo.
-Mata-os. – ordenou.
O homem baixou automaticamente a arma. Ia matá-los de forma a que não deixasse quaisquer provas. Como fez com os outros. Olhou-os fixamente e começou a estrangulá-los com a mente. Aos três ao mesmo tempo. Nesse momento o paparazzo aproveitou o facto de já não ter nenhuma arma apontada a si e amarrou os polícias, deixando-os num canto da sala.
- Podes parar. Deixa-os vivos por enquanto. Temos algumas prioridades. – sorriu ele, olhando para Jonah.
- Por favor! Para! Já não podes fugir! A polícia está aqui. – chorava Lara.
- Lara, minha querida, eu posso o que eu quiser. E tu devias estar mais preocupada com outras coisas. – dizia ele, aproximando-se da arqueóloga – Daqui a pouco tempo o sol vai pôr-se. E o teu tempo vai acabar.
Ele pousou a faca numa mesa e recuou. Os agentes ainda estavam meio atordoados e tossiam aflitos. Mas estavam vivos. Harry fez um sinal ao colega e este virou-se para Jonah. Olhou-o fixamente. Começou a fazer o mesmo. A afoga-lo sem lhe tocar.
- Não! Por favor! Eu peço-te! Não o mates! Não! – gritava Lara.
- Porque não o salvas? Vamos lá, Lara. Tu és a heroína, tu tens de salvá-lo. – ria-se o fotógrafo.
A polícia estava boquiaberta mas não podia fazer nada. Estava presa. Olhos arregalados, boca escancarada e sobrancelhas que indicavam susto e medo. Jonah estava a morrer. Lara juntou todas as suas forças. Mas era inútil. Não conseguia mexer nem um dedo. Estava tão desesperada com a morte do amigo que se esqueceu de todas as maldições do mundo. Todos os seus medos ridículos não eram nada em comparação àquele. O medo de perder o amigo. Para que lhe servia o orgulho? O medo de perder a sua autonomia? Sim, ela deixou de ter esse medo. Ela venceu-o. Consequentemente, esse medo deixou de ser realizado.
Conseguiu mexer-se. Não podia acreditar. Os vilões estavam de costas, entretidos com a morte do cozinheiro. Lara levantou-se em silêncio e olhou para a polícia. Um dos agentes empurrou a sua pistola com o pé. Ela ignorou aquilo. A sua atenção estava toda virada para aquela faca, em cima da mesa.
Agarrou na faca e aproximou-se devagar dos dois homens. Estava a ficar sem tempo. Eles estavam lado a lado. Lara olhava fixamente para o pulso do homem. A chave para acabar com a maldição. Mas Jonah estava mais do que roxo. A gargalhada do bruxo foi interrompida pelos braços da arqueóloga, que o agarraram por trás. Jonah automaticamente voltou a respirar, mas num péssimo estado.
- Harry! Liberta o Jonah ou eu mato o teu amiguinho! – gritou ela, com a faca junto ao pescoço do homem.
- Eu já não precisava mais dele, de qualquer maneira. – sorriu, disparando uma bala no ombro do velho, que caiu aos pés de Lara.
Chocada e com uma arma apontada à cabeça, Lara limpava as lágrimas. Olhou para o rival com um olhar ameaçador e deu dois passos em frente.
- Não dês nem mais um passo ou morres com um tiro no meio da testa! – gritou o fotógrafo.
- Tu não me vais matar. – sorriu Lara, dando mais um passo em frente.
- Lara, estou a avisar-te! – continuou ele, segurando na pistola cada vez mais fixamente.
- Eu sei que não me vais matar. – caminhava ela – Tu queres que eu morra daquela maldição. Eu sei. Nunca me vais dar um tiro.
Ele foi baixando a arma aos poucos. Ficou cara a cara com ela. Lara olhou para baixo. Para a sua mão. A mão que segurava a faca. A solução para tudo. O bruxo, caído no chão, praticamente morto, apontou a sua pistola para a divisão ao lado e disparou. A bala passou pela porta, atravessou a cozinha, perfurou a parede e só parou quando entrou numa botija de gás.
Uma explosão fez aquela velha casa dar de si. Poucos segundos depois Lara estava ferida junto a uma parede. O bruxo estava morto, em chamas. Harry estava preso debaixo de alguns móveis e do teto que tinha caído. Jonah estava a afastar-se do fogo o mais que podia, mas não tardava a ser alcançado.

CAPÍTULO 34 – O pulso

Levantou-se e soltou de imediato os agentes da polícia.
- O que se passou aqui? – perguntaram.
- Rápido! Ajudem-me a soltá-lo! – pediu, correndo na direção de Jonah.
Tentaram de tudo. Não conseguiam nem abrir a algema nem tirá-la da parede.
- É inútil. Onde é que ele guarda as chaves disto? – inquiriu um deles.
- Naquele cofre! – apontou ela – Mas só abre com as impressões digitais dele.
- Venham! Ajudem-me a tirá-lo daqui debaixo! – ordenou um agente, aproximando-se de Harry.
- Vou chamar os bombeiros. Vocês não vão conseguir levantar isso. – informou Lara.
E de facto não conseguiram. Fizeram toda a força mas o fotógrafo continuava esmagado. Ainda respirava. Mas nem uma palavra de socorro se ouvia.
- Lara! – gritou Jonah.
- Calma Jonah! Eu vou tirar-te daí! – prometeu.
Nesse instante o fogo atingiu o cozinheiro. O seu camiseiro começou a arder.
- Façam alguma coisa! – gritou Lara, desesperada.
Os polícias permaneceram parados, sem reação. Não tinham como salvá-lo. Jonah tinha levado um tiro, foi quase estrangulado e agora estava a morrer queimado. Num impulso ela correu até ao paparazzo e, com toda a força, agarrou na faca e cortou-lhe o pulso. Chorava e tinha ânsia de vómito, mas tinha de salvar o amigo. Cortou e cortou. Ao mesmo tempo puxava a mão do fotógrafo, que não reagia.
Quando reparou, já tinha o braço do homem na mão. Correu até ao cofre e conseguiu abri-lo. Soltou Jonah e atirou-o ao chão. O grandalhão rebolou o mais que conseguiu para apagar o fogo, mas não estava a resultar. Tirou o camiseiro mas o fogo já se prolongava pela blusa. Tirou também a blusa. O fogo já se sustentava da pele do cozinheiro. Nesse instante ouviram os bombeiros a chegar. Eles apagaram todo o fogo, começando, obviamente, pelo grandalhão.
Jonah tinha queimaduras graves e implorava que o matassem de uma vez. Eram dores insuportáveis. Uma ambulância não tardou a chegar ao local. Lara quis acompanhá-lo mas os agentes exigiram explicações.
- Se eu vos contar a verdade vocês vão achar-me louca. – informou ela, secando as lágrimas do rosto.
- Acho que não. Nós vimos. Vimos aquele homem quase matar o teu amigo sem o tocar. Pior do que isso, nós sentimos. Ele quase nos matou. Eu senti-me estrangulado sem ninguém me tocar. – disse um deles – Mas, como deve calcular, não entendemos nada.
- Bem, a verdade é que eu fui amaldiçoada. E hoje fui sequestrada. E descobri que aquele homem que ficou lá dentro esmagado é que estava por trás de tudo. Ele contratou o bruxo. E o nome dele é Harry. Ele morreu há uns dias. Fingiu a morte, na verdade. E os dois mataram várias pessoas. Da mesma forma que quase vos mataram a vocês. Finalmente eu tenho testemunhas. – explicou.
- Lara, vai ter de nos acompanhar e prestar depoimento, pode ser?
- Sim, há muito para contar. Mas pode ficar para amanhã? Por favor. Tenho o meu amigo no hospital. – pediu.
- Acho que não há problema. Amanhã à tarde passe na esquadra.
- Claro. Obrigado.
Jonah já estava a ser tratado. As queimaduras eram graves mas não muito extensas. Segundo a enfermeira, ele ia ficar bem rapidamente. Estava a descansar e não permitiram que Lara o visse. No dia seguinte ele já poderia receber visitas.
Voltou a casa. Para a sua casa. Apesar de tudo, estava feliz. Já não corria mais perigo. Deitou-se um bocado no sofá e bebeu um copo de água. Estava bem cansada. Jonah ia ficar bem. Ela sabia que sim.
Bateram à porta. Lara estranhou. Àquelas horas? Quem seria? Levantou-se e abriu a porta.
- Surpresa! – gritaram.

CAPÍTULO 35 – O final

A sua reação foi apenas abraçá-la. A pessoa que ela não via há dias. Sam. Ela estava ali. Lara estava a tocar-lhe. A maldição. Ela estava livre. Entrou e sentaram-se a conversar.
- Sam, que saudades. Eu estava tão preocupada. – contou Lara.
- Preocupada porquê?
- Porque… Bem, onde estiveste nos últimos dias?
- Eu? Em Singapura. Tu sabes.
- Sim, mas… Tu não te lembras de nada pois não?
- Não me lembro do quê? – confundiu-se a jornalista.
- Há uns dias. Estavas a falar comigo no telemóvel e de repente deixaste de me responder. Como se tivesses desaparecido. Até hoje. – explicou.
- Estás bem? Pareces nervosa.
- Agora eu estou. – sorriu Lara.
- Então, gostaste da surpresa?
- Adorei. Mas tenho muito para te contar. – disse – Hoje é o último dia da maldição, lembras-te?
- Oh meu deus! É verdade! E como é que…
- Calma. – interrompeu ela – Já está tudo bem. Já não estou amaldiçoada. E não vais adivinhar quem estava por trás de tudo.
- Então? Não era o Jonah?
- Mais ou menos. O Jonah estava possuído por um bruxo. – contou – E esse bruxo foi contratado pelo Harry, o teu colega.
- O quê? Mas porque é que…
- Longa história. Depois conto-te. Acontece que o Jonah está no hospital, com queimaduras. Fomos sequestrados e houve uma explosão. – continuou.
- Estou a ver que aconteceu muita coisa enquanto estive fora…
- Muita mesmo! Mas agora vou descansar, pode ser? E tu devias fazer o mesmo. Amanhã vamos visitar o Jonah! – sugeriu.
Foi a melhor noite da semana. Primeiro porque Lara se sentia segura, por ter a amiga por perto. Depois porque já não estava amaldiçoada. Já não tinha ninguém a querer fazer-lhe mal. Foi a primeira noite sem pesadelos desde há muito tempo.
Acordaram bem dispostas. Tomaram o pequeno almoço com uma calma que já não sentiam há muito tempo. O telefone tocou e Lara pousou a chávena de café para ir atender.
- Bom dia, Lara! Como estás? Liguei para te dizer que o novo dono do museu está à procura de alguém para substituir o teu lugar. E se fosses lá? – ria-se uma colega de trabalho.
- Achas que ele me contrata? – surpreendeu-se.
- Claro! Com o teu currículo? Óbvio! Nem percebi muito bem porque o senhor William te despediu, mas enfim. Amanhã passa cá para uma entrevista de emprego!
- Muito obrigado! Tem um bom dia! – despediu-se.
Enquanto continuavam a comer, Lara contou tudo o que não pôde contar nos últimos dias. Sam ficou rapidamente a saber de tudo. Dali a algumas horas estariam a sair para ir até ao hospital.
A história ainda não estava completamente contada. Jonah ainda tinha alguns episódios para esclarecer. Lara não queria aborrecê-lo de maneira nenhuma, mas ela não podia ficar sem respostas por muito tempo.
Chegaram lá e o grandalhão estava extremamente impaciente por estar ali. Queria voltar para casa o mais rápido possível. Insistia que já se sentia bem. Que estava pronto para sair dali. Mas ainda teria de esperar uns tempos. Já que ele se sentia tão bem, Lara não tinha porque esconder a sua curiosidade:
- Jonah, como é que tudo aquilo começou? Como é que… A partir de quando é que já não eras tu no teu corpo?
- Bem… Há umas duas semanas recebi um bilhete assinado por ti. Dizia que querias falar comigo, que era urgente. E marcava um lugar para nos encontrarmos. Fui lá e aquele bruxo atacou-me. Levou-me para a casa do Harry e fez uma espécie de ritual macabro para trocar de corpo comigo. Quem diria… Resultou. – contou ele.
- Uma parte de mim sempre soube que não eras tu… Estavas tão diferente. Quando fui viver contigo… Bem… Desde o primeiro dia percebi que não estavas normal. – continuou.
- Sim, eu sei que foste viver para lá. Todos os dias ele vinha ter comigo. Dava-me comida e água. E contava-me os seus planos doentios. Ele e o fotógrafo. Dois psicopatas! E, Lara? Não te contei uma coisa…
- O que foi? Podes dizer-me.
- Ele deu-me carne humana para comer. E eu comi. Não sabia o que estava a comer. Mas agora sei. Era o teu chefe e a tua vizinha. – contou.
- Meu deus! Aquele homem era louco. Mas calma. Agora está tudo bem. Agora tudo faz sentido. E só quero esquecer toda esta história.
- E eu só quero voltar à minha casa. – queixou-se.
- Em breve, Jonah. – sorriu Lara.
No regresso a casa Lara encontrou o seu velho amigo Robson que, tal como Sam, agiu como se nada tivesse acontecido:
- Olá Lara! Então, ainda queres aquele livro sobre pragas? Nunca mais me disseste nada.
- Robson! – abraçou-o – Já não preciso dele, muito obrigado!
- Credo. Parece que não me vês há anos. – surpreendeu-se o homem.
- Para mim pareceram anos!
- Do que estás a falar?
- Nada. Tenho de ir. Logo passo na biblioteca para falarmos melhor! – despediu-se.
Parecia estar tudo a recompor-se. Chegou a casa e tomou um banho relaxante. Almoçaram e tiveram uma longa conversa, bem agradável. Assuntos bem distantes de pragas. Mais tarde, Lara quis ir dar um passeio. Quis apanhar ar antes de ir prestar declarações à polícia. Insistiu para ir sozinha.
Foi até à falésia onde quase se tinha suicidado. Ela gostava daquele lugar. Mas quando se lembrava de que esteve quase a acabar com a sua vida ali, não conseguia compreender o porquê. Ela só podia estar completamente alterada pela maldição quando o fez. Agora ela conseguia ver como a vida era linda. Sentiu uma mão no seu ombro. Virou-se para ver quem era.
- Pareces-me feliz. Que bom ver-te assim, Lara – sorriu Jefferson.
- Jefferson! Que bom vê-lo!
- Então, já resolveste a tal maldição? – inquiriu.
- Já! E agora está tudo muito bem!
- Lara, eu… Eu conheço-te… Contaste-me tantas coisas que… Tu… Viste aquilo que viste. De certeza que está tudo bem? – desconfiou.
- Os loucos vêem aquilo que vêem.

FIM

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2 comentários:

  1. Parabéns! Esta história prende o leitor a narrativa!

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  2. Ótima história, realmente deu gosto de ler e de prender-se a narrativa!

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